A “difícil” vida de um Presidente de Junta!
Se no artigo anterior, deste dossier, se abordou o conteúdo material deste instrumento, agora abordar-se-á o próprio documento em si, as suas características essenciais, para se perceber que a emissão de um atestado não é uma coisa qualquer, e á qual um Presidente de Junta deve dar muita atenção, pois é a sua responsabilidade que está em causa.
O atestado, é quiçá, o documento mais procurado por cidadãos nacionais, e sobretudo não nacionais, por razões que se prendem com um fortíssimo movimento de entrada de imigrantes, e migrantes, actualmente.
Em tese, um atestado é um documento oficial e autêntico, cuja emissão, decorre de uma deliberação, se a cargo do executivo (Junta de Freguesia) ou decisão, se a cargo do Presidente da junta, e está dependente de requerimento pelo interessado, em regra um cidadão, que na sua qualidade de freguês, no exercício de um direito, em razão do seu recenseamento, ou ligação ao território, ainda que não por recenseamento, embora este seja obrigatório.
O carácter oficial, de um atestado, é-lhe conferido pela qualidade pública em que se encontra investida a entidade emissora, a Freguesia, que é a autarquia competente para o efeito, e o órgão que o valida, apondo-lhe a sua assinatura manuscrita, o Presidente da Junta de Freguesia. Esta circunstância – caracter oficial – vincula o emissor, a Junta de Freguesia, ao escrupuloso cumprimento do Código do Procedimento Administrativo.
O carácter de documento autêntico é-lhe conferido pela circunstância de fazer fé em juízo (tribunal), como analogamente o é uma acta ou uma escritura notarial. À semelhança do paragrafo anterior “in fine” o carácter autêntico impõe que a emissão do atestado tenha como conteúdo material compaginável com as atribuições da entidade emissora, a Junta de Freguesia, e as competências dos órgãos envolvidos, a junta e o seu Presidente, como se discorreu em anterior artigo.
Quanto á tipologia, como dissemos no artigo anterior, são 8 os tipos de atestados, atendendo á sua finalidade, 5 escorados no diploma da modernização administrativa e mais 3 do diploma das uniões de facto. Porém estes 8 desdobram-se da seguinte forma:
- Cada um dos 5 tipos de atestados ao abrigo do DL 135/99 (modernização administrativa), desdobra-se em 3, dependendo se a emissão do atestado foi objecto de uma deliberação do executivo, ou se objeto de uma decisão do Presidente de junta ao abrigo de competência delegada pela junta, ou, ainda, se objecto de decisão do Presidente de junta, independentemente deste ter delegação ou não, ao abrigo da invocação de urgência, por parte do requerente. Nesta última circunstância, (urgência) a decisão do presidente de junta deverá ser confirmada, na reunião de junta imediatamente seguinte, através do instituto da ratificação. Em tese, não poderá ser negada essa confirmação, exceto se os fundamentos se escorarem em vícios de invalidade jurídica absoluta (geradores de nulidade). Em conclusão estes 5 tipos de atestados podem ser afinal 15.
- Cada um dos 3 tipos de atestados ao abrigo do diploma das uniões e facto apenas se podem desdobrar em dois, porque nestes não existe a possibilidade de invocar urgência. Assim estes 3 passam a 6, cumulados com os 15 anteriores, temos então 21 atestados com diferentes bases legais.
Importante reter que o que distingue o Atestado, de uma Certidão, é que atestado é a confirmação de que o requerente, produziu determinadas declarações (não qualquer coisa, mas apenas as previstas na lei) perante os serviços da freguesia, já a certidão é a confirmação, pelos serviços da freguesia, que determinado dado, ou dados, se encontram á guarda da freguesia nos seus arquivos.
Os pressupostos para que o atestado seja um documento juridicamente pleno implica a satisfação de dois requisitos básicos: validade e eficácia. Assim para garantir a validade do atestado é necessário:
- Entrega de requerimento pelo freguês/cidadão;
- O conteúdo material conter-se nas competências legais da freguesia (uma das 8 finalidades expressas no artigo anterior);
- e sobre ele ser proferida uma decisão, ou deliberação;
- validações finais (assinaturas);
E está garantida a validade, mas falta a eficácia do mesmo, como se alcança então?
Aqui entramos num domínio que, nas autarquias locais portuguesas, quase ninguém cumpre, pese embora nunca tenha sido suscitado, tanto quanto é do meu conhecimento, até ao dia em que alguém se lembre de o fazer.
O regime jurídico das autarquias locais e o código do procedimento administrativo dispõem sobre esta matéria. Como o Código do procedimento administrativo é minimalista, neste particular, ao contrário do regime jurídico das autarquias locais, tender-se-á a optar pelo regime jurídico das autarquias locais, porque mais específico e detalhado, mas nestas coisas não é assim que se processa, e em tudo temos de ter presente o “Princípio da Legalidade”.
Ora o Código do Procedimento Administrativo dá-nos a resposta no seu artigo 158º (publicação obrigatória), nº 1, e citamos, “- A publicação dos atos administrativos só é obrigatória quando exigida por lei.” E o seu nº 2 reforça para não haver dúvidas com uma redundância, e citamos novamente “A falta de publicação do ato, quando legalmente exigida, implica a sua ineficácia.”
Ora, perante estas disposições temos de atender ao que o regime jurídico das autarquias locais diz especificamente sobre esta matéria, e revisitemos o Artigo 56º, nº 1, que determina que todas as deliberações e decisões dos órgãos das autarquias locais, destinadas a ter eficácia externa (tal é o caso dos atestados) devem (o verbo dever em direito administrativo é mandatório) ser publicadas em Edital da autarquia, se a lei não impuser publicação em Diário da República.
Veja-se que uma deliberação é a concretização da formação de um acto administrativo, ao ser registada em acta, ou minuta de acta, e no caso o órgão emissor do atestado é a junta de freguesia, já a decisão carece de um despacho do Presidente da Junta, sem estas formalidades não há acto administrativo, e o que se regista, de modo genérico, nas nossas freguesias, é os serviços ao rececionarem, um requerimento de atestado, e das diligências a ter com ele, elaboram o atestado e apresentam-no, ao Presidente da junta, sendo este o órgão competente para a decisão, para assinatura. Ora isto não respeita os pressupostos do acto administrativo, tem mesmo de haver a formalidade da decisão e isso concretiza-se, ganha forma, com o despacho, instrumento legal exigível para o efeito.
Ora para além disto, o pressuposto de eficácia dos atestados, carece de publicação em edital, sem o que serão ineficazes.
Opera-se, pois uma dupla ineficácia jurídica, ao nível do acto administrativo inexistindo despacho habilitante, e inexiste a eficácia externa pretendida.
Concluiria que em última análise, ou antes, em primeiríssima análise, competirá ao Presidente da junta de freguesia garantir que a correção administrativa e legal dos actos e contratos da sua autarquia são assegurados. Dura lex sed lex.
Atenção, não compete ao Presidente de Junta saber dominar estas temáticas, mas já é sua obrigação rodear-se de quem as domine.
Oliveira Dias, Politólogo
Artigo anterior sobre este tema: https://noticiaslx.pt/2025/02/23/dossier-poder-local-atestados-i/
Artigo posterior sobre este tema: https://noticiaslx.pt/2025/03/09/dossier-poder-local-atestados-iii/
Publicado na revista NoticiasLX: