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Presidentes de Junta na mira 2024

Presidentes de Junta na mira - Milhares de contratos autárquicos em risco de serem anulados

Presidentes de Junta na mira

A capa do “JN”, edição de 29 de Juho de 2024, titula “milhares de contratos autárquicos em risco de serem anulados”, lança a “bomba” da semana. O assunto é velho, e remonta ao primeiro regime jurídico da autarquias locais (D.L.79/77).

O cerne da questão é a inerência legal dos Presidentes de Junta de Freguesia, nas respectivas Assembleias Municipais, e, concomitantemente, a legalidade, ou falta dela, de, enquanto deputados municipais, participarem nas votações de matérias respeitantes ao território que representam – as suas freguesias – em especial os contratos interadministrativos (no passado chamavam-se protocolos de delegação de competências) e orçamentos municipais, instrumentos através dos quais arrecadam generosas, e por vezes avultadas, verbas (há casos, e não são poucos, em que chegam a representar 50% dos respectivos orçamentos) para as suas freguesias, dito de outra maneira, são juízes em causa própria, como alvitra o povo, na sua sabedoria singular.

Numa aritmética simples, e considerando ser o nosso poder local constituído por 308 municípios e 3.091 freguesias, estamos a falar de milhares de contratos e acordos, a beneficiarem directamente as freguesias.

Ora, sucede que a Direcção Geral de Administração Local (DGAL), acompanhada pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) , aparentemente, todas as 5 CCDR, (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve), e a própria Inspecção Geral de Finanças (IGF), têm o entendimento, jurídico, dessa situação não ter escora legal, sendo, pois, ilegais, por considerarem que os senhores Presidentes de Junta fazem-no em causa própria.

Presidentes de Junta na mira – A “Bíblia” do servidor público o CPA

Para tanto invocam a “biblía” do servidor público, o Código do Procedimento Administrativo (CPA), cuja consulta, dispensa outros considerandos, tal a clareza cristalina que lhe subjaz, e a qual obviamente subscrevo, não de agora mas de há muito tempo (https://appls.portalautarquico.pt/FAQs/Questao_Show_PA.aspx?QuestaoId=644) .

A peça em causa do JN, perante a qual me curvo, apenas refere um recente protagonista nestas lides de representação de eleitos e autarquias, a Associação Nacional de Assembleias Municipais (ANAM), em razão de matéria, sem referir, outras quiçá mais conhecidas e reconhecidas, como a ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias), a ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses) e já agora a ATAM (Associação Trabalhadores da Administração Autárquica).

Presidentes de Junta na mira – Os Equívocos

Existem alguns equívocos, associados a esta matéria, e é importante esclarecê-los, porque presentes naquela peça jornalística.

Num dos parágrafos a peça ao referir-se ao parecer da DGAL, em especial quando dá nota que a maioria das Assembleias Municipais não o segue “apesar de ser vinculativo” segundo escreve o JN, trouxe-me à memória declarações proferidas por um responsável da ANAFRE, aquando das formações realizadas, por mim, em todo o País, quando afirmava, e cito, “colegas só existe um parecer que é obrigatório para as freguesias é o da DGAL”, e aqui, eu fazia um silêncio de segundos, para não sancionar a frase, e continuava com a minha prosa. Mas percebo, agora, que se até um órgão de comunicação social alinha neste erro, então, alguém vai ter de chamar a atenção. Calha-me a mim, neste espaço, também.

Lapidarmente, não existem pareceres obrigatórios para as freguesias, no sentido em que as forcem a adoptar uma prática. Este assunto dava outro artigo … fica prometido.

Presidentes de Junta na mira – O Papel da DGAL

O papel da DGAL encontra-se definido no Decreto Lei nº 154/98, de 6 de Junho, e no seu nº 1, do Artigo 1º, lá encontramos e cito “A Direcção Geral da Administração Local, abreviadamente designada por DGAL, é um serviço central do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (MEPAT), com autonomia administrativa, responsável pela concepção, execução e coordenação de medidas de apoio relativas, à administração local autárquica e pelo reforço da cooperação Técnica e financeira entre administração local autárquica e a administração central.

Os sublinhados são meus, para realçar a função de coordenação e cooperação. Atentemos, também no que prescreve a alínea a), do nº 1, do Artigo 2º “(Atribuições) elaborar estudos, análises e pareceres relativas às temáticas da administração local autárquica”.

Ou seja, sendo a DGAL, um serviço da administração central, NUNCA poderia dar ordens às freguesias, uma vez que estas são ADMINISTRAÇÃO DESCENTRALIZADA do Estado, não estão, pois, sujeitas à tutela dos ministérios, a tutela sobre estas é apenas uma mera Tutela de Legalidade (verificação da conformação dos actos e contratos à Lei).

Só os Tribunais podem dar ordens às freguesias sob a forma de sentença transitada em julgado.

O erro, quanto a esta questão dos pareceres jurídicos obrigatórios ou vinculativos, prende-se com a doutrina fixada em sede de reuniões de coordenação jurídica, que a DGAL faz juntamente com as CCDR’s, e a IGF, a fim de se formularem soluções interpretativas, sobre matérias concretas (alínea d) do nº 2, do artigo 2º do decreto Regulamentar nº 2/2012, de 16 de janeiro, alterado pelo decreto Regulamentar nº 6/2014, de 10 de novembro).

Fixada esta doutrina, vinculam, estas entidades (DGAL, IGF e CCDR’s), e não as freguesias, ou seja, sempre que uma freguesia solicite um parecer sobre uma matéria objecto de uniformidade interpretativa, a sua emissão tem de seguir aquela doutrina, independentemente do profissional da DGAL, da CCDR ou da IGF, encarregue de dar o parecer.

Presidentes de Junta na mira – A ANAFRE

É tão somente disto que se trata. E a ANAFRE tem de o explicar aos seus associados de forma clara. Esta pedagogia deve ser estendida aos OCS.

Naturalmente, mas isso é uma opção dos eleitos, a opção de não seguir um parecer da DGAL, da CCDR ou da IGF, tem de ser bem ponderada, dada a qualidade e experiência dos seus profissionais, mas tudo depende da fundamentação aduzida pelos eleitos. No final do dia quem decide sobre quem tem razão, são mesmos os Tribunais.

Presidentes de Junta na mira – A ANAM

E o que diz a ANAM, sobre a questão do impedimento? Opôe-se à posição da DGAL, IGF e CCDR’s, argumentando que a representação dos senhores Presidentes de Junta na Assembleia Municipal é relativa ao seu território, e não a interesse de foro pessoal. Esta argumentação falece perante as disposições do CPA.

A ANAM ainda dá o exemplo dos Presidentes de Câmara, com inerência nas assembleias das comunidades intermunicipais ComUrb), e as áreas metropolitanas (AM), para sustentar a “legalidade” do que se passa nas assembleias municipais, mas, é caso para dizer em vernáculo “sai o tiro pela culatra”, na medida em que é a mesma situação de impedimento.

Ademais este órgãos, (ComUrb e AM), não são verdadeiras autarquias, porque não assentam numa eleição universal, secreta e directa por parte da população.

Aventa-se a hipótese, segundo o JN, da questão ir parar a Tribunal, e em virtude disso virem a ser contestados judicialmente.

Sem prejuízo de uma mais detalhada análise ao problema, quer-me parecer, ainda assim, que quando se fala num eleito impedido de participar numa votação, é como dizer que não tem competência para o efeito, e o vício da incompetência, em Direito Administrativo, fica sanado passados que estejam 365 dias, sobre a prática do acto, é o regime da anulabilidade. Ora se for o caso, a questão só se colocará aos contratos interadministrativos votados em novembro, dezembro do ano passado, ou seja, prescreve daqui a uns 3 meses qualquer acção visando sancionar as votações dos senhores Presidentes de Junta, mas … evitar a sua repetição nas próximas votações.

Já o exemplo trazido à liça pela ANAM da Assembleia da República, é diferente, um Deputado representa, não o seu círculo, mas todo o País, e sendo este órgão um órgão de soberania, o mandato representativo do deputado é total ao todo nacional.

Quando fui Deputado municipal em Santarém, em 2005, numa sessão bastante dinâmica, um presidente de junta puxou dos galões e a propósito de uma matéria que dizia respeito ao seu território, levantou-se e inflamadamente sentenciou “eu aqui represento os meus fregueses”, ao que lhe respondi com um firme “pois o senhor Presidente de Junta representa os seus fregueses, mas saiba que eu represento todos os munícipes de Santarém, incluso os seus fregueses”.

Quando A ANAM pede a clarificação do papel dos Presidentes de Junta, no regime jurídico das autarquias locais, põe o dedo na ferida – não há nenhuma razão para um Presidente de Junta ter uma inerência num órgão de outra autarquia, no caso a Assembleia Municipal, que é um órgão deliberativo do município.

Isto só é assim, porque em 1977, quando se fez o primeiro regime jurídico das autarquias locais, a Lei teve de contar um novo órgão, imposto pela Constituição de 1976, até aí inexistente – as Assembleias (de freguesia e municipais), e quiçá algo desconfiados, por este novo órgão, resolveram lá colocar os Presidentes de Junta a título de inerência.

Estas inerências, diz-nos estes 50 anos de regime democrático, adulteram e muito o sentido de voto das populações, e faz dos interesses corporativos do colégio de presidentes de Junta uma força, muitas vezes decisiva na aprovação dos orçamentos municipais, precisamente porque os presidentes têm direito de voto que faz a diferença.

Presidentes de Junta na mira – Os Tribunais

Se a lei for aplicada, e tê-lo-á de ser por Tribunais, obviamente, o cenário mudará drasticamente. E ou o legislador retira os senhores Presidentes de Junta das Assembleias Municipais, ou mantém-nos lá, e eles pouco mais votarão a não ser votos de pesar e de congratulação.

Por último, as afirmações do representante da ANAM sobre alguns engulhos com que se debatem estes órgãos em certos municípios são no mínimo peculiares.

Afirma que em alguns municípios impedem a realização de sessões da assembleia municipal, para além das estritamente obrigatórias, porque os seus departamentos financeiros alegam falta de verbas para o efeito, e consequentemente as respectivas Câmaras municipais colocam entraves à realização dessas sessões.

Ora, isto entra no domínio do inaudito. Desde quando uma Câmara municipal ou o seu Presidente, dá ordens ao Presidente da Assembleia Municipal? Então quem é que marca faltas a quem? É o Presidente da Assembleia Municipal que marca faltas ao Presidente da Câmara municipal, então sendo assim quem tem o poder?

Se é inaudito um órgão executivo imiscuir-se na actividade do órgão deliberativo, o que dizer quando é uma qualquer direcção financeira a fazê-lo-lo … isso é mesmo inaceitável.

Presidentes de Junta na mira – A Lei Ordinária e a Constituição

Neste particular o problema já é outro, e entra no domínio de uma inconstitucionalidade por omissão – a Lei ordinária não cumpre a Constituição quando esta impõe aos órgãos executivos que respondam perante os órgãos deliberativos.

Se este desidrato constitucional fosse cumprido, as Assembleias Municipais e de Freguesia teriam uma outra preponderância, que hoje não têm, perante a secundarização a que são votadas, especialmente quando os eleitos não fazem valer os seus poderes.

Fui Presidente de uma Assembleia de Freguesia, e em dois anos fiz 22 sessões, as 4 ordinárias previstas na Lei, em cada um daqueles dois anos, e 14 extraordinárias, e todas marcadas por mim sem “ordens” externas, e quando o Presidente da Junta não se fazia presente marcava falta, e se a justificação para a ausência não fosse plausível, era injustificada.

Como diz a sabedoria popular “não é o hábito que faz o frade, é o frade que faz o hábito”.

Presidentes de Junta na mira

Oliveira Dias, Politólogo

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