Há poucos dias, a grande discussão na esfera política era a questão dos candidatos à Presidência da República. Entre conversas e especulações, tanto à esquerda como à direita, e com os prognósticos a surgirem por todo o lado, como se costuma dizer no futebol, só no fim é que se sabe o resultado.
Enquanto os eleitores estavam envolvidos com os putativos candidatos, e com as eleições autárquicas, ainda bastante distantes, e sabendo que muitos presidentes das autarquias não podem recandidatar-se, o que já obriga a pensar no futuro, fomos surpreendidos esta semana com uma crise governativa? Tudo começou com uma simples notícia no Correio da Manhã sobre a Lei dos Solos e uma imobiliária que seria propriedade do Senhor Primeiro-Ministro. A partir daí, começaram as investigações jornalísticas, e, pasme-se, foi revelado que realmente existe uma empresa cujo fundador é o próprio Primeiro-Ministro. Ele tentou justificar a sua ligação à empresa como fruto da sua atividade profissional, antes de assumir o cargo de Primeiro-Ministro.
Embora possa parecer simples, sabemos que este facto político (e não “fato”, como no outro continente) gerou uma moção de confiança, proposta pelo governo, que será votada na próxima semana.
Este facto político já existia desde o primeiro dia do início do mandato do Primeiro-Ministro, mas a sua utilização só agora é conveniente, dependendo das circunstâncias e da estratégia política adotada pelo governo. O executivo tem procurado sempre aparentar boa governação, prometendo benefícios a todos, tal como os deputados do PSD fizeram no último plenário da Assembleia da República, exaltando os feitos deste governo.
A pergunta que surge é: porque escolher este momento para trazer à tona este facto político? Ora, se olharmos para o calendário político, verificamos que há a possibilidade de eleições legislativas antes das autárquicas. As sondagens mostram que o governo tem vantagem política sobre o PS, que, por sua vez, se encontra focado na preparação para as autárquicas. Assim, o PSD entendeu ser o momento perfeito para colocar a responsabilidade da crise política nos partidos da oposição, especialmente no PS, tentando retirar daí vantagens para as próximas eleições.
É certo que a história tem o hábito de se repetir. Quem cria a crise política normalmente é penalizado, mas o contexto é diferente desta vez. E esse contexto pode ser a chave para a história não se repetir. Quando se trata de dinheiro, a população tende a pensar de maneira diferente, e a imagem de um Primeiro-Ministro com interesses empresariais pode ser o suficiente para mudar o rumo das sondagens.
Em tempos de incerteza política, a estratégia de usar crises para alcançar vantagens eleitorais é um jogo arriscado. O que começou como uma questão aparentemente marginal sobre a Lei dos Solos e a ligação de uma imobiliária ao Primeiro-Ministro, evoluiu para uma crise governativa que pode alterar o rumo das próximas eleições. A dúvida que persiste é se a manobra do PSD, ao colocar a responsabilidade da crise nas mãos da oposição, será suficiente para alterar a dinâmica política do país. O povo, cada vez mais atento às questões de gestão pública e à transparência, poderá ser o verdadeiro árbitro desta disputa, decidindo, nas urnas, se as explicações dadas são suficientes ou se a confiança foi perdida para sempre. Assim, o futuro político de Portugal permanece, mais do que nunca, dependente da capacidade de os líderes se afastarem das manobras de bastidores e focarem no que realmente importa: a governação responsável e a verdade aos cidadãos.
– Lurdes Gonçalves
Gestora de Empresas | Especialista em Economia Social
Publicado na Revista NoticiasLx: