Ontem foi um dia de trabalho adicional para quem se encontra à frente de organizações sociais. Os equipamentos sociais, como creches, lares de idosos, lares residenciais, jardins de infância, voltaram a encerrar, lembrando-nos tempos passados. De repente, vieram-nos à cabeça as lembranças desses dias. Com as crianças é fácil: contamos que os pais venham buscá-las. Já os idosos e os jovens com deficiência ficam com as equipas que os acompanham, dia após dia, muitas vezes com recursos reduzidos.
Bem sei que ontem, além da falta de luz, também havia uma escassez de telecomunicações, o que não permitiu receber chamadas nem fazer. Talvez por isso as organizações sociais tenham sido esquecidas.
Sentiram-se sozinhos? Em português: desenrascaram-se? Foram resilientes?
O dia a dia destas respostas sociais inclui refeições, higiene pessoal, limpeza dos espaços, lavagem de roupas. Então e que tal? Sem luz, sem gás e com o risco de ficarem sem água… conseguiram sobreviver e, o mais importante, mesmo com os constrangimentos, protegeram os que estão ao vosso cuidado. E fizeram-no sem rede de apoio, sem coordenação, sem um plano de emergência do Estado que contemplasse estas respostas fundamentais à sociedade.
Estamos tão preocupados com a instalação de painéis fotovoltaicos para o autoconsumo, com a mobilidade verde e com a digitalização, e depois ficamos dependentes de um rádio a pilhas, de um kit de sobrevivência e de uma lanterna. Resumidamente, somos dependentes de outros países — e, internamente, descuramos a resiliência das nossas estruturas sociais.
Infelizmente, a maioria das organizações sociais continuou as suas dinâmicas sem uma palavra de articulação ou mesmo um gesto de solidariedade por parte da tutela ou das autoridades locais. Não tiveram uma visita da tutela? Uma chamada da autarquia? Um aviso, uma coordenação?
Houve uma falha grave de comunicação institucional. Até ao momento, não se conhecem orientações do Governo ou das autarquias que contemplassem o terceiro setor nesta crise. Esta ausência de comunicação e apoio estruturado evidencia uma lacuna preocupante na articulação entre as autoridades públicas e as organizações sociais em emergência.
É verdade que muitas destas instituições possuem planos de contingência, e foram esses que permitiram manter um mínimo de resposta. Mas um plano de contingência não substitui a presença do Estado. Esses planos não preveem a ausência total de contacto com o exterior, nem conseguem garantir continuidade sem articulação, apoio técnico e, sobretudo, orientação clara por parte da tutela e das autarquias. Resiliência não pode ser confundida com abandono.
E há outro silêncio ainda mais gritante: o dos meios de comunicação social. As notícias centraram-se nas falhas de energia, no impacto nos serviços de emergência, nos transportes, nas empresas, mas esqueceram-se das organizações sociais. Não se falou de lares, não se falou de crianças institucionalizadas, de utentes com deficiência, de equipas que ficaram horas a improvisar soluções para proteger os mais frágeis.
Este episódio sublinha a necessidade urgente de desenvolver protocolos de emergência inclusivos que integrem o terceiro setor e garantam a proteção dos grupos mais vulneráveis da sociedade. Idosos, pessoas com deficiência, crianças institucionalizadas — todos dependem de uma rede de apoio que ontem, simplesmente, não existiu.
Ontem, muitos dirigentes e profissionais do setor social sentiram-se sozinhos. E é essa solidão institucional e mediática que não pode voltar a repetir-se.
– Lurdes Gonçalves
Gestora de Empresas | Especialista em Economia Social