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25 DE ABRIL 1974

A minha geração, era a que estava na calha, 10 anos depois, para seguir para África.

“O carteiro, na sua entrega de correio matinal, colocou um envelope na minha caixa do correio, olhou na minha direcção, cara carregada, acenou, e pôs-se a caminho … estranho, nem um bom dia, nem um “então dona Maria, mais um dia não é?”, foi-se. Assim, sem mais nem menos.

O coração acelerou, batia forte e rápido, um não sei quê, afligia-me, um aperto, uma mãe, sabe, sente certas coisas, umas boas, outras más, desta vez qual seria?

Vais lá tu, ou vou lá eu? Grita o Manuel, marido da dona Maria, agarrado à sua enxada, na leira um pouco afastada, da casa, e da caixa do correio, com a qual amanhava a terra em volta das couves, só para se entreter, não conseguia quedar-se … Ó homem estou a caminho.

Chegando á caixa do correio, mãos trémulas, dona Maria abre-a, com alguma dificuldade – estas mãos, estas mãos … -a ansiedade toma conta de tudo.

Porta da caixa do correio aberta, jazia lá dentro, inerte, sem vida, um envelope azul … pegou-lhe, a medo, o brasão da República anunciava notícias … a última vez que isso acontecera fora aquando da chamada do seu João, filho varão, 20 anos, para a tropa, Santa Margarida, em Abrantes, destino final Angola, lá no fim do mundo.

Retira o envelope da caixa do correio, e mergulhada em mil pensamentos, apertando contra o peito o envelope, nem se deu conta de ter deixado aberta, a caixa, quando lentamente se dirigiu para casa, duas lágrimas teimavam em desabrochar na sua enrugada face, espelho de tantas esforçadas lutas pela família, pela quinta, enfim.

O Manuel, com os olhos fixados na dona Maria, sente como que uma força invisível a empurrá-lo, lança ao chão a sua enxada, que tantos calos já lhe fez na mão,  e, passo apressado, primeiro, em corrida, depois, alcança dona Maria e diz-lhe – dá cá – e dona Maria entrega-lhe o envelope, com a aflição estampada no rosto.

Manuel abre com sofreguidão o envelope, retira dentro dele um papel de reduzidas dimensões, e lê a mensagem nele contida, como se lhe espetassem flechas em todo o corpo – lamentamos informar que o seu filho, João … faleceu em combate, deixando testemunho de enorme coragem e valentia em defesa do seu País. As nossas sentidas condolências – acto imediato, Manuel, lança a mão direita na qual tinha a mensagem á cabeça, e exclama – Ai meu Deus, os cabrões levaram-me o filhinho – e chora, agarrado á dona Maria, que o acompanha numa dor, incomensurável.”

Esta história ficcionada, mas certamente muito próxima da realidade, terá acontecido cerca de dez mil vezes entre 1962 e 1974, período durante o qual gerações de moçoilos, foram para a guerra colonial, em nome da Pátria.

Para além destes filhos de Portugal, que se juntaram aos seus egrégios avoengos, há que contar com os muitos milhares de estropiados, quais medalhados das consequências da guerra, marcados indelevelmente, para que se não esqueçam. Todas as famílias portuguesas terão uma destas medalhas de sangue.

E Portugal, nessa guerra, estava sozinho, só contava mesmo com os seus, os países afectos ao bloco soviético, davam apoio directo aos turras, a todos os níveis, e do bloco ocidental, da américa, Kennedy, decretou um embargo de armas para Portugal, negando-nos o que de melhor havia na época, perante um olhar compassivo de uma NATO de braços cruzados.

Quantos projectos de futuro nunca chegaram a sê-lo? Famílias, profissões, cientistas, génios, sabe-se lá, que Portugal teriam hoje com eles, com os que foram? E com os que ficaram, mas diminuídos? Tudo seria diferente, melhor ou pior, mas sim diferente.

O dia 25 de Abril de 1974, ACABOU com esta dor para todas as famílias portuguesas.

A minha geração, era a que estava na calha, 10 anos depois, para seguir para África. A minha geração é, inquestionavelmente, uma directa beneficiária da revolução. Eu era um dos “marcados” para África – na altura o carimbo era pré-nomeado – por isso Santa margarida, ter estado na minha rota militar. Mas África não aconteceu, o 25 de Abril de 1974, não o permitiu. Esta divida de gratidão, a minha geração, tem-na. Ponto.

Isso tem um valor incomensurável, maior mesmo que a liberdade conquistada.

Não serve este texto para apreciar o mérito ou o demérito da guerra colonial, portuguesa, ou exaltar o mérito da revolução, esse sem discussão, e por quase toda a gente relembrado, em cada ano que passa, mas apenas dar uma perspectiva do enorme benefício que o seu fim trouxe.

Tive em tempos o ensejo de numa celebração da data, em sessão especial da Assembleia de Freguesia de Famões, da qual era o seu Presidente, de fazer um discurso, assinalando publicamente esta perspectiva pessoal do 25 de Abril de 1974.

Este texto é a segunda vez que o faço. Nunca é demais reiterar algo que tanta diferença faz na vida de uma pessoa, e na sua família, sobretudo se é marido, pai e avô. Podia não o ser, por causa da guerra.

VIVA PORTUGAL. SEMPRE.

Oliveira dias, Politólogo

Publicado no Semanário NoticiasLx:

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