Tendo iniciado a minha vida profissional, numa operadora de trafego e estiva portuária, no Porto de Lisboa, numa oficina de mecânica de pesados, como aprendiz de mecânico, convivi com centenas de colegas de várias profissões portuárias, desde logo, estivadores, trafego e conferentes, e profissões não portuárias, como administrativos, mecânicos, pessoal médico privativo da companhia, etc.
Desta rica experiência primordial, profissionalmente falando, encontrei, naturalmente aquilo que vulgarmente designamos como “cromos”, uns cromos positivos, outros cromos negativos.
Tínhamos um colega, chefe do departamento de facturação, conhecido e reconhecido, por todos os colegas da companhia como um cromo dos bons – era o Feliciano, mais conhecido por FLINCAS.
O Flincas tinha uma personalidade sui generis, pessoa afável, brincalhona, com um aguçado sentido de humor, extraordinariamente prestável, amigo do amigo, solidário, e uma característica se destacava das demais, era um incondicional militante do partido comunista português.
Quando alguém punha isso em dúvida ele de imediato, desapertava o cinto das calças, e exibia uma pequena parte da sua roupa interior, respeitando o pudor mínimo, e percebia-se a cor da mesma, vermelha. Até o beneficiário do seguro de vida que a companhia proporcionava aos seus trabalhadores, ele designou o partido, em detrimento da família.
Todos lhe achavam piada. A sua postura era de tal forma desconcertante, que tudo quanto dizia era aceite com a maior das condescendências por parte dos colegas, quaisquer que fossem, incluso os próprios gerentes da companhia.
Mas era acima de tudo um homem sério. Sem esquemas ou tacticismos.
Simpatizava comigo. Era dos que não tinha nenhum problema em falar com alguém de facto macaco sujo de óleo hidráulico ou de motor, ou massa consistente, fedendo a gasóleo, para ele todos eram colegas, e admirava o facto de, apesar de eu ser da ferrugem, cursar a licenciatura de Direito na Moderna em Alcântara, ao passo que para outros isso era um tanto bizarro. Enfim.
Um dia o Flincas vem ter comigo e convenceu-me a sair do sindicato dos metalúrgicos, e a transitar para o sindicato da Marinha Mercante. Não me arrependi de aceder à mudança.
Só não teve sucesso, frustradas que foram as suas três tentativas, para eu mudar do PS para o PCP. Amigos na mesma. Entre homens sérios e de convicções, é assim.
Um dia Flincas cruzando-se com uma colega do sector administrativo, interpelou-a dizendo-lhe que o homem que dormira com ela tinha ido à sua procura, não a encontrando no local de trabalho.
O ar de aflição estampou-lhe o rosto, e balbuciou algo como “Quem?”, ao que ele lhe responde “o teu marido pá…”, e tudo se compôs com risadas nervosas, umas, de gozo, outras.
Mas o ponto, aqui, é mesmo este – ao Flincas nada se lhe criticava, tudo era motivo de piada, porque … era o Flincas.
Actualmente imagino que lá nos céus, o tempo seja de boa disposição, e certamente até Deus lhe achará piada com os ditos e desditos do Flincas.
Por cá, na terra, temos uma coisa muito semelhante ao Flincas, e dá pelo nome de Marcelo, e, ao contrário do Flincas, tem uma responsabilidade institucional, que em Portugal mais ninguém tem, que é a que decorre do seu alto cargo de Presidente da República.
Do alto dessa posição cimeira, Marcelo, tem-nos habituado a uma série de diatribes, classificadas por alguns como uma incursão para além dos seus poderes, imiscuindo-se nas competências de outros órgãos de soberania. Tudo sem ninguém o chatear muito por isso, tirando um ou outro.
Aqui e ali vai polvilhando as suas atitudes com dizeres pouco adequados, roçando a indelicadeza, tendo como destinatários todo o tipo de pessoas, sendo a última umas opiniões brejeiras sobre o actual e o ex- primeiro ministro de Portugal.
Mas o pináculo do disparate, de tão absurdo e inaceitável que é, foi quando num encontro com personalidades, estrangeiras até, penso que na véspera do 25 de Abril de 2024, se pôs a discorrer sobre a obrigação de Portugal reconhecer os seus erros históricos, designadamente referentes à colonização, e escravatura, e proceder a indemnizações, em jeito de reparação.
Nem Joacine Katar Moreira faria melhor.
André Ventura, imediatamente proferiu uma declaração pública de repúdio, acusando o chefe de estado de traição à pátria, lamentando não existir em Portugal um mecanismo semelhante ao que existe noutros países de impeachment, pois se existisse ele de imediato o accionaria.
Avançou com um requerimento à Assembleia da República para desencadear processo judicial contar o presidente da república, invocando vários crimes, entre eles o de traição à Pátria.
Marcelo, não está preocupado. A coisa vai morrer no parlamento. Vai, pois, continuar a inventar casos e casinhos para entreter o pessoal.
A diferença entre ele e o Flincas, é que um tinha piada o outro não tem piada nenhuma. Agora adivinhem lá quem.
Oliveira dias, Politólogo
Publicado no Semanário NoticiasLx: