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ATESTADOS DE RESIDÊNCIA

Defender que sejam as Freguesias a primeira porta de entrada de um estrangeiro em Portugal é subverter por completo a Lei dos estrangeiros, entre outras, e fazer do Poder Local uma Fronteira/Alfandega.

Ultimamente tem estado sob escrutínio, sobretudo por parte da imprensa escrita, um acto administrativo praticado pelas Juntas de Freguesia, cuja procura aumentou exponencialmente – os Atestados de Residência, em concreto os requeridos por estrangeiros.

Na realidade quer o Diário de Noticias, edições de 19 de Março de 2023, 9 de Março de 2024, 15 de Março de 2024, e 29 de Março de 2024, quer o jornal Público, edição de 5 de Março de 2024, abordam esta matéria a propósito de práticas seguidas pela Freguesia de Arroios, em Lisboa, e a Freguesia de Alcáçovas, em Évora, Freguesia do Laranjeiro e Feijó, consubstanciadas pela exigência, aos cidadãos estrangeiros, de título de residência que comprove a sua entrada no País de forma legal, para a emissão do atestado de residência.

Aquelas práticas têm sido contestadas e merecedoras, de vigorosa censura, por parte de elementos da CDU, Bloco de Esquerda, Ministro da Administração Interna e Ministra dos Assuntos Parlamentares, cessantes, de várias associações, como “Vida Justa”, “SOS Racismo”, Solidariedade Imigrante” “Renovar a Mouraria”, “Grupo de Teatro do Oprimido” e a “Casa do Brasil”, advogados da área da imigração, e até profissionais de saúde do centro hospitalar de São José, aos quais um parecer da Provedoria de Justiça, de 2007, a propósito da Junta de Freguesia da Ericeira, parece dar ganho de causa em razão de matéria.

Por fim, a ANAFRE, associação nacional de freguesias, emitiu, recentemente, uma informação a todas as freguesias suas associadas, comunicando o seu parecer, na senda dos que repudiam a exigência aos estrangeiros requerentes de atestados de residência o competente título de residência ou permanência em Portugal, alegando não caber às freguesias verificar a legalidade dos requerentes, mas tão-somente a verificação de factos, chamando á sua defesa um parecer emitido em 12 de Abril de 2004, pelo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, e ainda o parecer do Provedor de Justiça acima referido, instando, assim, as suas associadas a não exigirem o Título de residência a requerentes estrangeiros.

O Diário de Notícias, edição de 29 de Março de 2024, dedica-lhe uma página a este parecer da ANAFRE, citando um assessor da Junta de Arroios, segundo o qual o “verdadeiro” parecer seria um emitido pela Direcção Geral das Autarquias Locais, dando razão à Freguesia de Arroios, e á exigência aos estrangeiros, de apresentarem um título de residência válido, emitido pela AIMA, ou pelo antigo SEF.

O Presidente da ANAFRE, Jorge Veloso, defende que ao contrário, do que algumas freguesias fazem, para os estrangeiros terem um título de residência em Portugal, têm de se munir primeiro do Atestado emitido pela Junta de Freguesia.

Existem mesmo, segundo aquelas noticias, queixas na Provedoria de Justiça, duas apresentadas por cidadãos estrangeiros, outra autoria de um partido politico, não se identificando qual, e outro por uma associação também não identificada pelo órgão de comunicação social.

Em defesa destas práticas das Juntas de Freguesia, avultam, para além do da DGAL, segundo a assessoria da Junta de Arroios, vários pareceres de Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, por exemplo a do Norte (INF_DSAJAL_AT_3547/2023, de 24 de Março), Alentejo (Parecer DAJ Proc.º nº 83/2020) e Algarve (Parecer nº 2022/07 de 13 de Outubro), todos no sentido de que é obrigatoriamente exigível o título de residência ou permanência em Portugal a emitir pela AIMA, para que uma Junta esteja habilitada a emitir um Atestado de residência a um estrangeiro, pois para um estrangeiro aquela é não só a primeira entidade por quem tem de passar, mas também a única entidade legalmente competente para autorizar a entrada em Portugal.

Defender que sejam as Freguesias a primeira porta de entrada de um estrangeiro em Portugal é subverter por completo a Lei dos estrangeiros, entre outras, e fazer do Poder Local uma Fronteira/Alfandega.

Nesta senda, foi a apologia do autor destas linhas, no âmbito de uma formação dada em todo o País, nas delegações distritais e regionais da ANAFRE, sobre RGPD, onde esta matéria foi abordada de forma sintética, mas objectiva.

Agora, face ao interesse público suscitado, elaboraremos um pouco mais.

Temos pois, nesta matéria, pareceres para todos os gostos, uns abonando a pretensão à emissão dos ilegais outros rejeitando a mesma. Do Provedor de Justiça, a ministros, departamento jurídico de associações, advogados, às CCDR’s, até á própria associação das Freguesias, e a DGAL (Direcção Geral da Administração local), todos dão para este peditório. Só falta mesmo que a IGF (Inspecção Geral das Finanças), esta com os poderes de tutela sobre as freguesias, emita também um parecer.

Sucede que os pareceres, sendo opiniões técnicas especializadas, uns com mais peso, outros nem por isso, nenhum deles, das entidades referidas, são vinculativos.

Porque, a emissão de um atestado, se trata de tratamento de dados pessoais, o único parecer que conta, por ser obrigatório, embora não vinculativo, é o de um profissional que todas as Freguesias estão obrigadas a ter – o EPD/DPO (encarregado de Protecção de dados).

Não cometerei a deselegância de confirmar ou infirmar se as freguesias referidas, quer pelo Diário de Noticias, quer o Público, cumprem com essa obrigação, mas basta navegar pelos seus sítios institucionais, onde deverá estar publicada a Política de Privacidade, e nesta a indicação de quem é o DPO e seus contactos e forma de chegar até ele. Tudo uma obrigação desde 25 de Maio de 2018, que nem todas as Freguesias cumprem.

Antes mesmo de adentrar na especificidade da matéria, importa dar aqui uma nota prévia importante, para evitar alguma confusão relativamente a instrumentos aparentemente (e só aparentemente) semelhantes.

Qual a diferença entre um Título de residência, Certidão de Domicílio Fiscal, e Atestado de residência?

As diferenças operam-se a três níveis, quanto à autoridade emitente, quanto à natureza de cada um deles, e quanto à finalidade de cada um deles.

A autoridade emitente de um título de residência, é a entidade que veio substituir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no caso é a Agência para a Imigração, Migrações e Asilo, no seu acrónimo AIMA, titulando este documento o direito, de um estrangeiro, estar legalmente autorizado a entrar em Portugal e aqui permanecer, durante o período inscrito nesse título, passível de renovações, premindo-lhe, desta forma, escolher livremente em que parte do território nacional quer residir.

Já a autoridade emitente de uma Certidão de Domicilio Fiscal, é a Autoridade Tributária, cujo acrónimo é AT, sendo um documento que certifica a existência nos arquivos da AT do domicilio de um cidadão, para efeitos fiscais, mas que pode servir também para fazer prova, perante terceiros, de residência do cidadão, na medida em que é obrigatório o domicilio fiscal coincidir com a freguesia de residência do eleitor, dito de oura forma a residência permanente do cidadão e o seu domicilio fiscal tem de ser o mesmo.

O Atestado de Residência, é o documento, emitido por uma Junta de Freguesia, pelo qual se confirma que um cidadão perante os serviços de uma freguesia afirmou residir em determinada morada.

Acresce deixar claro que o que distingue o Atestado de uma Certidão, é que aquele, como se disse, confirma declarações prestadas perante a Junta de Freguesia, mas a Certidão é um documento autêntico, com força probatória, em juízo, ao contrário do atestado, que confirma a existência nos arquivos da entidade de determinados dados referentes ao cidadão.

