Carrozzeria Zagato não é conhecida por ser um atelier que se dedica a criar peças únicas automobilísticas. É o próprio Andrea Zagato, director executivo da empresa, que vai contra a ideia de contruir peças únicas por todos os inconvenientes e riscos que significam, quer em termos de custos, quer pelo próprio prestígio e reconhecimento a prazo… O neto do fundador Ugo Zagato pretende seguir a regra dos 7 a 9 exemplares de cada criação. De qualquer modo, neste século, a empresa construiu outra peça única, para além do ‘Guilia SWB’ – de que tratamos em artigo publicado anteriormente -, também debaixo do escudo Alfa Romeo: Em 2009, Andrea Zagato mostrou o TZ3 Corsa porque se assumiu o encargo do colecionista da marca e de modelos da ‘Zagato’ o alemão Martin Kapp, que pretendia um Alfa Romeo destinado, essencialmente, a circular em pistas. É um ‘one-off’, ou seja, peça única e muito exclusiva: chassis tubular, carroçaria em carbono que inclui painéis em alumínio ligeiro construídos totalmente à mão. A mecânica é de base Ferrari: motor V8, de 4,2 litros com una potência de 420 CV a 7.000 RPM e um binário de 470 Nm, que se notabilizou nos modelos Alfa Romeo 8C Competizione (produzido entre 2007 e 2010 numa serie limitada de 500 exemplares no formato coupé e outras tantas convertíveis) e o Disco Volante criado e carroçado pela Touring Superleggera, em 2012.
No TZ3 Corsa, o motor encontra-se colocado em posição dianteira central, com tracção traseira e uma caixa de velocidades automática sequencial, electromecânica, de 6 velocidades. Do interior há pouco que dizer: é a simulação pura e dura – completamente espartano – de um automóvel de corridas. O condutor e o passageiro sentam-se atrás de uma frente longa e a traseira, como seria de esperar, é cortada, ou seja, vertical, tal como os antecessores TZ1 e TZ2, o último apresentado em 1965, ambos da autoria de Ercole Spada. Abertura de portas a compasso e a tampa do motor abria de modo a deixar todo o vão a descoberto.
O modelo viria a ganhar o prémio de Desenho Villa d’Este em 2010.
Simplesmente um Dodge Viper com carroçaria Alfa Romeo
Em 2010, um ano depois da entrega do TZ3 Corsa ao colecionador Martin Kapp, Carrozzeria Zagato apresentou o modelo TZ3 Stradale, que terá encerrado a proposta que Adrea Zagato denominou de “Programa TZ3”. Foi o quarto ‘TêZê’ daquele estúdio de design da indústria automobilística mais exclusiva.
Estamos literalmente perante um Dodge Viper ACR com uma carroçaria Alfa Romeo assinada por Zagato. O modelo é um redesenho da versão Corsa, com uma abordagem mais vanguardista: Grupos ópticos menos nostálgicos e menos arredondados à frente e uma carroçaria mais vincada. O TZ3 Stradale destina-se a circular em estradas e meios urbanos. Assenta numa base mecânica Norte-americana – chassis e motor – do Dodge Viper ACR, enquanto a carroçaria é totalmente em fibra de carbono. Foram construídos 9 exemplares todos equipados com um V10 OHV, de 8.382 cm3 – precisamente um gigantesco motor com 8,4 litros, construído em alumínio -, de duas válvulas por cilindro que debita 640 cavalos com uma transmissão manual de 6 velocidades Tremec TR6060.
O interior também é o mesmo do estadunidense Dodge com uns assentos redesenhados em pele, bem como a substituição da coroa no volante que tem duas cores de pele… E as alcatifas, naturalmente, tem inscrito o ‘Z’ de Zagato.
De qualquer modo, os fãs da marca italiana e do automobilismo jamais hesitariam, embora os gostos sejam discutíveis: a versão Alfa Romeo Zagato é uma obra de arte, onde não faltam as jantes com desenho retro a recordar os carros de corrida da marca de meados da década de 60’ (1965) como o Giulia Sprint GTA, celebrizado nas competições do Grande Turismo, com pilotos como os irmãos portugueses Bernardo e Domingos Sá Nogueira.
Ilustre desconhecido
Há automóveis que fazem parte da história pela singularidade da sua criação e pelas características que encerram. São muitos que integram a lista dos mais peculiares que se encontram também entre os mais valiosos, sem preços fixados e que arriscamos a ver à venda apenas em leilões de enorme prestígio. Porventura conhecemos a maioria dos autores destas preciosidades, mas há aqueles que pela humildade, personalidade e oportunidade ficaram na sombra das marcas e dos estúdios de design, maiores ou menores.
O italiano Ercole Spada é um desses desconhecidos, mas que ficou intimamente ligado a um estilo; a um sucesso entre os automóveis mais desportivos e à marca Alfa Romeo através de Carrozzeria Zagato, então ainda liderada pelo fundador Ugo Zagato que lhe deve, porventura, o período mais criativo e bem-sucedido da sua existência. Já o construtor Alfa Romeo deve-lhe êxitos entre os modelos desportivos com carroçarias ligeiras, alguns ícones no Mundo da competição.
Em 9 anos que trabalhou no estúdio de Milão, em Arese – entre 1960 e 1969 – foi autor e liderou 8 projectos. Foram cinco modelos Alfa Romeo e três Lancia: Alfa Romeo Giulietta SZ, TZ1, TZ2, SZ2600 e Alfa Romeo Junior Z.; Lancia Flavia Sport, Flaminia 3C, Fulvia Sport.
Em 1963, Spada incorporou o denominado – seu – departamento dos modelos ‘Coda Corta’, onde concebeu o Alfa Romeo Tubolare Zagato (TZ1 e TZ2), ambos carros de corrida inesquecíveis. Para o estúdio de Zagato ainda trabalhou em 1970 como freelance, criando o Fiat 500 Zanzara.
Ercole Spada também influenciou profundamente Giorgietto Giugiaro que se inspirou no Alfa Romeo Junior Zagato para desenhar os modelos Alfetta GTV e Alfasud Sprint, ainda durante a década de 70’. Nos sete anos seguintes – de 1970 a 1977 – o desenhador italiano trabalhou para a Ford, Audi e o atelier Ghia. O Ford GT40 foi o seu projecto mais emblemático neste período. Seguiram-se 6 anos a criar na BMW, onde foi autor das series 5 e 7 apresentados entre 1978 e 1983. Terminou a carreira na IDEA, onde assinou e foi responsável do desenvolvimento de projectos como Alfa Romeo 155, Fiat Tipo e os modelos Lancia Dedra e Delta II.
Ercole Spada – um autodidacta do desenho, criativo e estudioso da tecnologia da industria da automação – nasceu em Busto Arsizio, comuna italiana da região da Lombardia, província de Varese, em 26 de agosto de 1938, data em que cumprirá 87 anos.
– Texto por José Maria Pignatelli (Texto não está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico) ▪ fotografias de Carrozzeria Zagato