O que aconteceu, hoje, na Assembleia da República, é histórico, porque estas cerca de 300 freguesias que agora conhecem a luz do dia, viram reposta as justas aspirações das suas populações, sobre quem foi cometida uma tremenda injustiça em 2013.
A agregação de freguesias, sem nenhum outro critério, que não, a diminuição do número absoluto de freguesias, ao abrigo da famigerada “lei Relvas”, para fazer a vontade á não menos famigerada “Troika”, foi uma esperteza á portuguesa para europeu ver, os quais, estes, incautos, julgaram ver nas autarquias paroquiais, cumuladas com as autarquias ao nível do município, um excesso de autarquias municipais, pois o termo de comparação, com os restantes países europeus, e não só, é falacioso, porquanto o nível infra municipal, só existe em Portugal.
Por outro lado, por cá, foi muito mais fácil “implicar” com as freguesias, do que com os municípios, muito por força da tradição histórica de uns e outros, as freguesias seculares, remontam ao século XIX, quando foram criadas as “Juntas de Paróquia”, contrastando com uma tradição várias vezes centenária dos municípios, alguns anteriores á nossa nacionalidade.
A extinção de uma autarquia, seja ela uma freguesia, seja município, porque estruturada em função de agregados populacionais, deveria levar em linha de conta esses agregados populacionais, dito de outra maneira, parece aceitável considerar o recurso ao referendo local, em razão de matéria, e isso não foi sequer considerado em 2013.
Uns “doutos” pseudo-entendidos, em 2013, obcecados em corte e costura, desataram a cortar a eito, como diz o vulgo, dando origem ás Uniões de Freguesias.
É verdade, que à época, bem me recordo, só se ouviram as vozes dos eleitos das freguesias a extinguir, porque os fregueses, o povo, acomodou-se no seu recato, sem se incomodarem com as agregações.
Só mais tarde o povo percebeu o impacto da bizarria das agregações, com algumas honrosas excepções, onde aparentemente até houve melhorias.
Quando se fala em autarquias locais, raramente a maioria se dá conta que quer o município, quer a freguesia, são ambas autarquias com igual dignidade constitucional, e sobretudo, como bem ensina o saudoso Professor Sousa Franco, município e freguesia são ambas AUTARQUIAS de natureza MUNICIPAL, algo que me não canso de reiterar em todas as formações que dou para eleitos ou e funcionários autárquicos.
A diferença entre o município e a freguesia são as atribuições (os fins) cometidas a cada um deles, e dentro destas atribuições, os poderes legalmente conferidos aos respectivos órgãos.
Ou seja, não é a dimensão do território, porquanto existem freguesias com territórios equivalentes ao território de vários municípios, logo a dimensão espacial não conta para nada, bem como a densidade populacional, porquanto existem freguesias com muito mais população que muitos municípios juntos.
Também não é a existência de serviços no território, embora este seja um critério para a classificação meramente administrativa de povoações, vilas e cidades, cuja utilidade é semelhante á necessidade de uma gaita de foles num funeral.
Também me lembro que Loures só passou a cidade, porque Odivelas, cumprindo todos os requisitos para ser elevada a cidade e Loures não, Loures, como sede do município (ainda Odivelas não o era), tinha de, a reboque de Odivelas, passar a cidade também.
Durante muito tempo, havia deputados que para mostrar serviço lá encabeçavam projectos legislativos de elevação de povoações a Vila, e de Vila a cidades. Mas mais valias em razão disso zero. Era só para currículo.
A problemática das autarquias – município e freguesia – é bem mais profunda, mas complexa, e por isso, quase tabu.
Problematizemos um pouco o assunto: A Freguesia faz falta na malha administrativa portuguesa? O Município faz falta na malha administrativa portuguesa? Os dois fazem falta? Ou a escolha deverá ser ou um ou outro?
Se, como é minha apologia, a diferença entre o município e a freguesia são as atribuições, pois que os poderes decorrem da concretização daquelas, então, pelo menos em teoria, bastaria conferir as mesmas atribuições a um único tipo de autarquia, fosse o município, fosse a freguesia.
Sendo certo que as atribuições conferidas, actualmente, ao município são mais robustas que as conferidas ás freguesias, dir-se-ia que a transformação das autarquias todas, em freguesias, contribuiria drasticamente para uma centralização do estado, robustecendo a administração central, em detrimento da efetiva descentralização do estado preconizada no texto constitucional.
Então, á contrário, e respeitando literalmente a constituição, a opção passaria por transformar todas as autarquias em municípios, reforçando a descentralização do estado.
Mas esta opção, a existência de apenas municípios, os actuais 308, e os que se viriam a constituir por transformação das actuais 3092 freguesias convocaria, outro tabu, que dura desde 1976 – as regiões Administrativas.
Com a atomização municipal disseminada por todo o território, a Região Administrativa, seria a autarquia ao nível da qual todas as matérias, dada a sua natureza (mobilidade, habitação, transportes, saúde, etc), supra- municipais, deveriam ser tratadas.
O dilema destes “tabus” é que implicam uma revisão constitucional, vontade política, e contrariar interesses muito enraizados na nossa cultura.
Enquanto isso não acontece, e mantendo-se a freguesia, tal como está, a sua utilidade decorre da proximidade que mantém por via das relações vicinais, que o nível municipal dificilmente alcançará.
A verdade é que numa qualquer povoação o cidadão com facilidade vai bater na porta do seu Presidente de Junta, porque o Presidente da Câmara nem sabe onde mora.
Isto, pode não parecer, mas faz toda a diferença.
Oliveira Dias, Politólogo
Publicado na Revista NoticiasLx: