A Transparência Internacional Portugal (TI Portugal), reage com preocupação aos resultados do terceiro “Relatório de Acompanhamento da Contratação Pública abrangida pelas Medidas Especiais previstas na Lei n.º 30/2021”, publicado a 7 de outubro pelo Tribunal de Contas (TdC). Este relatório do TdC avalia a informação relativa à celebração de 1582 contratos ao abrigo de medidas especiais de contratação pública (MECP), envolvendo um montante global de 238,8 M€, a que acrescem 50 contratos submetidos a fiscalização prévia, no montante global de 89M€, durante o período compreendido entre 20 de junho de 2021 e 30 de junho de 2024.
De acordo com o TdC, os dados obtidos por via das comunicações obrigatórias revelam que:
- a utilização de procedimentos não concorrenciais na contratação de MECP continua preponderante, abrangendo 87,1% dos casos e 64,2% do montante contratado. A aplicação de MECP conduziu a que 39,38% dos contratos tenham sido adjudicados sem o concurso a que haveria lugar nos termos do regime geral.
- continuam a verificar-se insuficiências de documentação e fundamentação das decisões, em particular quanto à explicitação das necessidades a satisfazer, à redução do prazo para apresentação de propostas e candidaturas, à escolha das entidades a convidar em consultas prévias e ajustes diretos e à justificação e justeza do preço aceite;
- em 19,97% dos casos não foi identificada a existência das declarações sobre a inexistência de conflitos de interesses dos intervenientes nos procedimentos de contratação pública e em 21,74% não foi junta a declaração a que se refere o Anexo II do CCP:
- embora os procedimentos de consulta imponham o convite a cinco entidades para apresentação de proposta, continuam a ocorrer muitas situações em que parte das empresas convidadas não apresentam proposta.
A TI Portugal considera alarmante que a utilização de procedimentos não concorrenciais na contratação de MECP continue preponderante. A TI Portugal vê preocupação que, com argumento da necessidade imperiosa de agilizar procedimentos na contratação pública, a opção política passe por se limitarem ou reduzirem os procedimentos de escrutínio e de promoção da concorrência, ao invés de se priorizarem ações de melhoria da eficiência e tramitação administrativa dos processos de contratação, garantindo sempre o primado de uma contratação pública transparente e eficiente. Além disso, a ausência de planeamento na contratação pública impede não só a poupança nos gastos e a sustentabilidade das contas públicas, mas também a concorrência, a igualdade de tratamento e a não-discriminação de fornecedores.
A TI Portugal continua a lembrar que a contratação pública é uma área de elevado risco de corrupção e fraude, especialmente quando os contratos são formalizados com recurso a procedimentos não concorrenciais, os quais podem amplificar o favorecimento de adjudicatários e potenciais conflitos de interesses. No fundo, aumentar a transparência e prevenir riscos de corrupção na contratação pública é fundamental, mas difícil de se tornar algo efetivo enquanto não se cumprirem na totalidade as diretivas europeias, não se instituírem estruturas de compliance e os planos de gestão de riscos não passarem a incorporar critérios rigorosos de mapeamento, monitorização e avaliação, responsabilizando diretamente os decisores pelos resultados da sua implementação.
O Governo também deve fornecer registos acessíveis, atualizados e rigorosos sobre os beneficiários efetivos das empresas, não só para assegurar uma concorrência leal, mas também para ajudar a identificar potenciais conflitos de interesse, além de promover mecanismos de responsabilidade social para reforçar a supervisão independente dos processos de contratação pública.
A TI Portugal defende ainda que, sendo a contratação pública transversal a todos os níveis do Estado, abrangendo uma grande diversidade de áreas de intervenção e sendo expressão do investimento público, com riscos acrescidos de corrupção e fraude, torna-se imperativo existirem mecanismos e ferramentas de dados abertos que permitam à sociedade civil monitorizar e aceder facilmente à informação sobre a utilização de dinheiro público.
Deste modo, a TI Portugal recomenda à Assembleia da República e ao Governo, em linha com o que o TdC também propõe, as seguintes medidas:
- Clarificação da justificação e utilidade do regime das medidas especiais de contratação pública, face à sua expressão pouco significativa e ao prejuízo do recurso a procedimentos concorrenciais abertos. Este prejuízo está ligado, não a situações de urgência imperiosa, mas antes a prioridades políticas e económicas, delimitadas de forma genérica e, na grande parte dos casos, de aplicação ilimitada no tempo, sendo contrário aos princípios constitucionais e administrativos, à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), às boas práticas e às recomendações nacionais e internacionais em matéria de contratação pública;
- Eliminação das dispensas de fundamentação inerentes à disciplina das medidas especiais de contratação pública, uma vez que são contrárias ao interesse público, à transparência e ao escrutínio da contratação pública;
- Revisitação e clarificação do regime de proibição de adjudicações sucessivas não concorrenciais aos mesmos adjudicatários, nomeadamente quanto às exceções ao mesmo, à aferição por tipos de procedimento e de regime, à aplicação expressa a apenas alguns dos procedimentos envolvidos nas medidas especiais de contratação pública e à clarificação de quais os limites aplicáveis e da forma de os contabilizar, a fim de evitar que esses regimes diferenciados permitam iludir a proibição e multiplicar adjudicações reiteradas aos mesmos fornecedores;
- Transparência e utilização do Registo Central de Beneficiário Efetivo para efeitos de escrutínio no âmbito da contratação pública, como estava previsto no II Plano de Ação Nacional de Administração Aberta (2021-23);
- Promoção da estruturação harmonizada, interoperável e transparente das várias bases de dados relacionadas com contratação pública;