Há poucos dias, estive na Convenção intitulada “A Economia Social em Portugal – Os desafios” e partilho convosco alguns dos pontos de relevo nesta matéria. A Economia Social contemporânea é herdeira de uma tradição histórica longa e forte, defendida por ilustres autores que viam no Cooperativismo o caminho maior na defesa do bem coletivo.
Neste evento, os dados disponíveis para análise do setor cooperativo encontram-se na plataforma “Conta Satélite da Economia Social”, criada há dez anos. Esta plataforma permite obter informações detalhadas sobre os diferentes grupos que compõem a Economia Social, incluindo cooperativas, associações mutualistas, misericórdias, fundações, associações com fins altruísticos (ACFA) e os subsetores comunitário e autogestionário (SCA), entre outros.
A Conta Satélite da Economia Social tem, neste momento, uma parceria com o Instituto Nacional de Estatística (INE), de acordo com a Resolução do Parlamento Europeu de 19 de março de 2019 sobre a Economia Social. Esta resolução apela a todos os Estados Membros da UE para que elaborem contas satélites que deem visibilidade estatística à Economia Social. A realidade do setor em Portugal está consagrada na Constituição da República Portuguesa (CRP), sob a designação de setor cooperativo e social, evidenciando o seu peso na economia e na sociedade portuguesa.
Em 2013, foi publicada a Lei de Bases da Economia Social (Lei n.º 30/2013, de 18 de março), aprovada por unanimidade na Assembleia da República, com o objetivo de regular o setor cooperativo. Em 2018, foi constituída a Confederação Portuguesa da Economia Social (CPES), cujo objetivo principal é “a preocupação e defesa da economia social”. A CPES agrega as diversas “famílias” da Economia Social unidas por princípios e valores comuns, ganhando destaque pela consistência, regularidade e qualidade do seu trabalho, sendo reconhecida em apresentações junto de organizações como as Nações Unidas, a OCDE e o Eurostat.
A Conta Satélite da Economia Social teve quatro edições até hoje, com a última publicada em 2023, apresentando dados relativos a 2019/2020. Recentemente, o projeto “Social Economy Gateway”, da Comissão Europeia, divulgou indicadores estatísticos que classificam o desenvolvimento da Economia Social em Portugal como “moderately developed” (moderadamente desenvolvido), atrás apenas de países como Bélgica, Itália, França e Espanha, que atingiram o nível “light developed” (altamente desenvolvido).
A dimensão da Economia Social em Portugal, com base nos dados de 2019/2020, revela um setor em crescimento, com 73.851 organizações, representando 3,2% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) nacional, 5,0% das remunerações, 5,2% do emprego total e 5,9% do emprego remunerado, 2,7% da produção nacional e 3,8% da formação bruta de capital (FBC) nacional. Este peso coloca Portugal no 3.º lugar da Europa no que diz respeito à contribuição da Economia Social para o PIB, atrás de Bélgica (5,5%) e Itália (3,4%).
Durante a pandemia de Covid-19, as organizações da Economia Social desempenharam um papel crucial na Europa, apoiando indivíduos e famílias em momentos de crise. Os dados indicam que, mesmo diante dos desafios, o setor demonstrou resiliência, mantendo resultados positivos.
Chegados aqui, impõe-se a pergunta: o que falta à Economia Social em Portugal?
No dia a dia das mais de 73 mil organizações sociais, que asseguram as necessidades de mais de 10 mil pessoas em todos os ciclos de vida, os desafios que se colocam são também os desafios do país: o envelhecimento da população, os dois milhões de pessoas em situação de pobreza, o baixo índice de fecundidade e os salários baixos.
A maior parte das organizações sociais enfrentam problemas de tesouraria devido aos compromissos financeiros que assumem em antecipação aos reembolsos da Segurança Social ou de outras entidades públicas. Enfrentam também a falta de recursos humanos, frequentemente recorrem a mão de obra imigrante com poucas qualificações. Além disso, as remunerações médias próximas do salário mínimo desincentivam o desenvolvimento de carreiras profissionais intermédias, e a falta de qualificação dos dirigentes compromete a eficácia e sustentabilidade das iniciativas.
Identificados os desafios, importa propor soluções para melhorar o desempenho das organizações sociais no panorama nacional, tais como:
- Elaborar uma Política Pública da Economia Social, com uma lei específica que regule as empresas sociais.
- Definir um Plano de Sustentabilidade para o setor, enquadrado no Orçamento de Estado, com legislação clara e pragmática para financiamento e gestão.
- Revisar a Legislação Fiscal, criando um estatuto fiscal específico para a Economia Social que simplifique e beneficie estas organizações.
- Fomentar a colaboração entre setores (público, privado e social), ampliando as parcerias e diversificando fontes de financiamento.
- Promover a inovação tecnológica no setor, incentivando a criação de plataformas e soluções digitais para gestão e serviços.
- Investir na formação contínua dos trabalhadores e dirigentes, valorizando o capital humano como elemento-chave para o sucesso do setor.
- Criar mecanismos de monitorização e avaliação, garantindo a transparência e a eficácia das políticas públicas e das ações das organizações sociais.
Na Europa, pela primeira vez, temos o Plano de Ação para a Economia Social 2021-2030, com medidas a serem executadas pelos Estados Membros. Em Portugal, o Plano de Ação deve abranger iniciativas a nível local, regional e nacional, garantindo que as especificidades de cada território sejam contempladas.
Concluo afirmando que é urgente a criação de políticas públicas nacionais e locais que reconheçam e valorizem o papel estratégico das organizações da Economia Social. Sem financiamento sustentável, formação adequada e simplificação dos processos burocráticos, o futuro dessas organizações e das pessoas que delas dependem estará em risco, comprometendo o presente e as possibilidades de um futuro mais justo e solidário.
Aderir à rede das Cidades Portuguesas – Capital Europeia da Economia Social poderá ser um caminho para o Município de Loures, na promoção dos valores e princípios da economia social, valorizando o trabalho em rede, e a partilha de boas práticas das organizações sociais locais, contribuindo assim para as prioridades e objetivos estratégicos da União Europeia.
– Lurdes Gonçalves
Gestora de Empresas | Especialista em Economia Social
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JUSTIÇA SOCIAL
A Justiça Social é um conceito abrangente que abarca uma ampla gama de temas fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Este conceito aborda a igualdade de direitos e oportunidades, independentemente de classe social, género, etnia, orientação sexual, religião ou outras características. Inclui também a promoção dos direitos humanos, acessibilidades, a resposta às alterações climáticas, imigração, distribuição de recursos, políticas públicas, economia social, liderança transformadora e educação como ferramenta de inclusão.
Nas próximas edições do NotíciaLX, Lurdes Gonçalves participará com artigos dedicados a estes temas, refletindo sobre como podem contribuir para alcançar uma sociedade mais equitativa. Esta rubrica será assinada por Lurdes Gonçalves, gestora de empresas | especialista em economia social, com uma trajetória profissional multifacetada e uma forte ligação à área social, educacional e desportiva.
Com uma formação inicial enraizada no compromisso com o bem-estar e desenvolvimento de indivíduos e comunidades, especialmente em contextos vulneráveis, Lurdes Gonçalves destacou-se pela sua atuação em gestão pública e privada, integrando boas práticas de governança e aproveitando sinergias entre setores para maximizar resultados. Sua experiência inclui ainda projetos ligados ao desporto, nos quais aplicou uma visão estratégica para promover a inclusão social, a saúde e o bem-estar por meio de atividades desportivas.
Ao longo da sua carreira, combinou a liderança com uma sensibilidade apurada para os desafios sociais, demonstrando visão estratégica para o desenvolvimento sustentável e inclusivo. A sua capacidade de coordenar equipas multidisciplinares contribuiu para a implementação de soluções inovadoras e transformadoras, com impacto em diversas áreas, incluindo a gestão desportiva.
Com um olhar para o futuro, Lurdes Gonçalves tem-se dedicado à promoção de boas práticas de governança, inovação tecnológica, transição energética e sustentabilidade. Loures, como município, pode beneficiar de uma gestão integrada, que aproveite as potencialidades das áreas social, educacional e desportiva, aliadas a estratégias inovadoras no setor público e privado. Investir em soluções verdes – como a adoção de energias renováveis – e incentivar á digitalização, são formas de posicionar o município como um município moderno, resiliente e preparado para os desafios do futuro.
O NoticiasLX tem a honra de poder contar com a colaboração de Lurdes Gonçalves como colunista num espírito de abertura que aliás mantemos relativamente a todos os que possam trazer valor acrescentado a este órgão de comunicação social.
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