De todos os princípios que regem a administração pública portuguesa, o mais paradigmático é o princípio da legalidade[1], ao qual a administração pública, genericamente considerada, está vinculada taxativamente. É a luz deste princípio que a actividade administrativa deve pautar a sua actuação, primacialmente, sendo um excelente, e definitivo filtro, quando dúvidas se possam instalar, ao servidor público, pois, contrariamente ao que sucede no sector privado, onde tudo quanto não seja proibido, é licito, no sector público, essa licitude só acontece quando formal e legalmente expressa, dito de outra forma, quando se conclui nada existir que impeça determinado acto administrativo, então esse acto não pode mesmo ser praticado.
Assim importa, antes de mais consolidar, á luz deste princípio, onde e como ele está previsto.
A Constituição da República Portuguesa, consagra o Principio da Legalidade, no seu nº 2, Artº 266º (Princípios fundamentais), título IX (Administração Pública), “os órgãos e agentes administrativos[2], estão subordinados[3] à constituição, e à Lei, e devem[4] actuar, no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, e da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé” (SIC).
O texto fundamental não se limita a fixar o Princípio da Legalidade, fixando também, no seu nº 5, Artº 267 que “o processamento da actividade administrativa será objecto de Lei especial”, presentemente concretizado através do Código do Procedimento Administrativo.
Na mesma senda a constituição da República Portuguesa, consagra, igualmente, o Direito de Acesso “os cidadãos têm Direito de Acesso aos arquivos e registos administrativos”, e o Direito á Informação “ todos têm o direito (…) a ser informados”, nos seus nº 2, Artº 268º, e Artº 37º, respectivamente, concretizado, através da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), e Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), para além do RGPD, nos seus Artº 13º e 14º.
As Actas são documentos administrativos, autênticos[5], nas quais se registam informações pertinentes, podendo conter dados pessoais, passiveis de protecção e restrições, no que ao seu acesso, e publicidade, diz respeito, caindo na disciplina do Regulamento Geral de Protecção de Dados, designadamente por aplicação do Principio da Minimização do Tratamento.
Impõe-se, pois a ponderação entre o CPA, o RJAL, a LADA e o RGPD, na medida em que não existe uma unanimidade, relativamente à possibilidade de publicação no sitio institucional da autarquia das actas dos seus órgãos, importando registar algumas tomadas de posição de importantes órgãos de controlo, que fazem doutrina, em razão de matéria, como a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), e as Comissões de Desenvolvimento Regional (CCDR) que se pronunciaram, favoravelmente, em concreto, sobre esta matéria.
E mais, uma delas pronunciou-se, laborando num erro de percepção, quando invoca a publicidade, obrigatória, em sitio da internet das deliberações dos órgãos, invocando o Artº 56º do RJAL, no seu nº 2, este dispõe “ (deliberações e editais) são ainda publicados no sitio da internet, no boletim da autarquia local e nos jornais regionais editados ou distribuídos na área da respectiva autarquia”, sucede, porém, que em Direito Administrativo, só o verbo DEVER é impositivo, vinculativo, fórmula, veja-se, utilizada pelo nº 1, deste artigo, a propósito dos Editais, ao passo que o verbo utilizado no nº 2, recorre ao verbo SER, ou seja, coloca na disponibilidade das autarquias a publicação, ou não, no sitio da internet e boletins, referindo-se, sublinhe-se, às deliberações e decisões, e nunca às actas, porque o que é importante, o que releva, são os actos administrativos e não os registos, as gavetas, em que são arquivados e mantidos
Diferentemente do Edital, onde só se faz publicidade á deliberação ou decisão em concreto havida, a Acta é um registo, para se conservar.
Pronunciámo-nos, em razão de matéria, nas formações que realizámos para a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), entre Setembro e Novembro de 2023, assentando a nossa apologia, de forma sintética, simples, na premissa do Principio da legalidade, analisando a questão neste prisma – Existe uma base legal que nos imponha a publicação de actas em sítios electrónicos? Indo mais além, existe alguma base legal que nos imponha a publicação de actas por qualquer forma (internet, jornais, espaços públicos, etc?).
Para tanto recorremos àquilo que é considerado a “bíblia” do servidor público, o Código do Procedimento Administrativo.
Sobre Actas, fixa a sua natureza (é um registo), o que deve conter (o que de mais importante aconteceu numa sessão ou reunião), quem a elaborou, e quem a valida (assinatura de quem Presidiu á sessão ou reunião, e de quem a elaborou), e o procedimento da sua aprovação. Em momento algum abre as portas para a sua publicação seja em que suporte for, porque não é essa a sua função.
