Nota de Imprensa da MUBI
Avenida da Índia: a história de uma tragédia e os seus responsáveis
23 de Dezembro de 2024 · In comunicados, Lisboa
A morte de Pedro Sobral não foi um acidente. Foi uma tragédia. Anunciada, mas evitável. A Avenida da Índia, em Lisboa, é apenas um sintoma de uma cidade doente, onde a vida das pessoas não está acima de tudo o mais. A criação de infraestruturas e a adopção de medidas que permitam a todas as pessoas usar a bicicleta em segurança é um assunto que, apesar das aparências, vem sendo adiado pelas autarquias – em particular pela de Lisboa que, decisão após decisão, continua a privilegiar o automóvel, quer em termos de espaço dedicado, quer em termos de impunidade de comportamentos abusivos.
Não queremos ser arautos de más notícias, mas infelizmente, assistiremos a outras tragédias com perda de vidas humanas. Tragédias essas que, segundo as boas promessas da Câmara Municipal de Lisboa (CML), deveriam ser zero. Basta de discursos a lamentar depois de consumadas.
Portugal tem uma das mais elevadas taxas de sinistralidade rodoviária da Europa dentro de zonas urbanas. Exigimos ao Governo e autarquias que assumam a sua responsabilidade política com medidas urgentes, para que a Visão Zero não seja mais que um chavão sem significado. Exigimos que a muito curto prazo, seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde, se decrete a redução das velocidades nos centros urbanos para 30 km/h e mais e melhor fiscalização de comportamentos de risco por parte dos automobilistas em relação a utilizadores vulneráveis.
Um país feito de intenções
Janeiro de 2018: O Governo socialista anunciou que quer introduzir diversas alterações ao Código da Estrada. Uma dessas alterações é a redução do limite de velocidade dentro das cidades para 30 km/h, anunciou o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.
Fevereiro de 2019: Em sequência da petição “Pelo Direito a Pedalar em Segurança”, subscrita por cerca de 10 mil pessoas, em 2019 a Assembleia da República deliberou por unanimidade recomendar ao Governo a adopção de medidas de redução do risco rodoviário sobre os utilizadores vulneráveis, nomeadamente:
- A criação de um grupo de trabalho interministerial para lançar e coordenar a implementação de medidas com este fim,
- O reforço das acções de educação e sensibilização para a cidadania rodoviária e proteção dos utilizadores mais vulneráveis,
- A intensificação da fiscalização rodoviária de comportamentos perigosos em relação aos utilizadores vulneráveis, e
- A colaboração com os municípios para a criação de mais zonas de velocidades reduzidas nas cidades portuguesas.
Agosto de 2019: Foi publicada a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030. Tem como metas, entre outras, a redução da sinistralidade envolvendo utilizadores de bicicleta em 25% até 2025 e em 50% até 2030. Depois de 5 anos sem investimento e a liderança política necessária, avança a “passo de caracol”, já sendo certo que a Estratégia irá falhar as metas para 2025.
Passados 5 anos, os sucessivos governos continuam sem dar uma resposta a estas fortes e urgentes recomendações em uníssono dos representantes dos portugueses no Parlamento nacional.
Fevereiro de 2020: Portugal assinou a Declaração de Estocolmo. Nela se estabeleceu claramente que os Estados signatários deverão priorizar a gestão da velocidade como uma intervenção chave de segurança rodoviária, em particular para “fortalecer a aplicação da lei, para prevenir o excesso de velocidade e determinar uma velocidade máxima de 30 km/h conforme apropriado nas áreas onde utilizadores vulneráveis e veículos se misturam … ”
Novembro 2021: A Sociedade Civil lança petição “Cidades seguras para todas as pessoas” a exigir que Portugal cumpra a Declaração de Estocolmo, as recomendações da OMS e do Parlamento Europeu e altere o limite máximo de velocidade de 50 km/h para 30 km/h em áreas urbanas, onde o tráfego motorizado interage com peões e utilizadores/as de bicicleta.
Avenida da Índia: tragédias numa cidade eternamente adiada
Janeiro 2019: A Vereação da Mobilidade da CML comunicou que existe um “compromisso de executar uma ciclovia bidireccional na Avenida da Índia ainda este ano” – antes da Velo-City (Set 2021).
Fevereiro 2019: O executivo da CML promete que “o percurso entre Algés e Santos será construído de raiz – a ciclovia começa na Rua Fernão Mendes Pinto, continua pela Avenida da Índia, passando por Belém e terminando em Alcântara-Mar (ponto de intersecção com outra ciclovia que irá até Campolide e fará a ligação a Benfica e Carnide).”[1]
Abril 2020: Em plena pandemia a MUBi faz “Recomendações para Lisboa combater a pandemia COVID-19”, em que se recomenda uma ciclovia pop-up para várias avenidas, entre elas a Avenida da Índia.
Junho 2020: Anunciada a pop-up da Avenida da Índia pela CML até Julho de 2020! “Av. da Índia perde uma via de trânsito para ter ciclovia”[2] foi a promessa apresentada publicamente pelo então presidente da CML e confirmada, pouco depois, à MUBi pelo vereador da Mobilidade.
Outubro 2020: Saudando a solução proposta para a Avenida da Índia, que “passará por uma ciclovia bidireccional, do lado norte, suprimindo uma via de trânsito e alterando o esquema de circulação com uma via de trânsito de entrada em Lisboa e duas vias de trânsito no sentido de Algés”, a MUBi comunica ao vereador da Mobilidade de Lisboa que “De um modo geral ficamos agradados com o conceito pensado, sendo que, pelo que entendemos, existe alguma indecisão relativamente ao tipo de separação a adotar entre o canal ciclável e a via de trânsito adjacente (…)”.
