Qualquer tipo de discriminação é anti-social, em qualquer sociedade democrática evoluída, como é o caso português, a discriminação é intolerável, e em comunidades locais desenvolvidas, como pensamos ser o caso das autarquias locais portuguesas, a discriminação é inaceitável.
A NEURODIVERSIDADE, é hoje timidamente conhecida, pese embora seja muito antiga, e anterior a outros estigmas discriminatórios.
A Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação [ENIND] 2018-2030 – Portugal + Igual, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 61/2018, de 21 de maio, alinhada com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, motivou os municípios portugueses a implementar os seus Planos municipais de igualdade e inclusão.
Foi, obviamente um passo importante.
A neurodiversidade, uma das vertentes daquele plano, foi descrita pela primeira vez em 1998 pela socióloga e ativista Judy Singer, que a concebeu como sinónimo de biodiversidade neurológica.
Estima-se que entre 15% e 20% da população tenha um neurodesenvolvimento diferente, sendo chamada de neurodivergente, enquanto aqueles com o desenvolvimento esperado são chamados de neurotípicos (Fundaciò factor humà, 2020, p. 2). Ambos, neurotípico e neurodivergente, compõem a neurodiversidade do cérebro humano.
A neuropsicologa Diana Carolina Gomez Blanco, em artigo publicado sentencia ”embora seja verdade que ainda há um longo caminho a percorrer e a modificar os preconceitos que a sociedade tem de todas as pessoas neurodivergentes, é importante reconhecer que somos todos neurodiversos justamente porque, embora pertençamos à mesma espécie, não há dois cérebros iguais”.
Reconhecendo que o preconceito vem do “berço”, na medida em que o desenvolvimento da nossa personalidade, se forma muito por mimetismo, e modelos percecionados no seio familiar (teoria beahviorista), a que se somam processos de enculturação, e hoje, cada vez mais, também de aculturação, devido ao avanço tecnológico que é vertiginoso, a verdade é que de uma forma geral, os actores e responsáveis das nossas comunidades vicinais, não estão preparados, não sabem, lidar com a diferença com o outro que nos parece diferente.
A discriminação, resultado da neurodiversidade, assumiu proporções preocupantes, quando os noticiários televisivos abrem as suas edições divulgando, como foi o caso esta semana, agressões brutais, despropositadas, por parte de um agressor, um jovem de 15 anos, sendo a vítima um jovem de 14 anos, vendo-se as imagens da vítima, indefesa no chão, a ser agredida de forma gratuita ao soco e ao pontapé.
Tanto mais grave, foi, quando a agressão aconteceu numa escola pública, tanto mais grave é, sabendo que agressor e agredido são ambos alunos dessa escola, e muitíssimo mais grave se torna quando se sabe que a vítima é um autista, ou seja, um NEURODIVERGENTE.
O espetáculo de ver um jovem cidadão, de joelhos chorando, certamente sem conseguir racionalizar a razão da agressão, só porque é diferente, é de arrazar, completamente, qualquer consciência minimamente civilizada.
Isto vem do “berço” … .
Aconteceu na outra banda, na Moita ou no Montijo, não sei agora precisar, mas pouco importa a geografia, simplesmente não devia ter acontecido.
Infelizmente, não é só naquela geografia, por cá, na nossa terra, também temos exemplos de infelizes comportamentos discriminatórios, sobre pessoas neurodivergentes.
O que aqui agora vou relatar, certamente, não é do conhecimento dos responsáveis das instituições, que mencionarei, mas a esperança reside na circunstância de este texto provocar alguma reação no bom sentido.
Primeiro as instituições envolvidas: Município de Odivelas, Agrupamento de Escolas Moinhos da Arroja, Associação Agymnodv – associação desportiva de Odivelas. Portanto duas entidades públicas e uma privada.
A Agymnodv, tem parcerias com vários estabelecimentos escolares de Odivelas, para o desenvolvimento de actividades desportivas, envolvendo muitos jovens, na prática desportiva, o que ”de per si” é, a todos os títulos, louvável.
Um dos estabelecimentos escolares onde desenvolve a sua actividade é a EB Moinhos da Arroja, cujo pavilhão apresenta boas condições para essas actividades.
Ora, julgo saber, que o Município de Odivelas tem protocolos com as entidades desportivas do Concelho, para disponibilizar horas de utilização em pavilhões escolares, e certamente serão protocolos tripartidos: município, agrupamento escolar e associações desportivas.
Uma odivelense, cuja filha é praticante numa dessas actividades, promovida pela Agymnodv, na Escola dos Moinhos da Arroja, foi objeto de actos discriminatórios, gratuitos, e inusitados, quando foi impedida de utilizar as instalações sanitárias, por parte de pessoas presentes no local, alegadamente, porteiros, ou seguranças, ou coisa que os valha, da associação Agymnodv, ou da escola, ou até funcionários municipais, ou todos, não se apurou, porque a policia chamada ao local, telefonicamente, alegou falta de efectivos.
Seria grave só por si, porque a autorização para o desenvolvimento de uma actividade (note-se, autorização, conferida pelas entidades públicas citadas), envolvendo pessoas (pais, atletas e monitores) TEM OBRIGATORIAMENTE de garantir, como condições básicas, pelo menos duas coisas – o acesso a água potável, e o acesso a sanitários.
Mas, no caso, foi muito pior, tanto a mãe como a atleta são ambas diagnosticadas como portadoras de autismo nível 1, a mãe doente crónica com síndrome de Elhers-Danlos e disautonomia associada, a qual no seu caso, exige o uso frequente de instalações sanitárias devido a disfunção urinária.
Tudo isto explicado aos senhores que, indiferentes, ás explicações e motivos invocados por alguém, aparentemente “normal”, sem indícios de dificuldades, cognitivas ou outras, limitaram-se a fazer uso da sua “autoridade” para impedir a satisfação de uma necessidade básica, por parte de uma pessoa neurodivergente.
Esta odivelense, assim discriminada, por um grupo de ignotos, entrou em descompensação (melthdown), e o seu choro compulsivo, forma de exteriorizar a violência da discriminação de que estava a ser objecto, ainda foi encarada como estando a fazer “cenas”.
Os ignotos, para além de não mostrarem nenhuma assertividade sobre a situação, não têm culpa, por não saberem o que é isto de se ser neurodivergente, certamente nem se deram conta de terem sido agentes activos na discriminação praticada.
Compete ao Município de Odivelas incrementar a capacitação destas pessoas, leia-se, dos seus funcionários, dos agentes desportivos com quem tem protocolos estabelecidos, e com as escolas, que integram o parque escolar do município.
Esta capacitação em neurodiversidade é hoje a ferramenta necessária para uma sociedade mais inclusiva, a fim de fomentar uma comunidade cada vez menos discriminatória.
O curioso deste incidente, que não é único, com a mesma pessoa, já aconteceu com a associação de pais da escola básica do mosteiro, mostrando que este tipo de descriminação é reiterada, no nosso território, e acontece com uma pessoa que tem sido convidada para palestras, um pouco por toda a Europa, sobre o assunto, e proximamente, a convite do governo de Malta, vai proferir uma alocução sobre a neurodivergência, e sinceramente, é tudo menos agradável, perceber que se ela quiser ilustrar a discriminação com neurodivergentes, sofridos na primeira pessoa, tem exemplos aqui da nossa terra, e Odivelas devia ser falada além fronteiras por motivos bem mais positivos.
Para quem, como eu, tanto se empenhou na criação deste município, a última coisa que quero mesmo é perceber que a incivilidade campeia, sem que se faça nada.
Odivelas é convocada, alertada que agora está, a ser parte da solução, e a solução é sensibilizar e formar TODOS os agentes responsáveis por actividades que envolvem pessoas, de forma a identificarem potenciais neurodivergentes, e evitarem e/ou eliminarem atitudes discriminatórias.
Mas, mais. A população escolar, em todos os graus de ensino, também deve ser envolvida nesse processo, só assim a evolução para uma sociedade mais justa será uma realidade e cumprir-se-á o ditado de Pitágoras “educai as crianças e não será necessário castigar os homens”.
Oliveira Dias, Politólogo
Publicado na Revista NoticiasLx: