O mimetismo político, ou na política, é algo recorrente, ainda que distanciando-se 31 anos entre a declaração em título, proferida por Aníbal Cavaco Silva, em 28 de Julho de 1993, no Castelo de São Jorge, por ocasião da apresentação de candidatos ás autárquicas de 1993, numa invectiva direita ao então Presidente da República Mário Soares, presente na afirmação “entretenham-se em almoços, nos Palácios, e na intriga”.
Era a época das forças de bloqueio, constituídas, na perspectiva do governo de Cavaco, por uma quase kafkiana coligação entre, oposição, tribunal de Contas, tribunal constitucional, Provedor de Justiça, e mais um par de botas.
Dia 2 de Abril de 2024, Luís Montenegro, no seu discurso de tomada de posse, como Primeiro-Ministro, rebuscando a frase de Cavaco, seja por se lembrar dela, seja por a ter lido no manual de bem governar daquele ex-Primeiro-Ministro, e a propósito de um previsível acolhimento do seu programa de governo na Assembleia da República, instou os partidos com assento parlamentar a, o deixarem trabalhar, com o conforto, de antemão, do anuncio do Secretário-Geral do Partido Socialista, não haver intenções da bancada parlamentar do PS de opor-se ao mesmo.
A arrogância, é um exercício patente na praxis do Primeiro-Ministro do PSD, Luís Montenegro, como o comprovam os factos, até ao momento, desde logo, com os acontecimentos humilhantes ocorridos na eleição da mesa da Assembleia da República, cuja solução veio da bancada do Partido Socialista, seja pela mal explicada história do entendimento com o CHEGA, seja pela completa ausência de conversações com as restantes bancadas do hemiciclo, tão necessária, em vista á ténue separação de mandatos entre quem ganhou e quem perdeu, e que o bom senso recomendaria. Montenegro, assim não o entendeu, fechou-se na concha e rezou para que o seu candidato à Presidência da mesa lá fosse eleito, sujeitando-o á vergonha de ser derrotado duas vezes pelo PS.
Depois o seu discurso de tomada de posse indicia a teimosia de manter a mesma praxis, quando pede maturidade a todos os partidos, tendo sido o primeiro a demonstrar não a ter, e quando insta o Partido Socialista a esclarecer se será numa oposição democrática, ou se uma força de bloqueio democrático, e aqui, mais uma vez, revisita o manual de cavaco, o tal ex-Primeiro-Ministro que se queixava das forças de bloqueio.
Parece que o Primeiro-Ministro ainda não se deu conta do seu real peso institucional e politico, arrogando-se estar em posição de fazer exigências ao partido que em número de deputados está exactamente ao mesmo nível que o seu.
Quem vai decidir se o Partido Socialista se irá posicionar como oposição democrática, ou força de bloqueio democrático, é o próprio Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, e isso depende da sua aptidão e habilidade, para conversar com quem é o maior partido da oposição, com tanto deputados como os do partido do governo, aceitando não ser possível implementar o seu programa de governo, por demasiado contrário às medidas preconizadas por Pedro Nuno Santos, ou, não sendo de todo previsível que venha a aceitar o programa de governo do PS, insista na aplicação do seu programa de governo, o qual obviamente conta com o bloqueio do PS, pois a isso é obrigado.
Esta arrogância, não está só, a sobranceria é sua companheira, e a demonstrá-lo está a ausência de convite para a tomada de posse do Presidente de um dos partidos da coligação que o levou ao poder, a Aliança Democrática, a fazer lembrar, mais uma vez, o passado, Câmara Pereira, tão mal tratado em campanha, foi desta vez ou esquecido ou ignorado, péssimo no primeiro caso, mau no segundo.
Quem assim trata os seus desmerece qualquer simpatia por quem o rodeia, e pelos demais. Não presta.
Também se identifica uma mimética interessante, desta vez já não entre Luís Montenegro e Aníbal Cavaco Silva, mas entre o que diz o agora PSD governo, e afirmações do PS governo cessante – vêm agora dizer, Luís Montenegro, já investido da qualidade de Primeiro-Ministro, que não somos um país rico só porque houve um super-avit orçamental, de 3.2 mil milhões de euros, como que a refrear os desejos de várias classes profissionais, ansiando por ver satisfeitas as suas reivindicações. Ora isto era precisamente a apologia de António Costa, quando em simultâneo o PSD, então oposição, prometida tudo a todos, já, como de resto vimos na campanha eleitoral, e que como sabemos, foi decisivo para a derrota do PS e a vitória do PSD.
Marcou presença, também o tão actual tema da corrupção, repescado por Luís Montenegro, numa manobra, e bem, conceda-se, de retirar espaço à propaganda do CHEGA, mas para dizer que vai convidar todos os partidos a darem-lhe ideias, durante dois meses, para as testar e avançar com bases legislativas, aparentemente sem tocar na justiça, porque a erradicação da corrupção passa e muito por mexer na justiça. Bases legais já existem que chegue, basta que se implementem os mecanismo criados, seja por colocar em marcha a entidade para a transparência, algo incompreensivelmente atracada no mar do marasmo, seja por levar ao terreno o Regime Geral da Prevenção da Corrupção, com a dinamização, entre outros, dos canais de denúncia, os quais são genericamente ignorados por quem é obrigado a tê-los, cientes que estão de nunca terem sido aplicadas quaisquer sanções por esse incumprimento.
O ausente, mais presente de sempre numa tomada de posse, foi, desta vez, Pedro Nuno Santos, causando arrepios de espinha nas hostes do governo e dos seus correligionários, suscitando comentários e comentariozinhos a todos os comentadores de serviço. Com isto o Partido Socialista parece afirmar que o “Não, é não” quando se afirma oposição, recusando ser muleta do governo de Luís Montenegro, a quem até fez um favor de lhe deixar um orçamento, que permitirá a Luís Montenegro prolongar a agonia deste governo minoritário., e bem pode afirmar o Primeiro-ministro que não é um primeiro-ministro de turno … veremos, se tem arte e engenho para tanto.
Mas, para quem está à espera que seja o Partido Socialista a levá-lo pela mão … .
Oliveira Dias, Politólogo