Sobre os separadores dissemos: “Defendemos por isso que, antes de pensar na tipologia do separador, se proceda a uma redução efetiva e contundente das velocidades praticadas, por adoção de medidas como:
- Instalação de radares de velocidade;
- Instalação de semáforos de velocidade e melhoria da gestão semafórica;
- Instalação de balizadores entre sentidos de trânsito e, localmente, entre vias de trânsito.”
Abril 2021: Afinal a ciclovia pop-up anunciada e prometida meses antes, fica suspensa e é adiada a ligação entre as ciclovias já existentes na Rua Fernão Mendes Pinto, no lado de Algés, e na Avenida 24 de Julho, no lado de Alcântara. (…) Um porta-voz da vereação de Mobilidade da CML explicou ao jornal online Lisboa Para Pessoas que o novo traçado estava a ser trabalhado nesse momento, encontrando-se em fase final de projecto, e a expectativa seria o lançamento da obra logo de seguida.[3] É transmitido à MUBi que, afinal, o projecto para a Avenida na Índia será feito no passeio!
Junho 2021: A MUBi lança um Manifesto: Bicicleta nos passeios, não! e apresenta o nosso descontentamento pela preferência assumida pela CML em promover o perigo para peões e o conflito entre utilizadores vulneráveis, na implementação de infraestruturas para a bicicleta em casos como na Avenida de Berna, Avenida da Índia, Avenida das Descobertas, entre outras.
Nesse mesmo mês, Patrizia Paradiso, grávida de cinco meses, foi atropelada mortalmente na Avenida da Índia. Associações da Sociedade Civil lançam um comunicado: Basta de negligência política! Pelo fim dos atropelamentos.
E nesse comunicado ficou a pergunta: Até quando temos de esperar para que se assumam responsabilidades políticas?
Exigimos ao Governo e autarquias que assumam a sua responsabilidade política com medidas urgentes, para que a Visão Zero não seja mais do que um chavão sem significado. Exigimos que a muito curto prazo, a exemplo de Espanha e as recomendações da Organização Mundial de Saúde, se decrete a redução das velocidades nos centros urbanos para 30 km/h e mais e melhor fiscalização de comportamentos de risco por parte dos automobilistas em relação a utilizadores vulneráveis.
Janeiro 2022: É anunciado pela CML que a Avenida da Índia e Avenida das Descobertas deverão ser outros projectos a serem concretizados nos próximos dois anos. (…) Anuncia o Lisboa Para Pessoas: “Através do Fundo Ambiental, a EMEL dará continuidade ao projecto de ciclovias intermunicipais, em conjunto com os concelhos vizinhos de Oeiras, Odivelas e Loures. Por isso, os projectos da Avenida da Índia e da Avenida das Descobertas deverão avançar, pois servirão para ligar Lisboa a Oeiras pela rotunda de Algés.” [4]
Maio 2022: A CML aprova, com votos contra do Executivo, uma moção para “reduzir em 10 km/h a velocidade máxima de circulação permitida para: 30km/h nas vias de 3.º, 4.º e 5.º nível da rede viária, para 40km/h nas vias de 2.º nível e para 70km/h nas vias de 1.º nível” A Avenida da Índia está classificada pelo PDM como 3.º Nível e deveria estar com um limite de velocidade de 30 km/h.
Outubro 2022: O Lisboa Para Pessoas (LPP) anuncia que “não vão ser construídas novas ciclovias em Lisboa até que esteja concluída uma auditoria a toda a actual rede ciclável”.
Segundo averiguou o LPP, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, mandou travar os projectos de ciclovias que estariam pendentes, incluindo um que já tinha sido adjudicado a um empreiteiro – nada vai avançar até que toda a actual infraestrutura seja avaliada. Uma dessas ciclovias intermunicipais adiadas é a da Avenida da Índia, projecto pop-up apresentado em Fevereiro de 2021 e cuja execução está, desde então, “prevista” no site da Câmara Municipal de Lisboa.
Novembro 2022: A MUBi reúne com o vereador da Mobilidade e é-nos prometido que:
- O concurso para Lisboa ter finalmente um Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) seria lançado até ao final de 2022 e o plano elaborado durante 2023. Até hoje!
- O Plano Municipal de Segurança Rodoviária (Visão Zero) estaria a ser revisto e seríamos chamados a pronunciar-nos em breve. Até hoje!
- O vereador já aprovou uma Comissão para a Mobilidade e Transportes que deverá acontecer até final do ano de 2022. Até hoje!
E aqui chegamos a mais uma tragédia. Não foi um acidente.
Precisamos urgentemente de cumprir as promessas feitas e ter a coragem de salvar vidas.
Nota de Imprensa da MUBI
[1] https://www.timeout.pt/lisboa/pt/coisas-para-fazer/lisboa-vai-ter-200-quilometros-de-ciclovia
[2] https://lisboaparapessoas.pt/2020/06/03/ciclovias-pop-up-lisboa/
[3] https://lisboaparapessoas.pt/2021/04/16/ciclovia-avenida-india-adiada/
[4] https://lisboaparapessoas.pt/2022/01/20/orcamentos-lisboa-2022-cml-emel-sru-carris/