Depois destas explicações prévias, fixemo-nos, pois, nos Atestados emitidos pela Junta de Freguesia, escorados na alínea rr), nº 1, Artº 16º, da Lei 75/2013, de 12 de Setembro, e em concreto ao de residência, deixando de lado todos os restantes Atestados que uma Junta de Freguesia pode emitir, e nenhum outro mais, para além de, incluso o de Residência claro, Prova de Vida, Situação Económica, Termos de identidade, Justificação Administrativa, ao abrigo do D.L nº 135/99, a que se juntam a Prova de União de Facto, Dissolução da união de Facto declarada unilateralmente, Dissolução de União de Facto por declaração conjunta, e Dissolução de União de Facto por falecimento, ao abrigo da Lei 7/2001, de 11 de maio, num total de apenas 9 Atestados cujas Juntas de Freguesia têm competência para emitir, e apenas estes.

A título meramente informativo existe uma portaria sobre a posse de alfaias agrícolas, atribuindo a competência para atestar essa posse às Juntas de Freguesias, porém as atribuições e competências das autarquias são fixadas por Lei ou Decreto-Lei, pelo que aquela portaria não sendo Lei (é um acto administrativo inferior ao acto legislativo), é para não ser seguida, logo desaplicada.

Esta matéria é sobremaneira interessante, mas de enorme controvérsia, na medida em que uma certa apologia pretende equiparar um estrangeiro ilegal, a um estrangeiro legal, e pior, a um nacional, em matéria de legitimidade para se apresentar perante a administração pública como requerente, e no caso, perante os serviços de uma Freguesia.

O CPA (Código do Procedimento Administrativo) prescreve o Principio da Igualdade (Artigo 6º), proibindo o beneficio ou a restrição de direitos em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou religiosas, instrução, situação económica, condição social, ou orientação sexual … mas não inclui, logo não se aplica este principio, aos ILEGAIS NO PAÍS, logo não podem equiparar-se aos nacionais, nem aos estrangeiros legais no nosso país, pois doutra forma era como afastar o Poder Soberano do País.

Desde logo as Freguesias têm as suas atribuições (fins constitucionais), prosseguidas pelos respectivos órgãos através da suas competências (poderes legais), exclusivamente confinadas ao seu território, e á população que constitui o seu substrato pessoal, isto é, os cidadãos neles recenseados, e os que não sendo recenseados, ali residem permanentemente, sendo estrangeiros, legalmente autorizados a permanecer em Portugal. Nisto se concretiza a competência territorial das autarquias., no caso das Freguesias. Um cidadão que veja recusado um atestado, por exemplo, na Freguesia de Odivelas, não pode ir requerê-lo, à Pontinha, e vice-versa.

Por esta razão os serviços das freguesias têm sempre de verificar a legitimidade do cidadão que se lhe apresenta requerendo seja o que for. Isso não significa que esteja a sindicar o cidadão, pois não tem poderes para confirmar ou infirmar a legalidade dos documentos que apresenta.

Para um cidadão recenseado na Freguesia, a legitimidade é feita verificando a identidade do cidadão, e a sua “pertença” à comunidade local respectiva, algo possível recorrendo ao recenseamento, no caso da residência. Os serviços não vão verificar se o cidadão tem ou não um cartão de cidadão verdadeiro ou falso, o que lhe importa mesmo são os dados que ele contém. Se os serviços notarem algo que levante suspeitas forçosamente, vira caso de polícia, e tem de chamar as autoridades competentes.

Para um cidadão estrangeiro, para além da identidade, tem de verificar se é titular de competente autorização de permanência em Portugal, sem a qual não tem, legitimidade para requerer o que seja.

O cidadão tem de ser titular de duas coisas para poder ser requerente e interagir com a administração pública: Personalidade jurídica, ou seja, a susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações, e isso, em Portugal, basta estar vivo, para a ter, e Capacidade jurídica, ou seja a medida daquela susceptibilidade, que em Portugal se adquire com a maioridade.

Um estrangeiro, à luz do nosso ordenamento jurídico, tem Personalidade jurídica, mas a sua Capacidade Jurídica, não é plena, como a dos nacionais, pois está restringida às condições impostas pela lei portuguesa, e no caso, à lei dos estrangeiros, pois aquela impõe, para se entrar em Portugal, determinadas condições que forçosamente deverá respeitar ANTES DE ENTRAR, em Portugal.

Convocando o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD), a legitimidade para realizar tratamento de dados de um cidadão, está escorada nas fontes de licitude do RGPD, fixadas no seu Artigo 6º, e nele encontramos aquilo que autoriza uma Freguesia a fazer tratamento de dados, no caso é a alínea c) daquele artigo (a fonte de licitude que cobre cerca de 98% dos tratamentos de dados que uma freguesia realiza), o cumprimento de uma obrigação legal.

Também o CPA, acolhe esta apologia, no seu Artigo 68º – legitimidade procedimental – só os cidadãos titulares de direitos, e interesse legalmente protegidos podem ser requerentes, ora salvo opinião mais abalizada um estrangeiro ilegal não tem direitos passiveis de protecção, da mesma forma que um cidadão estrangeiro com competente autorização de entrada. O estrangeiro ilegal não cumpre com o desiderato da obrigação legal o segundo sim.

Ou seja para tratar dados pessoais de um estrangeiro, este tem de cumprir a lei, entrar e permanecer em Portugal, pois não o fazendo a freguesia está impedida de o aceitar como requerente, por não ter escora legal suficiente para realizar tratamento de dados desse titular de dados pessoais ilegal.

Esta fonte de licitude – cumprimento de obrigação legal – está umbilicalmente ligada a um dos primaciais princípios que enforma a actividade do sector público em Portugal, o PRINCIPIO DA LEGALIDADE, o qual determina que a administração pública só pode fazer o que expressamente a lei consignar, dito de outro modo, no silêncio da lei não se pode fazer, é proibido.

Para que um cidadão estrangeiro ilegal usufruísse de iguais direitos daquele outro legalmente autorizado a entrar e permanecer em Portugal, à luz do Princípio da legalidade, a Lei de estrangeiros teria de postular essa equivalência, e isso não acontece. Se o não faz, é proibido fazê-lo.

Assim, afigura-se como a mais cristalina das evidências que a capacidade jurídica, para se ser requerente, aos balcões dos serviços de uma freguesia, é ser titular da legitimidade que a Lei confere e protege aos cidadãos, nos termos e limites da lei.

O cidadão estrangeiro ilegal, por que tem a sua capacidade jurídica cerceada, tem de se socorrer da AIMA, que aqui funciona como uma espécie de curadora, para intervir, por ele, no sentido de prover uma solução para a sua situação, mas nunca convocando as freguesias para exercerem funções de autoridade fronteiriça ou aduaneira, estas sim o primeiro balcão que um estrangeiro se tem de dirigir, para entrar em Portugal.

Não deixa de ser aberrante que um serviço do estado emita documentos a ilegais, (NIF, descontos para segurança social, etc.) com base em atestados das freguesias, isso sim configurando um fomento á ilegalidade na entrada no País, punível com pena de prisão até dois anos.

Em última análise, sem prejuízo de uma intervenção do DPO, e, posteriormente, se necessário, da CNPD (Comissão Nacional de Protecção de Dados) um estrangeiro ilegal, que veja recusada a emissão de um atestado por não exibir competente autorização de permanência em Portugal, tem sempre a possibilidade de recorrer aos tribunais, que são a única entidade com poderes de reverter decisões das autarquias.

Embora não me pareça necessário, talvez uma intervenção legislativa aclarando ainda mais o que me parece claro fosse uma ajuda.

Oliveira Dias, EPD/DPO

Encarregado de Protecção de Dados de Freguesias

Membro da Associação Portuguesa de DPO’s

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