Venezuela 2024
Por norma, já o expliquei anteriormente, não gosto de referir nomes de “concorrentes”, mas neste caso, Sebastião Bugalho, deixou de ser um concorrente jornalístico, quando abraçou a confortável carreira política em Bruxelas, razão porque desta vez, e no seguimento de uma entrevista que deu num canal de televisão, motivou esta minha peça jornalística, especialmente porque, do relato do senhor deputado europeu, revivi acontecimentos pessoais acontecidos naquele mesmo País.
O grupo do PPE do Parlamento Europeu, aparentemente convidado pela oposição Venezuelana, enviou uma comitiva à Venezuela, a qual Sebastião Bogalho integrava, e foi barrado em Caracas, e forçados a regressarem á origem, assim sem mais.
O Regime venezuelano de Nicolás Maduro, incorrectamente classificado como herdeiro e sucessor do regime de Hugo Chávez, não gostou da atitude daqueles europeus, e fez valer a sua autoridade negando-lhes a entrada no país.
Temos, pois, dois planos de abordagem, nesta questão, vejamos, primeiro, a humilhação a que foi sujeita delegação de deputados europeus.
Assisti, com alguma surpresa, à afirmação do deputado europeu Sebastião Bogalho, perante uma pergunta da entrevistadora, sobre a sua condição de “observador” ao acto eleitoral, afirmando com veemência, não ser um “observador” nem pretender, ele e os outros deputados europeus, tal condição.
Então se a comitiva do grupo do PPE do parlamento europeu, não era “observadora” do acto eleitoral, algo que costuma ser natural em vários países do mundo, os senhores deputados foram convidados para que efeito? Participarem na festa da vitória? Fazerem um tour turistico pela cidade?
Caracas é uma cidade soturna, com a sua aparência dos anos 50 60, do século passado, envelhecida, sem cor, cinzentona mesmo, não sendo um cartaz turístico por aí além.
A gastronomia, safa-se graças aos emigrantes madeirenses, ali fixados à décadas, explorando o canal horeca (hotéis, restaurantes e cafés), mas ainda assim, na hora de encher a barriga, bate aquela saudade tão portuguesa. Sebastião, não o referiu, mas se por ventura bebeu um café, num qualquer balcão de cafetaria do aeroporto, teve de pedir um “café negro”, porque lá ninguém sabe o que é um “café solo”, como em espanha, e muito menos o que é uma “bica” ou “cimbalino” como em Portugal, porque um “expresso” como em Itália, para eles é o autocarro de longo curso para um dos vários Estados do País, a Venezuela, (á semelhança dos EUA e Brasil, é uma federação de Estados) Maracaibo, ou mesmo para o Estado Portugueza, este sim de forte indicação turística para qualquer português pela curiosidade do nome deste Estado, com origem numa nobre portuguesa que pereceu por afogamento no tempo da colonização num enorme rio, que batizado com a nacionalidade da infeliz, haveria séculos depois de batizar o Estado onde se situa o rio. Já agora o gentilico dos habitantes do Estado Portugueza é “portuguesanhos”.
Enfim se a comitiva foi convidada para um repasto, que ninguém esperasse peixinho na ementa, porque por lá só mesmo a carne puxa carroças.
Cabe lá na cabeça de alguém, uma comitiva de autoridades estrangeiras pretender entrar num País soberano, com ditadura ou sem ditadura, o que conta é mesmo quem manda no momento, sem pedir as competentes autorizações diplomáticas?
Achariam, por ventura, os senhores deputados europeus, que a Venuzuela ainda é uma colónia europeia? Sobranceria, nestas coisas, dão sempre mau resultado, como se viu.
Queixou-se o senhor deputado de lhe terem retirado o passaporte diplomático, e de o terem colocado numa sala onde teve de aguardar umas duas horas e meia (segundo cálculo porque não olhou para o relógio para ver horas, mas sim para outras funcionalidades que um relógio hoje oferece … modernices antigamente só dava mesmo para ver horas).
Teve medo, questionou a entrevistadora, em suspense, com as atribulações do jovem deputado, ao que ele respondeu seguro de si mesmo, que não, não teve, porque era deputado europeu.
Temos homem. Medo tive eu, confesso, quando em 2007, integrando uma comitiva do Município de São Vicente, se deslocou à Venezuela, e no regresso, no aeroporto, ao telefone com a minha mulher, narrando-lhe as vicissitudes da viagem, desde o medo das pessoas nas ruas, em especial no quarteirão onde se sedeava a casa oficial de Hugo Chavez, com pontos de artilharia e controlos militares armados até aos dentes, á deslocação entre Caracas e a segunda maior cidade do País, Marcaibo, á noite em colunas de viaturas em alta velocidade, por causa dos assaltos frequentes e sistemáticos, com ordens para não parar em hipótese alguma, ou aquela outra situação de, num ponto de controlo militares ter sido revistado, eu e a demais comitiva, com uma metralhadora apontada á cabeça, por dois miúdos, certamente concritos militares (serviço militar obrigatório), nervosos demais para o meu gosto, fazendo pensar que se calhar, ia ser necessário sacar de um papelito que tinha no bolso com um nome de alguém próximo do “el comandante”, embora só o tivese utilizado uma vez para diligenciar uma audiência entre Chávez e o Presidente de Câmara de que eu era o chefe de Gabinete, a qual só não se realizou por causa de um encontro do Mercosul, naquele ano em Caracas.
Enfim, estava então entretido neste telefonema com a minha mulher, já na porta de embarque do aeroporto, o avião da TAP á vista, quando ouvi o meu nome, gritado bem alto por uma senhora de uniforme militar, e disse-lhe “olha estão a chamar-me … e … vejo algumas pessoas da comitiva junto de uma militar com um papel nas mãos, deixa-me ir ver o que se passa … mas olha é provável que o avião não saia a horas” alvitrei com fundadas razões.
Juntei-me ao grupo que estava a ser chamado e fomos conduzidos pela senhora militar por vários corredores e catacumbas no sub-solo, após nos serem confiscados os passaportes. Senti-me desamparado, vulnerável.
Chegámos a um enorme armazém com centenas de passageiros e o dobro de militares, e milhares de malas amontoadas de qualquer maneira, percebi que aquilo era coisa para muitas horas de espera, íam ser feitas revistas ás malas. Ainda me queixei do pouco tempo para o avião levantar voo, o risco de ficarmos sem voo era real, argumentei eu. Afiançaram-me que o avião só ía embora depois de tudo revistado.
Foi de facto assim … com a TAP, mas não com as demais companhias aéreas que se atreviam a voar para a Venezuela, essas não esperavam por ninguém. Foi aí que percebi a importância da nossa companhia de bandeira.
Deixando de lado outras peripécias vivenciadas nessa revista, e do facto de ser português e chefe de Gabinete de um Alcaide, em Portugal, terem motivado determinada indulgência ao circunspecto militar que revistava a minha mala, e a de uma compatriota madeirense, aflita, de quem eu disse ser amigo, para liberarem a mala dela, que afinal não era dela mas da irmã que estava no avião, o que interessa mesmo é isto – apesar da Venezuela ser um País bafejado pela natureza, tal a beleza natural das suas terras e paisagens, nunca levarei a minha familia lá em turismo.
Quem pretender lá ir, seja cidadão comum, seja deputado seja do que for tem de perceber onde se vai meter.
Quando foi tomada a decisão de formar uma comitiva para uma deslocação á Venezuela, obviamente, contactamos com o senhor Cônsul da Venzuela na Madeira, um militar próximo do “el comandante”, e cujas relações com o Município de São Vicente eram excelentes.
E só depois do “ok” é que avançamos, razão porque não nos aconteceu o que aconteceu aos deputados europeus, à chegada.
A Venzuela é um país “sui generis” e essas peculiaridades, goste-se ou não, têm de ser respeitadas.
Nicolás Maduro, não é um chavista, no sentido em que seja seu herdeiro ou sucessor, na medida em Hugo Chávez era um popularucho, lá com os seus tiques ditatoriais, mas procurava fazer a coisas com um certo ar de legalidade.
Lembro-me bem quando em 2006 ou 2007, Hugo Chavez promoveu uma alteração constitucional quanto á sua forma de governo, e deu-se ao trabalho, face ás criticas internacionais, na senda das criticas da oposição venezuelana, de enviar através das chancelarias, um memorando extenso e detalhado, explicitando as suas propostas de alterações constitucionais, e aludia a vários exemplos de Países com modelos e sistemas distintos, uns mais Presidencialistas, outros mais Parlamentaristas e outros ainda um misto de ambos, e aqui ele deu o exemplo de Portugal.
Desconheço se esta iniciativa chegou a todos os municípios portugueses, posso é garantir que o senhor Cônsul da Venzuela na Madeira o fez chegar a todos os municípios da Região Autónoma da Madeira.
Eu li-o, e os órgãos municipais de São Vicente também, com interesse e atenção, e achamos o documento muito equilibrado, e disso dê-mos formalmente nota ao senhor Cônsul.
Chávez tinha pelo menos essa preocupação, e tinha uma genuína preocupação com o seu povo, embora os métodos utilizados fossem muitas vezes os de um ditador.
Nicolás Maduro, não. Este é de uma linha durissima, escorada no apoio militar, a quem as prebendas pecuniárias não faltam, e pouco lhe importa as aparências.
Por esta razão, foi com muita ingenuidade que se formou, na comunidade internacional, ter chegado o momento, com estas eleições do fim de semana passado, na Venezezuela, de Nicolás Maduro levar um chuto do poder.
Quando um tirano controla o poder, escorado no apoio militar das forças armadas, do País, ele tem e quer manter os berlindes todos.
A mudança só acontecerá, de uma de duas maneiras, e isso é uma evidência historicamente milenar: em vida do ditador, quando, um dos oficiais, superiores ou não, das forças armadas for preterido na mesa das prebendas pessoais, e ensaiar uma revolta conducente a um golpe de Estado. Na morte do ditador, é bem natural que surja um delfim que valorize o apoio popular do povo, e da democracia.
Até lá … .
Oliveira Dias, Politólogo
Publicado no Semanário NoticiasLx: