A floresta portuguesa – Histórias d’África
– Recordo Gonçalo Ribeiro Telles
Os fogos em Portugal não encontram paralelo. Todos os anos é uma aflição. A maior angústia até parece que tem calendário: acontece periodicamente mais ou menos a cada 4 anos. Este desastre ambiental tem calendário anual – isso mesmo, em Portugal há ‘época para fogos’ – parece ter adeptos, movimenta interesses e, acima de tudo, muito dinheiro, milhões de euros.
Formei opinião própria quando comecei a escutar especialistas, principalmente o Arq. Gonçalo Ribeiro Telles, falecido há quase 4 anos (11 de novembro de 2020). O fenómeno é uma das maiores emergências nacionais pelos efeitos destruidores que causam: prejuízos económicos e ambientais, e são origem de risco para as populações e bens. 2003 e 2005 Foram os anos mais trágicos no país, arderam 425 839 e 339 089 hectares. Portugal tem 92 152 km².
As altas temperaturas não são fonte de ignição para os fogos florestais. As causas maiores são as tormentas eléctricas com a queda de raios; maquinaria com escape; consumidoras de carvão ou lenha; perda de controle de queimadas; incendiários e ou piromaníacos. Todos somos conscientes de que a maioria dos incêndios são provocados intencionalmente e, na generalidade das vezes, durante a noite com o objectivo claro da maior dificuldade de alerta e, naturalmente, da ocultação do próprio delinquente. Já o lado da Justiça – à questão das penas que se podem aplicar a incendiários e a pirómanos – constrange apenas uma minoria de cidadãos. Neste capitulo faz-se a pergunta: Deve o Código Penal ser revisto no sentido de endurecer as penas aplicáveis a estes casos?
“A limpeza tem de ser entendida como uma operação agrícola”
Guardo na memória uma celebre intervenção circunstancial do Arq. Gonçalo Ribeiro Telles que passo a citar:
“A limpeza da floresta é um mito.
O que se limpa na floresta, a matéria orgânica?
E o que se faz à matéria orgânica, deita-se fora, queima-se?
Dantes era com essa matéria que se ia mantendo a agricultura em boas condições e melhorando a qualidade dos solos. E, ao mesmo tempo, era mantida a quantidade suficiente na mata para que houvesse uma maior capacidade de retenção da água.
Com a limpeza exaustiva transformámos a mata num espelho e a água corre mais velozmente e menos se retém na mata, portanto mais seco fica o ambiente. A limpeza tem de ser entendida como uma operação agrícola. Mas esta floresta monocultural de resinosas e eucaliptos, limpa ou não limpa, não serve para mais nada senão para arder. Aquela floresta vive para não ter gente”.
A ilusão da reflorestação
Não aprendemos! A reforma da floresta é uma ilusão. Sei que está tudo na mesma ou pior que em 2017. Recordo que, em abril de 2019, percorri 700 quilómetros no interior centro e litoral do centro Norte permite testemunhar:
- A reflorestação das áreas ardidas no ano de 2017, estava a ser realizada maioritariamente – diria 80% para ficar aquém da realidade – pela plantação de eucaliptos e nem sempre de modo ordenado.
- As novas plantações ignoram quase sempre as linhas de média e alta tensão.
- Desconsidera-se a limpeza da floresta como um acto sazonal. Tudo se limpou e agora quase tudo precisa de ser limpo outra vez.
- Há estradas nacionais e municipais ladeadas por árvores, arbustos e mato, neste último caso até ultrapassava as bermas para cima do asfalto.
- Em muitos casos, as limpezas coercivas são mal executadas, entrando-se por terrenos de outros já limpos e derrubando-se oliveiras e sobreiros a troco de nada nem de nenhuma determinação legal.
- Quem cumpre e presencia esta realidade não fala, tem medo de represálias, até mesmo que lhe peguem fogo aos seus pertences ou que sofram um percalço.
Tal como em 2019, a actualidade não será distinta: Fazer mais de 700 quilómetros pelo interior e litoral centro não deixa ninguém com sentido de observação indiferente… Assusta pela desertificação, ausência de um plano estratégico a médio prazo, falta de investimento em projectos verdadeiramente estruturantes, pelo medo entre a maioria dos resistentes, literalmente instituído pelos poderes que mais se assemelham a feudatários, próprios da mentalidade de uma Idade Média que se mantém há séculos e se agrava nas últimas décadas pela crescente impunidade e falta de valores éticos.
Não há reforma da floresta. Só a meteorologia, o alerta e medo das pequenas populações, o reforço e generalização dos meios de combate aos fogos, pode evitar que se repitam as tragédias como a deste ano e a do dia 17 de junho de 2017.
“Somos um país de papel…”
“Somos um país de papel, onde planos e leis são fumo de uma democracia moribunda”, eis uma das afirmações mais profícuas que recordo ouvir em 2017, da autoria de Nádia Piazza, mãe de uma das vítimas do incêndio de Pedrogão que principiou às 14h43, na localidade de Escalos Fundeiros, do dia 17 de Junho de 2017, que culminou com uma tragédia: 66 mortos, 254 feridos (7 em estado grave), 500 casas totalmente destruídas, 48 empresas gravemente afectadas, a perca de 372 empregos e prejuízos materiais estimados em mais de 500 milhões de euros.
Esta foi a mensagem de uma mãe desesperada, ela própria vítima da incapacidade do Estado em defender os seus cidadãos em momentos cruciais.
Portugal é realmente um País de papel de imensas fragilidades em sectores primordiais da vida pública, como na Justiça, na protecção civil, e mesmo no ensino e na saúde. Encerramos ainda debilidades nas contas públicas, muito por força de aceitarmos:
- O poder desmedido das empresas público-privadas que custam rendas anuais leoninas;
- Da banca que se resgata com as contribuições de todos os cidadãos, sem que isso seja hipótese de referendo;
- Do sector energético que inexplicavelmente continua a precisar de subvenções públicas a troco da sustentabilidade e num mercado onde as energias alternativas, a eólica e a fotovoltaica são mais caras que as mais convencionais.
Portugal está cheio de medíocres, apesar de volvidos 50 anos pós a mudança de regime político. A sabedoria interessa pouco, mesmo aos mais interessados. Procura-se tudo no ciberespaço, até o que lá não se encontra. Opta-se pela sabedoria estritamente necessária para fazer uma licenciatura, mesmo que isso signifique manter a ignorância em alguns domínios.
Por último, lembro o sítio da internet que actualiza os incidentes relativos aos fogos em Portugal:
– Texto por José Maria Pignatelli (Texto não está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico) e fotografias de anónimos publicadas em redes sociais