Corria o ano de 2008, se me não falha a memória, quando em amena conversa, de café, com um perito dos serviços de informação da República Portuguesa, me alertava para os perigos prospetivos por que passaria a europa, num futuro mais ou menos próximo, e tudo por causa da energia, designadamente o gaz natural, do qual a economia europeia dependeria, muito por “culpa” da Alemanha, cujo gaz russo alimentaria boa parte da sua estrutura industrial, e a Alemanha era então, como o é ainda hoje, a maior economia da União Europeia.
Foi também em 2008 que Mário Soares pulicava um artigo, na revista Sábado, alertando para o erro crasso da NATO, em “avançar” rumo á Federação Russa, por acolhimento no seu seio, de antigos países da órbita soviética, naquilo que segundo Mário Soares, seria percecionado pela Rússia, como uma séria ameaça, desencadeando, inevitavelmente, uma reação aos russos, de resto já ensaiada, explicitamente, por Vladimir Putin, numa cimeira NATO um ano antes, em 2007.
Interesses estratégicos de dois actores globais, digladiavam-se então, por um lado, a NATO, garantia uma clientela fiel á indústria do armamento e afins americana, e por outro lado a utilização massiva de gaz natural pela maior economia europeia e não só, a Alemanha, garantia um rendimento apreciável á Federação Russa.
A única forma de quebrar estas hegemonias, era provocar uma dissensão, fosse na dimensão social, política, económica, e se necessário fosse a militar, de resto a história é pródiga, em exemplos, veja-se o argumento que levou Hitler a invadir a Polónia, foi a necessidade de “espaço vital” para o reich, dando início á segunda guerra mundial.
Não era segredo para ninguém, que do outro lado do atlântico, o pipeline que abastecia a europa de gaz russo, o nordestream1, e mais tarde o novíssimo a estrear nordstream2, pago a meias pela Rússia e pela Alemanha, punha os cabelos em pé, nunca conseguindo os americanos convencer os alemães a mudar a sua estratégia energética.
Quebrar a dependência energética da Europa da Rússia, era, pois, vital para determinados interesses geoestratégicos.
A guerra que inevitavelmente estalou com a invasão da Ucrânia, pela Federação Russa, teve o seu epílogo no primeiro dia de 2025, uma vez que Volodomir Zelensky colocou um fim ao contrato com a Gazprom, que permitia, através do gasoduto ucraniano, servir alguns países europeus com o gaz russo.
À primeira vista nem se percebe porque não aconteceu isso antes, pois toda a gente entenderia que um país invadido cortasse todas as relações económicas com o invasor.
Com o fim do fornecimento desta fonte de energia, obviamente verificar-se-á um generalizado aumento de preços, por via do encarecimento das alternativas.
A depauperada economia do gigante económico que é a Alemanha já padece desses impactos com a supressão dos nordstream 1 e 2, e a coisa não ase fica por aí.
Desta vez o impacto directo é com a Eslováquia, a Áustria, a Hungria e a Itália, países que ainda eram bastecidos pelos russos. Com isto Zelenski atinge diretamente com KO, a Eslováquia e a Hungria, dois confessos “amigos” da Rússia.
O problema, cujas consequências se desconhecem, é o que irá fazer a Ucrânia, quando a Eslováquia, a manter a sua ameaça, cortar o fornecimento de energia elétrica, que representa cerca de 20% da energia importada pela Ucrânia, uma vez que a rede desta ou foi ou está a ser destruída pela Rússia.
Com isto Zelenski consegue arregimentar dois países para vetarem a sua adesão à União Europeia, e bem assim á NATO, pese embora a admissão á NATO se configure como impossível, seja em que cenário for.
Neste tabuleiro de xadrez de gaz, ver-se-á, quais as consequências do corte de fornecimento á Moldávia, aqui por iniciativa de Putin, sabendo-se que a Moldávia não pertence nem á União Europeia, nem á NATO, e tem parte do seu território em situação de autoproclamada independência, a Trnasnistria, onde meio milhão de russos habitam, e onde está presente um significativo contingente militar russo.
Pode a Europa passar sem o gaz natural, importado? Claro que pode, mas tem de recorrer a outras fontes, como a energia nuclear, razão porque Macron, em França, se recusa a acabar com as suas centrais nucleares, os fósseis, razão porque se levantam muitas reservas em acabar com a exploração de carvão, como nós fizemos, e as renováveis, cujo problema é a mudança de paradigma não ser imediata e ser necessário décadas para o efeito.
Noutra perspetiva, pode a economia europeia suportar este impacto?
A Europa está refém de terceiros, sempre. Se o epílogo do gaz se dá agora, libertando-se da sua dependência com a Federação Russa, vai ter de cair nos braços de outros países, fora da europa, com mos custos inerentes a tal opção.
A China tem o monopólio de algumas matérias primas, que não os fósseis, essenciais á indústria automóvel e não só.
O nó górdio é este – em matéria energética a europa depende de terceiros, ontem da Rússia, hoje da China.
O Lítio é uma matéria prima do futuro, uma das matérias primas raras que a China tem em quantidade, e Portugal até tem reservas apreciáveis, mas se a sua exploração por cá se enredar em questiúnculas bairristas, espera-nos o mesmo destino do resto da manada.
Em conclusão o cenário é este: a Ucrânia precisa dos biliões de euros em apoio para a sua defesa, mas debilitou, com o fim do fornecimento do gaz, drasticamente as receitas geradas pela economia europeia, em termos de imagética isto convoca aquela imagem do homem num galho de árvore, cortando o mesmo para o separar da árvore … .
Como se não bastasse, a europa é agora acossada com outro número 5%, pela voz do secretário geral da NATO, montante necessário, segundo a sua apologia, para os países membros investirem na defesa, leia-se, na compra de equipamento militar tipo NATO, por acaso fabricado nos states.
Como diz o outro “no Money, no funny”, se a economia europeia está de joelhos, como se lhe pode exigir que faça os 100 metros a correr?
Isto traz á memória o ministro das finanças da Grécia aquando do resgate, Varofakis, quando dizia a propósito das exigências que se fazia á economia grêga “isto é como pedir a uma vaca com fome magríssima, devido á sub-nutrição, que produza mais leite que o habitual”.
A energia é um bem escasso, e assume uma dimensão vital para a sobrevivência dos países, por isso os povos têm de escolher entre políticos e gestores de empresas á frente dos seus governos.
Se a américa escolheu um gestor de empresas, a europa que se cuide, pois as suas soluções resumir-se-ão a cash-flow.
Oliveira Dias, Politólogo
Publicado na Revista NoticiasLx: