Para consumidores europeus racionais. O grupo Chery reinventa a estratégia de marketing para o mercado europeu. Antecipa a percepção que a procura dos 100% eléctricos decai, principalmente entre os mais acessíveis. Ou seja, que a classe média e média alta não está disposta a pagar quantias exorbitadas por automóveis 100% electrificados, principalmente de grandes dimensões – como os crossovers e os SUV – por causa do preço elevado, porque consomem imensa energia, são pesados, relativamente instáveis e precisam de muito tempo para carregar baterias já que não se devem submeter a carregamentos rápidos permanentemente. Na Europa, o automóvel é um investimento e, em alguns países, um investimento para parte significativa da vida: entre os 5 e 10 anos.
São muito poucos os que acreditam: Que um VES possa percorrer mais de 150.000 quilómetros sem que as baterias se ressintam; na facilidade em vender um eléctrico em segunda mão, com 5 ou mais anos. Há mesmo quem prognostique que o mercado de usados dos cem por cento electrificados acabará por ter maior oferta que procura e que será uma enorme dor-de-cabeça para os comerciantes a médio prazo.
Ora os chineses da Chery – já conhecidos por causa do modelo 5, crossover da sua marca Omoda – trazem-nos o Jaecoo 7 Exclusive, um Sport Utility Vehicles (SUV), de maiores dimensões que de relance nos faz lembrar o Range Rover Velar – tanto mais que inclui o mesmo sistema de abertura de portas -, mas com uma frente mais semelhante ao Toyota Land Cruiser Tundra, ainda que menos agressiva. O primeiro gesto é abrir a porta do passageiro da frente para ordenar ideias, nos confrontarmos com o espaço; tocar na forra da porta, no tablier. Na nossa intimidade, observar se este chinês nos conseguiria absorver e fazer esquecer de onde veem…. Fomos surpreendidos com um aroma a pele (tal como nos sofás chester britânicos) que forra quase todo o interior, uns estofos robustos, confortáveis e com um design sofisticado, com funções electrificadas e climatizados à frente. A fila atrás e o volante podem ser aquecidos. Já o tablier não disfarça a enorme inspiração no modelo Mustang Mach-E da Ford, com praticamente as mesmas funcionalidades e a curiosidade do ecrã central do sistema multimédia ser HD vertical de 37 cm (14.8″). Para encerrar a lista de luxo, um tejadilho panorâmico eléctrico com 1,1 m2 e um sistema de som da japonesa Sony.
Afinal, a identidade do Jaecoo 7 não é totalmente chinesa. Também somos confrontados com a incorporação de uma caixa de de velocidades de 7 marchas automática do tipo ECVT com outros tantos (7) modos de condução, ‘Normal’, ‘ECO’, ‘Sport’, ‘Areia’, ‘Barro/Lama’, ‘Neve’ e ‘Todo-terreno’, coerentemente numa transmissão AWD, isso mesmo às 4 rodas. Só falta a experiência em saber se é suficiente a potência de 145 cavalos com um binário de 275 Nm para pesos em ordem de marcha de 1599 ou 1724 quilos, dependendo da versão.
Relativamente à segurança ressalta o controlo electrónico de estabilidade, distribuição electrónica de travagem (EBD9, sistema de travagem de emergência BAS, sistema de inter-bloqueio dos travões, chamado pedal inteligente (BOS), sistema de assistência em descidas.
Modelo Jaecoo 7 resulta da percepção chinesa sobre o que querem os consumidores europeus mais racionais que entendem a compra do automóvel como um investimento para um período largo de tempo. Tem um motor térmico energeticamente eficiente, de 4 cilindros com 1,6 litros – em vez dos discutíveis 3 cilindros de baixa cubicagem, muito típico entre as marcas europeias – com caixa de velocidades automática de 7 marchas; com distribuição sem correia dentada, ou seja, com corrente de comando como os modelos do grupo Toyota (peça que não têm substituição em revisão) e inclusivamente roda sobressalente, grande aspiração da maioria dos condutores, mesmo que seja uma jante com pneu para baixa velocidade… E com luxos dos melhores modelos das marcas mais carismáticas, incluindo interior em pele e som japonês Sony. Tudo por 34.815,18€ em Canárias
Se há algo em que a indústria dos países do Extremo Oriente é expedita é na engenharia inversa ou retro-engenharia, uma técnica simples baseada no acesso às soluções tecnológicas e de produção do melhor que a concorrência fazia e faz. Esta engenharia reversa só obriga a eleger correctamente um ou mais exemplares da concorrência e a dispor do conhecimento processual e prático para desmanchar esses produtos. Depois, fazer melhor, mais do que copiar. A técnica tem dado bons resultados: que o digam empresas como a Kia Motors e a Hyundai Motor Company, hoje integradas num só grupo.
Também recordo a lição da Toyota com o êxito do velhinho Land Cruiser ‘BJ’ – actualmente sob a chancela J70 e rejuvenescido – que continua a construir-se para uma legião de fãs dos mais exigentes, árabes, australianos, africanos e Sul-americanos. A Toyota concebeu o modelo depois de desmanchar e investigar alguns exemplares do Jeep Willys MB – lançado em 1941 – pela fiabilidade e robustez demonstrada durante a Segunda Guerra Mundial. Land Cruiser é sinónimo indiscutível de veículo de combate de enorme resistência e durabilidade. Há quem lhe chame o carro do deserto e, talvez por isso se perpetua o fabrico do J70.
Até final da década de 90’ era relativamente fácil ver asiáticos bem vestidos a captar fotografias e a observar atentamente detalhes de veículos europeus e estadunidenses, nas exposições internacionais de automóveis mais emblemáticas. Faziam uma primeira etapa da espionagem industrial à vista de todos. Mas não estavam sós: ainda que mais desapercebidos, também havia europeus a fazer o mesmo à concorrência mais directa. Tratava-se de uma espécie de trabalho prévio para a eleição dos modelos que comprariam para os desmontar em segredo. Mas em julho de 2005 fomos surpreendidos com o anúncio da montadora chinesa Nanjing Automotive: tinha acabado de comprar a britânica MG Rover, que, então, enfrentava sérias dificuldades financeiras e estava em concordata desde abril desse ano. O interesse dos chineses estava directamente relacionado com a incorporação superior aos 60% de componentes construídos pela própria construtora o que evidenciava muita tecnologia exclusiva. Já em 2010, foi a vez da Geely comparar a sueca Volvo permitindo-lhe visibilidade no mundo da automação. Este Grupo chinês – que há 40 anos construía refrigeradores – possui ainda as marcas Polestar, Smart, Lotus, Zeekr e Lynk & Co.
De qualquer modo não deixa de ser revelador a robustez sobretudo financeira de alguns construtores chineses que conseguem menores custos de produção como a BYD que, em alguns dos seus modelos, consegue incorporar cem por cento de componentes próprios por duas razões: fabrica simples, com menor número de peças que a maioria dos europeus, Sul-coreanos e japoneses; e porque a marca já se encontra entre os maiores fabricantes de baterias do mundo, utilizando tecnologia própria chamada Blade, que fundamentalmente se diferencia por dispor os módulos em posição vertical, ocupando menos espaço e ganhando rigidez no conjunto plataforma carroçaria.
Este critério de construção será a grande lição para a restante indústria, principalmente a europeia que externalizou a fabricação da maioria dos componentes dos seus automóveis o que encarece o processo produtivo com o controlo de qualidade dos fornecedores, transporte e logística circular do próprio sistema.
Chineses só exportaram 5 milhões de automóveis em 2023
Em 2023, os registos revelam que a indústria automobilística chinesa produziu quase 30 milhões de veículos. Mas só conseguiu comercializar 27 milhões dos quais apenas 5 milhões foram vendidos em mercados externos. Contudo, as autoridades chinesas afiançam qua a indústria tem capacidade instalada para fabricar e ou assembler 40 milhões de veículos ligeiros. O empenho daquele país neste sector vai mais além da produção parcial ou da montagem: acreditam que poderão ser decisivos no fabrico mundial de ligeiros que no ano passado, atingiram a cifra de 67 milhões de unidades.
Poderemos afirmar que se trata de uma indústria no apogeu, embora se saiba que há dezenas de milhares de veículos 100% electrificados que não entram nos circuitos comerciais.
Os 100% electrificados conseguem menos adeptos entre os consumidores europeus, aparentemente o mercado mais apetecível para as marcas chinesas. Salvo raras excepções, o resto do Mundo não está predisposto à aquisição de VES, porque não acredita na tecnologia e suspeitam da sua faceta ecológica:
- Primeiro, basta verificar o consumo final mundial de energia que se distribui derivados do petróleo (42,3%), eletricidade (16,2%), gás natural (16,0%), energias renováveis (13,7%), carvão mineral (8,4%) e outras (3,5%) … E referir que mais de 78% da energia eléctrica é gerada por combustíveis derivados do petróleo, do gás natural e do carvão mineral.
- Segundo, a durabilidade das baterias, a sua reciclagem e a saciedade da mineração no âmbito dos metais raros e pesados com tudo de negativo que isso representa para o ambiente e natureza.
Ora, se na China é difícil ganhar-se espaço para a criatividade; já do ponto de vista económico se podem adiantar previsões dos mercados, principalmente associar as tendências, modas ao valor acrescentado da indústria. Na China, é proibido perder dinheiro e para chegar ao topo da carreira são necessárias pelo menos duas décadas de estudo, vocação e trabalho meritório. Na maioria dos países do Extremo Oriente ascende-se por mérito e sobe-se a pulso. É assim na administração pública, na política e nos sectores ‘semi’ privado e privativo.
Quer isto dizer que já há marcas chinesas a exportar para a Europa o que os consumidores mais racionais exigem. Por exemplo, a Jaecoo – uma das 7 marcas do Grupo Chery – percebeu que os europeus querem coisas simples: automóveis com dimensões generosas, SUV’s preferencialmente; com moda; motores térmicos de 4 cilindros com cilindrada nunca inferior aos 1,6 litros (que tão pouco necessitam ser auxiliados por sistemas híbridos), energeticamente eficientes; com caixa de velocidades automática; com distribuição sem correia dentada, ou seja, com corrente de comando como os modelos do grupo Toyota (peça que não têm substituição em revisão) e inclusivamente roda sobressalente, mesmo que seja uma janta com pneu para baixa velocidade.
Em Espanha, vendem-se duas opções do modelo Jaecoo 7, a térmica de 1.598 C.C., com 145 CV que já descrevemos e uma outra, também com requisitos impressionantes, mas na modalidade híbrida Plug-in com 340 CV e um binário de 525 Nm. Esta opção vende-se em duas versões, ambas 4×2, designadas por ‘Select’ e ‘Exclusive’. Neste caso, só se encontram disponíveis 3 modos de condução – ECO, Norla e Sport – embora a caixa de velocidades seja idêntica.
Em nota de rodapé, referir que as marcas da Chery são CAOA Chery, BAIC, GAC, Omoda, Neta Auto, Scout Motors e obviamente a Jaecoo.
– Texto por José Maria Pignatelli (Texto não está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico) ▪ fotografias de José Maria Pignatelli e de Jaecoo