Estamos, todos, familiarizados com os muitos erros dos nossos jornaleiros nacionais, tanto dos que ostentam a cobiçada carteira profissional de jornalistas, como dos proto-comentadores, cuja verbe se espraia monotonamente, em considerandos muito úteis ao ego próprio, mas tão úteis como copo de água no mar, para quem consegue filtrar os disparates e dislates, gratuitos, com que minuto a minuto são debitados.
Estas eleições legislativas, serão, por certo, manancial q.b. para variadíssimas lucubrações, umas mais assertivas outras nem por isso, e isso é bom, há material para a rapaziada da pena, desde logo esta peça.
Tenho assistido a precipitações e erros convenientes, que chocam pelo mau serviço que fazem ao colectivo nacional, desde logo o da língua pátria, na acepção que lhe dava, e bem, o vate Fernando Pessoa “a língua portuguesa é a minha Pátria”.
Tem sido utilizada “ad nauseam” a expressão “Primeiro-Ministro Indigitado”, para se referirem ao líder da extinta Aliança Democrática, simultaneamente Presidente do PSD, Luís Montenegro, cujo partido virá a ter 78 deputados na Assembleia da República, tantos quanto terá o Partido Socialista, de quem se dizia estar o povo cansado, que é como quem diz o povo fresquinho, base eleitoral do PSD, não consegue ultrapassar o povo cansado do PS. Mas enfim isto já é análise política, e como não pretende ser o escopo desta peça, que se fique por aqui.
Em que erro lavra, então aquela expressão?
Temos de saber o significado do verbo indigitar, para se entender o que é um INDIGITADO.
Indigitar é convidar, propor, designar, alguém para alguma coisa, logo indigitado é a condição de convidado a, proposto para.
Como o líder do PSD, a quem se tributa a vitória do acto eleitoral, ainda não é Primeiro-Ministro, não se pode, de todo, referir-se a ele como Primeiro Ministro Indigitado, mas sim como o indigitado Primeiro Ministro, ou seja, alguém que foi convidado, proposto, para Primeiro Ministro, que haverá de ser, mas que ainda não é.
Este erro revela desconhecimento da língua, ao nível da gramática, e conhecimento de conceitos e significados.
Mas como um mal nunca vem só, temos mais razões para ficar preocupados com o futuro – sucede que esta coisa da INDIGITAÇÃO, como acto administrativo praticado pelo senhor Presidente da República, não encontra respaldo constitucional.
A Constituição da República Portuguesa (CRP), não prevê “convites” para a nomeação do Primeiro-Ministro. Consequentemente não há lugar para indigitações espúrias.
A alínea f), do Artigo 133º da CRP, dispõe que o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ora a nomeação é um acto definitivo, e como se vê, não se prevê, logo não pode existir, espaço para indigitações. No limite, o nomeado nem pode recusar, direito que também não é previsto.
Mas aquele artigo ainda nos diz em que moldes se faz a nomeação, convocando o nº 1, do Artigo 187º, da CRP, que dispõe: o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República (atentemos ao português – REPRESENTADOS, e não a VIREM REPRESENTAR, o primeiro é verbo no presente e o segundo no futuro) e tendo em conta os resultados eleitorais.
E aqui outro erro grosseiro. O Presidente da República só pode ouvir os partidos representados na Assembleia da República, depois dos respectivos candidatos terem tomado posse como deputados, só então serão deputados e a Assembleia constituída. Só então se podem iniciarem as diligências a que aquele artigo se refere.
Quando Marcelo Rebelo de Sousa, distinto Professor de Direito, recebeu os partidos, antes sequer dos resultados eleitorais terem sido apurados, e declarados oficialmente, cometeu uma precipitação. Pode até defender-se que tal se revolveria, agora, com nova ronda de auscultações, conhecidos que estão os resultados eleitorais, o problema é que já indigitou Luís Montenegro, sem que aquela figura exista como se demonstrou, para, pasme-se, o senhor aparecer numa reunião internacional na qualidade de Primeiro-Ministro indigitado.
Nem Montenegro é Primeiro-Ministro, nem a qualidade de indigitado existe. Mas isso não o impediu de mendigar tais inexistências junto do Presidente da República, para utilizar duas inexistências a fim de as exibir junto de seus pares europeus.
Tudo isto se caldeia numa percepção pública de afã, de precipitação ao pote de mel, quase como receando alguma coisa.
Compreende-se a pressa, provocada por uma espera de oito anos afastados do poder, finalmente alcançada, graças á mais do que providencial ajuda daquele a quem uma brasileira apelidou de Pistolão, e que nunca escondeu a sua preferência e tudo fez para tornar realidade.
Mas a história dá-nos lições importantes, por vezes esquecida, ou pior, ignorada.
Lembremo-nos do General Romano PIRRO que tendo tido uma vitória, a mesma foi tão insignificante que soube a derrota., tendo o seu nome baptizado as vitórias insignificantes.
Tudo aponta para que Luís Montenegro venha a ficar na história por semelhantes motivos.
O PSD, neste particular é campeão, com os troféus pírricos de Santana Lopes, com um governo de 4 meses, Pedro Passos Coelho, com um governo de 15 dias, fruto da obstinação de Cavaco Silva que ignorou a maioria formada na Assembleia da República e insistiu no disparate, e agora Luís Montenegro cujo governo não deverá passar deste ano, chumbado que esteja a sua primeira proposta orçamental, lá para Outubro de 2024, já que quanto ao prometido Rectificativo, em campanha eleitoral, para substituir o actual orçamento de António Costa que classificou como um dos piores de sempre, vai ter de deixar cair a sua promessa, pois não dá jeito nenhum, na medida em que a haver um rectificativo, os seus limites já foram estabelecidos por Pedro Nuno Santos, o líder do outro partido com tantos deputados como o PSD, o PS.
Por último, temos a gentileza palaciana de António Costa, que escudado na alínea i) do Artigo 133º, da CRP, vai convidar o Presidente da República a presidir o último conselho de ministros. Fica sempre bem.
Ironia das ironias, Marcelo Rebelo de Sousa, irá, assim, presidir a um conselho de ministros de um governo, cuja queda foi fomentada e incrementado por si próprio.
Com isso António Costa garante uma comendazita de uma das três Ordens da Presidência, algo que apenas um ex-primeiro-ministro não tem – José Sócrates.
Oliveira Dias, Politólogo