Consequentemente, á luz do princípio da legalidade, a nossa apologia, nessas formações, foi a de não ser lícito a publicação das actas dos órgãos das autarquias locais nos sítios de internet, por lhe faltar escora legal quanto baste.
Também chamámos à colação o RGPD, mormente o Principio da minimização do tratamento, para obstar àquela publicação, na medida em que as actas são registos com muita informação, entre a pertinente e a não pertinente, evitando-se assim fenómenos de “voyeurismo” desnecessários.
O Princípio da administração aberta (Artº 17º do Código do Procedimento Administrativo, D.L. nº 4/2015, de 7 de Janeiro, na sua última versão conferida pelo D.L. nº 11/2023, de 10 de Fevereiro), bem assim como o Principio da Publicidade (Artº 56º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, publicado pela Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, na sua versão actual pela Lei nº 24º-A/2022, de 23 de Dezembro), e ainda o direito de acesso, por parte dos cidadãos, aos documentos administrativos (nº2, do Artº 368º da Constituição da República Portuguesa. Na sua versão actual pela Lei nº 1/2005, de 12 de Agosto), à qual se conjuga a Lei do Acesso aos Documentos da Administração (LADA, no seu Artº 2ª, da Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto), em particular atento ao seu nº 3, cuja publicação em meios telemáticos, é permitida à administração pública, no seu relacionamento com os administrados, e a compaginação com as regras do Regulamento Geral de Protecção de Dados, em particular com o princípio da minimização de dados (alínea c), do nº 1, do Artº 5º do RGPD), em virtude de estarmos perante a disponibilização universal de dados pessoais, contidos nas respectivas actas objecto de publicação nos sítios institucionais.
Nenhuma dúvida nos assaltaria, caso inexistisse outro meio que garantisse os direitos acima indicados, quanto ao recuo, em matéria de aplicação, do RGPD, quando confrontado com demais legislação.
Porém, no caso em apreço, o RGPD para além de acompanhar a supracitada legislação, vertida no seu Direito à Informação (Artº 13), este, assim como os demais supracitados, acham-se plenamente alcançados, recorrendo ao instrumento legal de publicidade, das autarquias locais, plasmada no Artº 56º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, o qual impõe a publicitação em Edital, das deliberações (dos órgãos colegiais) e decisões (dos órgãos singulares), que se destinem a ter eficácia externa, e por maioria de razão (principio geral de direito de quem pode a mais pode a menos), também neles se poder publicitar os actos administrativos que não se destinem a ter eficácia externa.
Com isto, atende-se ao princípio da minimização no tratamento de dados, vertido no RGPD, e concomitantemente, cumpre-se com os direitos de acesso á informação por parte dos cidadãos, garantindo o acesso apenas á informação estritamente relevante, em termos universais, sem tolher, obviamente, o acesso individual que qualquer cidadão pretenda fazer, à totalidade do documento, de forma casuística.
Por tudo se conclui que a publicação dos EDITAIS de deliberações e decisões, dos órgãos autárquicos, destinados a terem eficácia externa, é OBRIGATÓRIA, por força do RJAL;
Nenhum outro instrumento a lei prevê para substituir os editais, pelo que a publicação de uma acta, não sana a ilicitude da ausência do edital, a que se soma a inexistência de comando legal que obrigue á publicação da acta;
Não existindo escora legal para a publicação de actas, seja em que suporte for, mas havendo doutrina fazendo essa apologia, o que levou algumas autarquias a manterem essa prática, importa, agora, por tudo quanto acima se diz, alterar essas práticas.
Por esta razão, recomenda-se vivamente a expurgação, do site, quanto antes, dos documentos “Actas”, e substituí-los por Editais Informativos.
Oliveira Dias, Politólogo(Perito RGPD para Autarquias)
[1] O qual nos mereceu, demorada referência no âmbito da formação RGPD promovida pela ANAFRE, em todo o país, e por nós leccionada.
[2] Os órgãos, no caso representativos da freguesia – Junta e Assembleia, e os agentes administrativos, no caso – serviços orgânicos da freguesia – integram obviamente o conceito de órgãos e agentes administrativos aqui referido.
[3] Norma imperativa.
[4] O verbo DEVER em Direito Administrativo, é um dever obrigação, ao contrário de outros ramos do direito que deixam ao livre arbítrio do agente a sua observância.
[5] Significa que fazem fé, como prova, em juízo.
Publicado no Semanário NoticiasLx: