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10 DE MARÇO

1. A dinâmica do processo eleitoral de 10 de Março trouxe algumas situações, umas novas, outras nem por isso. Uma delas prende-se com digamos, um ensaio de colocar em causa o processo eleitoral por parte de uma das candidaturas, tendo motivado a Comissão Nacional de Eleições, a vir a terreiro, pronunciar-se por em 50 anos de democracia nunca se ter colocado em causa o sistema, nem os seus resultados.

Naturalmente já se esqueceram do que aconteceu no século passado com Demétrio Alves, nas eleições autárquicas de 1997, quando esteve em parte incógnita, durante mais de 48 horas, com os votos do concelho de Loures. Naquela época os boletins, findo o acto eleitoral eram entregues nas freguesias que depois os faziam chegar á Câmara Municipal, de acordo com a Lei eleitoral.

Um episódio marcou o imaginário colectivo, de então, com a célebre corrida entre um Ferrari e um burro, protagonizada por António Costa, que liderava uma equipa de socialistas, dos quais três haveriam mais tarde de ser Presidentes de Câmara, desde logo o próprio Costa em Lisboa, Carlos Teixeira em Loures e Manuel Varges em Odivelas.

Quando finalmente apareceu Demétrio e os votos, constatou-se que o papel com o qual se formavam os embrulhos contendo os boletins, era distinto do distribuído aos presidentes de secções de voto, entre outras situações que levantaram a suspeita de “martelada”, ficando o anátema ao sistema que “permitia” semelhante destrato.

Ora foi precisamente com António Costa, como Ministro da justiça, no governo de José Sócrates, que se introduziram alterações legislativas no sentido de melhorar o sistema, e os boletins de voto deixaram de ser entregues á guarda do Presidente da Câmara, para passarem a serem entregues á guarda do tribunal de comarca, sendo o transporte das freguesias para o destino final garantido pelas autoridades policiais. Dito de outra forma, a segurança aumentou exponencialmente, e a possibilidade de martelada, nesta fase, drasticamente diminuída, senão mesmo banida.

Onde estava na altura a Comissão nacional de Eleições (CNE)?

Desta vez, e face a algumas dúvidas levantadas sobre a constituição de mesas a CNE emite um comunicado pelo qual assegura que os membros das mesas “As mesas de voto são compostas por cidadãos indicados por todos os partidos ou coligações que concorrem à eleição”, ora sucede que quando se tem mais de uma dezena de candidaturas, e os lugares a preencher numa mesa são apenas cinco, é quase como meter o Rossio na rua da betesga, alguém necessariamente vai ficar de fora.

A segurança do escrutínio só fica garantida se todas as candidaturas nomearem um delegado para cada mesa, como é seu direito, mas que raramente é cumprido, na medida em que um membro de mesa em hipótese alguma representa quem o indicou para o lugar, já o mesmo não acontece com o delegado cuja função é mesmo de representar a sua candidatura.

Ainda assim isto é uma evolução, pois no passado a nomeação era feita aleatoriamente pelo Presidente de Câmara, a partir dos cadernos eleitorais, e nunca esquecerei quando, no século passado, como chefe de gabinete de um Presidente de Câmara na Madeira, fiz um esforço de persuasão tremendo, para contrariar, no município onde exercia aquelas funções, as ordens da Quinta Vigia para as nomeações recaírem exclusivamente sobre laranjas. Com sucesso. Foi na época a única assembleia de voto plural na ilha, todas as demais eram homogéneas.

Onde estava a CNE? Nem sequer tinha um delegado na ilha, coisa que só passou a acontecer, pela primeira vez, depois de falar com alguns deputados à Assembleia da República, com quem comentava alguns assuntos de política.

Com estas evoluções o sistema é perfeito? Não, não é, ainda há zonas cinzentas … noutra oportunidade se falará disso.

2. O Presidente da República fica doente quando não é o centro da atenções, e auto-impondo-se um período de silêncio, quando determinou haver um tempo para os partidos, referindo-se á campanha eleitoral, um tempo para o povo, referindo-se ao acto eleitoral do dia 10 de Março, e um tempo para o Presidente da República, referindo-se ao pós eleições, conseguiu justificar a sua retirada de cena pública, amortizando, assim, o desgaste do seu protagonismo fomentado á exaustão pela crise em que se viu envolvido pela questão de duas bebés estrangeiras que beneficiaram do tratamento mais caro do mundo, graças a uma cunha presidencial, catalogada pela mãe das beneficiárias como PISTOLÃO.

Ainda sem haver resultados oficiais, na medida em que se espera o apuramento de cerca de 400 mil votos oriundos da emigração, que vão determinar 4 mandatos, e havendo apenas uma diferença entre o primeiro classificado (PSD) e o segundo (PS), cada um com 77 deputados, distanciando-os apenas 50 mil votos, significando pois tudo estar em aberto, o Presidente deu em convocar os partidos para audições.

Para garantir o máximo de protagonismo, espraiou as audições por vários dias, á razão de um partido por dia, coisa inédita na democracia portuguesa.

Consta que no dia 20 de Março, dia intencionalmente dedicado á audição do PSD, se saberá para quem vão os 4 mandatos.

Então não seria prudente aguardar pelos resultados definitivos? Imagine-se o sururu se o resultado for diferente daquilo que todos, sem excepção, estão á espera.

Sendo Marcelo um distinto professor de direito e fazendo uma analogia grosseira, é como se um Juiz começa-se a escrever a sentença antes mesmo de ouvir todas as testemunhas e arguidos.

Esta atitude a que o povo chama “meter a carroça á frente dos bois” só encontra paralelo naqueles 8 minutos de discurso de Marcelo ao País no dia da reflexão, onde a sua parcialidade foi mal disfarçada de apelo ao voto.

Se isto não é sobranceria … .

3. Um outro facto, por demais evidente, que vem assumindo uma forma sistémica e reiterada de incompetência, ou tentativa de manipulação, é o rotundo falhanço dos comentadores e pseudo-comentadores da nossa praça. Todos falharam. Mas não ficaram sozinhos, as sondagens e pseudo-sondagens fizeram-lhes companhia.

Chega a ser confrangedor esta tonteria de sujeitarem a população a longas horas de interpretações sobre o que alguém disse, o que quis dizer, e o que não disse, mas queria dizer o que disse, mas não queria dizer, obnubilando por completo os protagonistas político-partidários, deturpando a percepção do cidadão sobre coisas da maior importância da sua vida.

Não sei como, mas alguém tem de acabar com este disparate de incompetência.

4. O voto electrónico é sempre tema de conversa por estas alturas, e, dependendo da circunstância, todos lhe reconhecem vantagens.

Uma discussão, alargada, e séria sobre o tema precisa-se, desde logo para afastar alguns mal entendidos sobre o que é o voto electrónico, e explicar ao cidadão comum que não é a possibilidade de aceder á internet e fazer o seu voto electrónico. Para além dos riscos de intrusão, por parte dos hackers, quem não tivesse serviço internet ficaria excluído de exercer o seu direito de voto. Naturalmente isso está fora de questão.

O sistema que conheço, porque no ano 2000 fui observador internacional no Brasil, quando pela primeira vez utilizaram o voto electrónico em todo o país (após uma fase experimental e localizada anteriormente), é o de o eleitor se apresentar numa secção de voto, na qual no lugar de uma urna existe um dispositivo electrónico com botões para a introdução de um número correspondente ao candidato (lá cada cidadão candidato tem um número, por isso numa lista composta por 20 cidadãos existem 20 números distintos, sendo o primeiro par de dígitos identificativo do partido por que concorrem), o voto fica armazenado numa unidade física (tipo pen ou disco externo), á guarda dos membros da mesa.

No fim das operações essa unidade física é removida e entregue á administração eleitoral.

Vantagens? Eliminam-se erros de manuseamento de papéis (boletins), e sobretudo de contagens. Mas a principal é a celeridade no conhecimento de resultados finais.

Evitaria aquilo que no momento vivenciamos, a ansiedade de não saber ainda, quem ganhou as eleições.

Oliveira Dias, Politólogo

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