Nas últimas décadas, o concelho de Loures tem enfrentado desafios significativos no domínio da habitação, refletindo uma realidade que se alastra por toda a Área Metropolitana de Lisboa: a escassez de soluções habitacionais acessíveis e dignas, tanto no mercado público como no privado.
1. A Crise da Habitação Acessível
O aumento da procura, aliado à valorização do mercado imobiliário, tem contribuído para a escalada dos preços de venda e de arrendamento. Em Loures, esta tendência tem provocado a exclusão habitacional de muitas famílias, sobretudo daquelas com rendimentos mais baixos ou com vínculos laborais precários.
A oferta de habitação social continua a ser insuficiente face às necessidades identificadas pelos serviços de ação social. Apesar do esforço municipal, a resposta pública não tem acompanhado o ritmo da procura, perpetuando situações de vulnerabilidade habitacional.
Hoje um casal ou um jovem, para fazer aquisição ou mesmo arrendar uma casa, tem de estar inserido no mercado de trabalho com muito sucesso.
Para responder a esta crise, a autarquia apresentou candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a construção de novas habitações. Paralelamente, tem vindo a investir na requalificação do edificado existente, como demonstra a intervenção em curso na Urbanização Municipal Terraços da Ponte — um projeto com um investimento superior a três milhões de euros, representando a primeira grande intervenção nos fogos em mais de duas décadas.
Também ao nível da gestão do parque habitacional, tem havido esforços para recuperar rendas em dívida, que, nos últimos oito anos, atingiram mais de 14 milhões de euros. Foram implementados mecanismos de cobrança e negociação com os inquilinos, com resultados positivos, embora persistam situações por regularizar.
2. A Proliferação de Barracas: Um Fenómeno Distinto
Paralelamente à crise da habitação, o concelho tem assistido à proliferação de construções informais, nomeadamente barracas erguidas em terrenos devolutos ou públicos. Este fenómeno tem raízes complexas, incluindo a pressão económica que obriga famílias a abandonar habitações formais e procurar soluções informais, muitas vezes em situações de total indignidade.
A construção de barracas é um sintoma visível de exclusão social e de ausência de respostas habitacionais imediatas. Contudo, é fundamental separar este fenómeno da discussão sobre rendas elevadas ou incumprimento em habitação municipal.
A autarquia, em articulação com diversas entidades, tem promovido a demolição de barracas, em conformidade com a legislação urbanística, e em alguns casos, assegurado o apoio social necessário às famílias envolvidas, com o envolvimento de organizações sociais locais.
3. Intervenção Social: Cooperação com o Terceiro Setor
Com a descentralização de competências na área da Ação Social, o município tem reforçado parcerias com instituições do setor social, nomeadamente com as quais tem protocolo estabelecido no âmbito do acompanhamento de beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), acompanhamento social e em emergência social. Estas respostas têm procurado garantir não só o apoio financeiro, mas também a regularização das obrigações habitacionais e dos consumos essenciais, como água. As equipas no terreno tem desempenhado um papel fulcral na busca de soluções que permitam minimizar o problema.
4. Caminhos para o Futuro
Face à complexidade do problema, é urgente adotar uma abordagem integrada, multidisciplinar e com horizonte estratégico. Algumas recomendações incluem:
- Acelerar a execução dos projetos habitacionais financiados pelo PRR, com metas claras e prazos realistas;
- Reforçar a política de realojamento e requalificação urbana, evitando o reaparecimento de núcleos informais;
- Implementar mecanismos eficazes de prevenção do incumprimento das rendas, através de apoio técnico e social às famílias;
- Garantir que nenhuma família fique sem alternativa habitacional digna na sequência de demolições ou ações administrativas;
- Desenvolver programas de habitação a preços acessíveis, em parceria com o setor privado e cooperativo;
- Criar incentivos ao arrendamento jovem e a famílias de baixos rendimentos, facilitando o acesso à habitação formal.
O desafio da habitação em Loures é estrutural e multidimensional. A solução não está apenas na construção de casas, mas na construção de políticas integradas, capazes de responder com dignidade e justiça às necessidades reais da população.
O futuro exige também novos modelos de desenvolvimento habitacional, mais sustentáveis, inclusivos e participativos. As cooperativas de habitação podem ser uma resposta estratégica a médio prazo. Inspiradoras são as experiências europeias, como a da cidade de Viena, onde mais de 60% da população vive em habitação pública ou cooperativa, beneficiando de rendas controladas e qualidade de vida.
Modelos como este demonstram que é possível assegurar habitação digna e acessível através de parcerias entre o Estado, municípios, cooperativas e cidadãos organizados. Loures — e outros concelhos portugueses — podem beneficiar de adaptar estas boas práticas ao seu contexto local.
O caminho exige visão, coragem e cooperação. Porque todos temos direito a uma casa. E todos temos um papel na construção desse futuro.
– Lurdes Gonçalves
Gestora de Empresas | Especialista em Economia Social
Publicado na Revista NoticiasLx:
