COMBOIO (TREM)
A notícia, dentro da notícia da semana, o orçamento claro está, é o passe do comboio, ainda que não para todos os comboios, ficando de fora o Alfa pendular, e a primeira classe do intercidades, sendo que para a segunda classe é necessário reserva 24 horas antes, e os urbanos das regiões metropolitanas, mas a verdade é que 20 euros mensais, abrem as portas de muitos comboios.
Diria que esta medida está ao nível dos passes metropolitanos do anterior governo cujo significado, nas carteiras de quem mora longe e usa o comboio como meio de transporte, foi muito, mas muito significativa, para milhares de pessoas.
Sempre considerei o comboio o meio de transporte por excelência, a vários títulos, e destaco, o insignificante impacte ambiental, quando comparado com todos os demais meios de transporte coletivos.
Mas a razão que me leva a olhar para o comboio com um misto de admiração, e porque não dizê-lo, nostalgia, reside na circunstância de ter sido o comboio, a abrir geografias diversas ao crescimento e à evolução das sociedades.
A América, sobretudo a do norte, foi desbravada, todos o sabem por pioneiros, colonos, mas o que fez a diferença, para o que hoje a América se tornou, foi mesmo os caminhos de de ferro, ligando aquele imenso país de costa a costa, permitindo explorar ao máximo, as benesses com que a natureza presenteou aquele país, o Ouro, a Prata, o Ferro, o Aço, o Petróleo, e os produtos industriais resultantes da transformação destas matérias primas.
Já o Brasil nunca viu nos caminhos de ferro uma vantagem, sendo ali preteridos, em benefício dos lobbyes dos caminhoneiros. Enfim decisões erradas.
Se D. João II soubesse, do potencial daquelas terras, nunca as teria negligenciado, em favor das Índias, como o fez. Encarregou Salvador Fernandes Zarco (Cristóbal Cólon) de para lá conduzir os castelhanos, pensando estar a permitir o acesso a terras imprestáveis, enquanto ele se ocupava da Índia, lá no Oriente.
Se os caminhos de ferro foram a base crucial do desenvolvimento americano, também aqui na Europa, o seu sucesso foi enorme, apesar da Europa beneficiar de auto-estradas fluviais, e marítimos, desde sempre.
Em Portugal, foi um sucesso considerável. País pequeno, mas uma rede de estradas e caminhos deficitária, o País encontrou no comboio um verdadeiro factor de coesão (pressuposto tão em voga ao ponto de existir um ministro para a coesão).
Ainda hoje me assalta a memória, aquando dos meus tempos de serviço militar obrigatório, e da vantagem para a soldadagem, do preço dos bilhetes de comboio, ser ¼ do preço normal, permitindo a muitos cidadãos, cumpridores daquele serviço à pátria, percorrer o País, e para muitos nunca tinham saído das suas terras natais, permintnido-lhes tomar contacta directo, ao vivo e a côres de outras realidades, outras tradições.
Se isto não era um factor de coesão nacional, então não sei o que será.
As migrações internas, fomentadas pelos caminhos de ferro, povoaram as áreas metropolitanas, em especial a de Lisboa, com gentes do norte, do centro do sul – a geração antecedente à minha são esmagadoramente oriundas de fora de Lisboa.
Mais tarde, embora sem ter sido bafejado por essa sorte, tivemos a “moda” ou até tradição, dos estudantes universitários fazerem, pelo menos uma vez na vida de estudante, o famoso “Inter-Rail” uma viagem de comboio por toda a Europa, e com isto promovia-se, já não a coesão nacional, mas a Europeia. Uma experiência enriquecedora, pese embora fora do alcance de quem trabalhava de dia e estudava de noite, como foi o meu caso.
Quando escalabitano por adopção, em virtude de ter residido em Santarém por 4 anos, todos os dias ia buscar a minha mulher à estação do comboio, que não tendo a sorte de trabalhar em Santarém, mas em Lisboa, forçosamente utilizava o comboio nas suas deslocações. Assim que entrava na estação, onde chegava sempre com antecedência não me cansava de admirar os paíneis de azulejos, contando histórias da lavoura local. Lindissimo. Arte pura proporcionada pelos caminhos de ferro.
Obrigações profissionais de diversa índole, levaram-me a descobrir em muitas estações de caminhos de ferro, este tipo de adorno, esta arte, único no País e atrevo-me a dizer na Europa.
Quer sejam as grandes estações, gares, de comboio, nas principais cidades, e inevitavelmente merece destaque a da Campanhã, que é um hino à arte da azulejaria, quer seja em pequenos apeadeiros, estes menos divulgados, o património que o País tem nestas estações de caminhos de ferro é inestimável.
Um dos meus projectos secretos, agora tornado público, é registar em foto e vídeo todas estas estações de caminhos de ferro e publicar em forma de livro, ou vídeo este património. Mas dada a dimensão da tarefa, tenho procrastinado o assunto.
Agora, pensemos na possibilidade que este passe a 20 euros vem abrir, a todos os cidadãos, quer se interessem pela arte deste património, quer simplesmente pretendam fazer viagens a baixíssimo custo, e levar a família, para conhecer “umas coisas”. É mesmo de aproveitar.
Pena é saber que algumas capitais de distrito fiquem fora deste “roteiro”, por não terem comboio, e uma delas é a terra da minha mãe, Vila Real, onde o ano passado fui em serviço, de autocarro levando uns extenuantes 7 horas a chegar ao destino.
Vale mesmo a pena, apanhar o comboio.
Oliveira Dias, Politólogo
Publicado no Semanário NoticiasLx: