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    A GERAÇÃO DO 25 DE ABRIL

    No 25 de abril não houve uma revolução como muitos gostam de rotular, houve, isso sim, uma alteração de regime onde alguns poderes não foram sequer beliscados como a igreja e os tribunais e até os ex-pides vieram a receber reformas do estado, pensões essas negadas, por exemplo, à viúva de Salgueiro Maia.

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    Tenho para mim que a geração do 25 de Abril é aquela que à data teria pelo menos 17, 18 anos e tinham consciência social e atenção que por essa altura os jovens eram maduros mais cedo até porque eram obrigados a isso.

    A maioria dos que dirigem o País, nas mais diversas estruturas, não viveu o 25 de Abril (25A) ou, então, eram “jovens inconscientes”, recém-nascidos, e sem noção das realidades sociais. Não admira por isso que seja evidente que muita da “militância” dos ideais do 25A resulta dos testemunhos ouvidos e lidos, mas nunca de uma vivência. Daí que no dia a dia lhes falte um certo espírito critico em relação à mais leve pontinha de autoritarismo.

    Não admira por isso que se assista, cada vez mais, a uma fatia substancial de Cidadãos para quem é indiferente algumas posturas que atentam contra as Liberdades Individuais e em muitos casos diria até que estamos na presença de uma ampla camada de situacionistas a quem infelizmente não foram passados Valores como o Mérito, a Verdade, a Honestidade e a Solidariedade… isto para não me alargar na falta de valores reinante nas sociedades modernas como a nossa. 

    Para muitos, vale tudo, na ânsia de chegar ao topo da cadeia alimentar e, a perseguição a quem pensa diferente, começa logo nas escolas do ensino básico onde o Bullying é resultante da formação autoritária e dos valores passados pela família. Mais tarde, absurdos e atentados à Liberdade Individual podem ser vistos por exemplo com as Praxes académicas… tentassem eles fazer isso com a geração do 25 de Abril e teriam certamente uma surpresa para a vida.

    O Antes do 25 de Abril

    Na minha família tenho de recorrer ao meu avô paterno, falecido nos anos 30, para encontrar alguém que tivesse atividade política, mas a primeira República eram outros tempos, outros Homens e outras vontades e mesmo no sindicalismo, até à moda dos sindicatos vermelhos, não se brincava em serviço e tanto assim que, mesmo enfraquecidos pela ditadura, os sindicalistas revolucionários da época fizeram o 18 de janeiro e mais tarde o único atentado ao ditador salazar. Enfim, outros tempos… Tudo isto a propósito de como a minha vida foi apanhada pela política e como a vida me apanhou no 25 de Abril com 18 anos.

    Pertenço a uma geração que sujeita, logo após o ensino primário, a uma seleção social, em que os mais pobres iam para o ensino técnico e os mais abastados para o liceu e isto porque com o equivalente ao atual 9º ano, os do ensino técnico tinham conhecimentos no curso comercial ou industrial que lhes permitiam entrar no mercado de trabalho de imediato, enquanto os jovens do liceu faziam o equivalente ao 11º e a sua formação era orientada para a entrada nos cursos superiores, começava aqui a “seleção natural” do regime do estado novo. Raros os do ensino técnico conseguiam chegar ao Instituto Comercial ou Industrial e tirar um curso médio.

    Enfim, tive a sorte de ver o meu clube bicampeão europeu… ver a seleção nacional conquistar o 3º lugar no campeonato do mundo, ver as imagens dos atornautas a pisarem a lua, assistir à chegada dos beatles e dos rolling stones, ao Woodstock e tudo o mais, do tempo em que se fazia música a sério e em que os Beatles, penso que ainda hoje, foram proibidos de passar na radio renascença…

    Cabe aqui um episódio, quando uns meses antes do 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho, que era visita do prédio onde eu morava, sossegou a minha mãe dizendo-lhe que o filho dela não iria para a guerra – promessa cumprida.

    Ficaria aqui durante mais três ou quatro folhas de A4 contando pormenores e episódios que só a minha geração passou naqueles anos do regime do estado novo, desde o facto de a minha escola secundária ser mista (coisa rara na altura) mas só podermos falar com as raparigas a mais de 50 metros da entrada da escola e dentro da escola termos turmas, corredores e acessos separados. De como aprendi o truque para ler propaganda anti-regime e que era muito simples – pisar o papel e ler sem lhe tocar, jamais pegar no papel porque isso faria de nós perigosos comunistas. Aliás o único sítio seguro para ler propaganda normalmente era nos gabinetes da casa de banho.

    Ainda hoje me interrogo porque comecei a comprar aos 13 anos a Seara Nova… garanto-vos que só muitos meses depois comecei a perceber a informação encriptada que ela continha e, mais uma vez na minha ingenuidade, o que arrisquei sempre que comprava um exemplar.   

    Um episódio final caricato que vos pode dar uma ideia do regime do estado novo: Com a chegada dos Beatles, chegou também a moda dos cabelos compridos e muitos jovens nem sequer por questões políticas começaram a deixar crescer os cabelos… Ora o senhores do regime deram ordens à polícia para que prendessem todos os jovens de cabelos compridos e lhes cortassem o cabelo à bruta… Acontece que alguns desses jovens tinham pais com peso social e armou-se então uma bronca das antigas em que o regime teve de apresentar desculpas a alguns pais… Enfim é só para dar uma ideia da prepotência do regime e das polícias de então. 

    – Na altura havia no ar (tal como em novembro de 1975) a convicção de que algo estava para acontecer. O golpe no março anterior das Caldas tinha aumentado esta sensação de que estava qualquer coisa para acontecer… Eu próprio tive a ingenuidade de em plena camioneta da arboricultora, à chegada a Odivelas, comentar em voz alta que aquilo das Caldas era só um sinal que algo maior estava para acontecer. O perigo nestas coisas era que bastava um bufo da pide/dgs estar entre os passageiros para a breve prazo vir a ter problemas e nestas coisas a pide incluía na perseguição e violência a família toda e sendo estudante, tá visto, era automaticamente comunista.

    O Dia Que Marcou a Nossa Vida

    Naquela 5ªfeira do 25 de Abril, estive como muitos que iam para a escola muito cedo (entrava em Lisboa, Xabregas, às 8h) nas ruas de Lisboa, vi a cena do Salgueiro Maia a enfrentar o coronel do regime com os tanques e o momento decisivo em que o atirador do tanque não dispara contrariando as ordens e se dá a passagem de militares para o lado do MFA. Aqui mais do que no quartel do Carmo se ganhou o 25 de Abril.

    Uma nota importante:

    – Nunca desci tão rápido a Rua do Carmo, quando se dão os disparos dos agentes da pide/dgs que estavam nos telhados e que vieram a causar 4 mortos. O meu maior choque foi chegar ao Rossio e ver toda aquela gente muito calma a tomar o seu cafezinho nas esplanadas dos cafés de referência da altura.

    Alteração de Regime Sim, Não uma Revolução.

    Termino, que a carta já vai longa, dizendo-vos que no 25 de abril não houve uma revolução como muitos gostam de rotular, houve, isso sim, uma alteração de regime onde alguns poderes não foram sequer beliscados como a igreja e os tribunais e até os ex-pides vieram a receber reformas do estado, pensões essas negadas, por exemplo, à viúva de Salgueiro Maia.

    – António Guedes Tavares, diretor

    Editorial

    Publicado no Semanário NoticiasLx –

    NoticiasLx | Semanário | Edição de 20 de Abril de 2024

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