A disciplina escolar de cidadania, integra os currículos das escolas, desde o 5º ano ao 12º, e está agora na ordem do dia, pois para uns é despicienda a sua utilidade, enquanto outros exaltam as suas virtudes, dependendo do ponto de vista ideológico.
O pontapé de saída, para a revisão curricular, onde se insere a disciplina de cidadania, foi dado pelo Primeiro-ministro, Luís Montenegro, na “pele” de presidente do PSD, no seu último congresso, na esteira, de resto, de uma decisão anunciada em setembro, com o anúncio de que pretende que a “disciplina fique livre de amarras ideológicas”, arrancando um efusivo aplauso dos congressistas.
No debate parlamentar sobre a matéria, com o Ministro da Educação, este entusiasmo foi acompanhado pelo aliado CDS, e pelo CHEGA, e nos antípodas, rejeitado e verberado veementemente por todos os partidos à esquerda do espectro político, exceção feita ao PCP, que optou, no debate parlamentar, por outras matérias. Enfim opções.
Uma rápida consulta ao site da direção geral de educação, encontramos esta informação:
https://cidadania.dge.mec.pt/dominios
Os diferentes domínios da Educação para a Cidadania estão organizados em três grupos com implicações diferenciadas: o primeiro, obrigatório para todos os níveis e ciclos de escolaridade (porque se trata de áreas transversais e longitudinais), o segundo, pelo menos em dois ciclos do ensino básico, o terceiro com aplicação opcional em qualquer ano de escolaridade.
1.º Grupo – Direitos Humanos, Igualdade de Género, Interculturalidade, Desenvolvimento Sustentável, Educação Ambiental, Saúde
2.º Grupo – Sexualidade, Media, Instituições e Participação Democrática, Literacia Financeira e Educação para o Consumo, Segurança Rodoviária, Risco
3.º Grupo – Bem-estar Animal, Empreendedorismo, Mundo do Trabalho, Segurança, Defesa e Paz, Voluntariado, ENEC ”.
Do que tem vindo a público, dos diversos quadrantes políticos, e não só, aparentemente retira-se que os temas mais incómodos são claramente “igualdade de género” este mais abrangente porque obrigatório para todos os níveis e ciclos escolares, e “sexualidade” obrigatório apenas para dois ciclos de escolaridade, ficando na discricionariedade de cada escola a escolha dos mesmos, já os temas do 3º grupo, sendo opcionais, não suscitam dúvidas, nem interesse, e desconfio, tanto quanto é do meu empírico conhecimento pessoal, pelas três filhas que tenho e frequentaram essa disciplina, que poucas serão as escolas que nem sequer os consideraram … mas posso estar enganado.
Uma referência “en passant” para o tema “Literacia Financeira e educação para o consumo”, integrado no grupo 2, cujo conteúdo até é importante, não fosse a errada classificação do tema porquanto deveria ser “Numeracia Financeira” pois se trata de uma competência de raciocínio e aplicação de conceitos matemáticos simples, ou básicas, tais como adição, subtração, multiplicação e divisão, tão utilizadas em finanças.
Para além das resistências específicas àqueles dois temas, parece que o receio de se “mergulhar”, no que à formação dos jovens diz respeito, em algo similar à doutrinação que no passado a “Mocidade Portuguesa” preconizava, não apenas aos jovens estudantes, mas a toda a população juvenil, então estratificada em 4 níveis: Lusitos, dos 7 aos 10 anos, os Infantes, dos 10 aos 14 anos, os Vanguardistas, dos 14 aos 17 anos, e os Cadetes, dos 17 aos 25 anos. Os valores então preconizados, na formação destes cidadãos eram «estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina e no culto do dever militar».
Esta preocupação na formação cidadã dos jovens, não é partilhada apenas pelas escolas ou pelo estado, também as confissões religiosas o fazem, e veja-se o exemplo da disciplina de “Religião e Moral”, a qual, por exemplo, fui obrigado a ter, na escola, pois era obrigatória e só muito mais tarde passou a ser facultativa, em linha com o laicismo do estado português.
Estou em dizer que qualquer forma de doutrinação, independentemente, do mérito ou demérito em razão de matéria, é algo que faz parte das preocupações da sociedade humana desde que pisamos este planeta.
Há aqui um problema de atribuições de papeis a desempenhar por certas instituições da sociedade, desde logo a mais nuclear de todas – a família – a quem cabe, tradicionalmente, a educação do cidadão, aos centros do saber – a escola – a quem compete transmitir as ferramentas que o cidadão vai precisar utilizar para a sua inserção na sociedade, e as garantias e direitos necessários a um são desenvolvimento da sociedade – o estado.
O grau, e a intensidade de cada um destes papeis tem sofrido oscilações, altos e baixos em função dos contextos históricos das sociedades, desde logo porque a instituição “Estado”, tal como a concebemos hoje, é historicamente muito recente, e remonta apenas ao XIX, a “Escola” é um pouco mais antiga, e remonta a um par de séculos, mas a “família”, tem uma natureza nuclear desde os primórdios da humanidade. Obviamente, tendo tudo começado na família, a quem cabia por completo e em exclusivo a formação da pessoa, não se lhe podendo chamara cidadão, ao longo dos tempos esta, foi perdendo alguns dos papeis, primeiro em benefício da escola, à qual as cidades gregas conceituavam o Ensino, como um processo de “descoberta”, por parte do aluno, do aprendente ou aprendiz, processo esse interrompido por momentos de “descompressão, e felicidade” a que chamavam Recreio, numa síntese, segundo a apologia grega – Aprender era uma Alegria.
Aqui chegados, como é utilizada esta disciplina – Cidadania – nas escolas? Só posso dar testemunho do que apurei junto das minhas filhas.
Na esmagadora maioria das vezes a disciplina de cidadania era utilizada para, no espaço de tempo que o horário lhe atribuía, serem tratados toda a espécie de problemas, e, de forma quase residual, lá se abordavam alguns temas, entre eles os que tão díspares posições e oposições suscitam os acima referidos.
Como, um cidadão, de todos o menos apto (parafraseando Pero Vaz de caminha), como é o meu caso, pode contribuir para a causa?
Opinando. E como a opinião é como o nariz (toda a gente tem um), a minha apologia vai no sentido da pertinência da disciplina de CIDADANIA.
E que matérias aqui caberiam, importantes para a formação de uma consciência cívica, cidadã, dos jovens, complementando os valores que trazem da família?
De todas as matérias acima elencadas, destacaria apenas uma – Instituições e participação democrática – porquanto as restantes, umas podiam rechear o conteúdo curricular de outras disciplinas a criar, outras ainda por se tratarem de matéria eminente ideológica, tornava-as opcionais, não as impunha a ninguém.
Em termos de conteúdo, a disciplina de cidadania, deveria incluir matérias relativas á estrutura democrática do Estado, órgãos de soberania, são só 4, nada de mais, os órgãos constitucionais e de estado que defendem os cidadãos, como a Provedoria de Justiça, a CADA, comissão de acesso aos documentos administrativos, os órgãos constitucionais das autarquias locais, e o seu modo de eleição, para que servem, como podem fazer parte do processo eleitoral, participando nas mesas de voto, o que aqueles órgãos podem fazer em beneficio do cidadão, saber genericamente qual o papel do Presidente de Câmara, dos seus vereadores, do Presidente de Junta e dos seus vogais, os órgãos deliberativos, dos municípios e freguesias, saber que estes órgãos deliberativos têm todas as sessões públicas, para permitir aos cidadãos, não só puderem assistir, ás sessões, mas também participar nos períodos reservados ao público, ao cidadão.
Como exercer os seus direitos, como lançar iniciativas referendárias, peticionárias, não só às autarquias como à própria Assembleia da República. Em suma como utilizar a panóplia de instrumentos que o Estado coloca ao serviço do cidadão, e desta forma fazer a pedagogia que o “instituto” da Cunha, não faz parte da formação do bom cidadão.
Oliveira Dias, Politólogo
Publicado na Revista NoticiasLx: