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REVISÃO CONSTITUCIONAL, DIXIT

Revisão Constitucional em 2025 volta ao debate político. Analisamos os argumentos, os limites materiais, a história das alterações constitucionais e o impacto para a democracia em Portugal.

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Oliveira Dias - tv.famoes@sapo.pt
Oliveira Dias - tv.famoes@sapo.pt
Oliveira Dias, Politólogo, com diversa obra publicada sobre Poder Local, foi jornalista com mais de 4 centenas de artigos publicados, em diversos órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros.
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REVISÃO CONSTITUCIONAL 2025

Este é um tema intemporal, e ciclicamente surge como uma pedrada no charco, para agitar as águas, pois por muito que se tente agradar a todos os partidos, do espectro político português, a verdade é que o texto constitucional, seja lá ele qual for, sempre será considerado materialmente redutor, para uns, e demasiado extenso para outros, pelo que a revisão constitucional está para os partidos, como Jesus Cristo para o povo, não agrada a todos.

Não deixa de ser irónico, sem entrar no mérito ou no demérito da questão, que os autores de ontem (1976), entenda-se, a esquerda, tenham imposto a “sua” visão de constituição, proteste, hoje (2025), contra a “visão” da direita, sendo esta a maioria no parlamento.

A mera suscetibilidade de se puderem inverter posições, como parece acontecer, recomenda aos protagonistas que se abstenham de cristalizar ideais, cuja balcanização que o circunstancialismo temporal de uma maioria potencia, sob pena de mais tarde virem a provar do mesmo “veneno”.

O medo, roçando o pânico, de se “mexer” na Constituição leva, consoante as perspetivas, a um rol argumentário bastante diverso, e muitas vezes os protagonistas políticos nem se dão conta que só nos regimes ditatoriais, é possível não estar sujeito ás “suscetibilidades” referidas no parágrafo anterior, porque nas democracias essas “suscetibilidades” fazem parte das regras democráticas.

De todos os argumentos, o mais recorrente, é a “oportunidade”, num insonso “não é oportuno”, “não é a altura ideal”, fazendo lembrar a “velhinha” que morreu esperando toda a vida que o par ideal lhe surgisse á frente.

Este argumento está para uma revisão constitucional, como um pneu sem piso para uma viatura – não serve para nada.

Imediatamente a seguir vem o argumento da “necessidade”, ou seja, qual a necessidade de uma revisão, se existe toda uma plêiade de matérias mais importantes? Lançam os detratores da revisão.

Os autores deste argumento pecam por não apresentarem uma lista de priorizações de problemas a tratar, de tal modo que nenhuma dúvida fique sobre a utilidade ou inutilidade do texto constitucional.

Afigura-se muito perigoso atribuir ao texto constitucional uma tão baixa importância, porque na verdade, não foi isso que na faculdade de Direito aprendi, nem tal se ensina noutras faculdades de direito, razão pela qual o autor destas linhas posiciona-se no campo dos que atribuem á Constituição um lugar cimeiro, único e exclusivo, no vértice da pirâmide jurídica do Estado.

Mas de que Constituição estamos a falar?

Vem-me sempre á memória as prelecções de Alberto João Jardim, na Universidade Independente, no último semestre da licenciatura de Administração Regional e Autárquica, cujo director era Álvaro Amaro, ex-secretário de Estado de Cavaco Silva, e onde Marques Mendes era professor associado.

O então Presidente do Governo Regional da Madeira, fazia a apologia que quando se jurava a Constituição, especialmente nas tomadas de posse de cargo público, esse juramento dirigia-se em abstrato á Constituição, e não exclusiva e concretamente á Constituição, conjunturalmente em vigor. Porquê? Porque podia-se dar o caso de uma constituição em concreto, vir a ser objecto de alterações, via revisão, mas não ser necessário voltar a fazer o juramento.

E é isto. Quando se jura respeitar e fazer cumprir a Constituição, isso não se confina á actualmente em vigor, mas estende-se a qualquer texto constitucional que venha a ser objecto da dinâmica das revisões subsequentes.

Sabemos, “en passant” qual o desejo de revisão material de Alberto João Jardim, assentava em duas premissas vitais: A eliminação do cargo de Representante da República, para as Regiões Autónomas, e o aprofundamento das autonomias regionais.

A eliminação do cargo de Representante da República implicaria que o governo regional despachasse directamente com o Presidente da República, não se sabe se o Presidente da República teria de se deslocar ao Palácio de São Lourenço, no Funchal, ou se o Presidente do Governo Regional tinha de se deslocar ao Palácio de Belém. Consoante o caso o deslocado sempre teria a oportunidade de beber uma poncha, ou de degustar um pastel de nata, consoante o caso.

Já o aprofundamento das autonomias regionais é bem mais complexo, e não se percebe bem em que consiste, quando se percebe que o nível de autonomia das Regiões Autónomas é já muito substancial.

Só os Tribunais, as autoridades policiais (excepto a guarda florestal, na madeira até se dizia que a guarda florestal, única autoridade policial subordinada ao governo regional, se constituía como a sua guarda pretoriana), e as Forças Armadas, não estão incluídas no perímetro da autonomia regional, respondendo, pois, diretamente ao Governo da República.

Não se alcança a vantagem, para o todo nacional, de transferir para o controlo dos governos regionais estas instituições. No limite seria até inconstitucional, porque a soberania nacional é assegurada, também, por estas instituições.

As Regiões Autónomas, e os seus órgãos próprios não detêm o “ius impérie”, o Poder Soberano, razão porque taxativamente a Constituição consagra apenas como órgãos de soberania: A Presidência da República, O Governo da República, a Assembleia da República (todos de cariz representativo, porque eleitos), e finalmente os Tribunais. E está bem assim.

Pragmaticamente a Revisão Constitucional pode ser ordinária (n.º 1 do artigo 284.º da CRP), bastando 2/3 dos deputados efectivos para aprovarem as alterações e extraordinária, pois quatro quintos dos deputados em efetividade de funções podem, a qualquer momento, assumir poderes de revisão extraordinária da Constituição (n.º 2 do artigo 284.º da CRP).

Assim, basta apenas ir ver quando foi a última revisão constitucional, e se aconteceu á mais de cinco anos, nada obsta a que se abra um processo de revisão. Isso aconteceu em 2005. Então, 25 anos depois, qual é a dúvida? Cumpra-se a constituição.

Agora, indo ao cerne da questão, as revisões constitucionais estão limitadas pelo Artigo 288º, que delimita o conteúdo material do que não pode ser mexido, designado por limites materiais de revisão, e consubstancia a dogmática constitucional (os dogmas não se discutem, aceitam-se simplesmente).

Em teoria, a dogmática constitucional é um travão ás tentações conjunturais de A ou B, assim uma espécie de “landmarks” maçónicos, inalteráveis, impossibilitando, por exemplo, neste caso, as mulheres de vestirem o avental, a não ser que estejam a cozinhar?

Pois … não é assim tão literal.

Pasmem-se, mas a dogmática constitucional já foi mexida. Exemplifiquemos: em 1976 a dogmática constitucional estendia-se ao “principio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais, e a eliminação dos monopólios e dos latifúndios. Ora esta princípio já foi banido, por expurgação do texto constitucional. No seu lugar inculcou-se a “coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção. Portanto um nos antípodas do outro.

REVISÃO CONSTITUCIONAL 2025

Outro expurgo dogmático foi a “planificação democrática da economia”, substituído por “a existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista”. Enfim, este mais suave.

Já o expurgo da “participação das organizações populares de base no exercício do poder local”, foi definitivo “ad eternum”.

Já para não falar da irreversibilidade das nacionalizações, menos impactante juridicamente falando, porque não se encontrava na dogmática constitucional e por isso menos controverso, naquela perspectiva.

Ora, o artigo 288º, carrega consigo um precedente difícil de ignorar, cuja consequência pode bem ser a repristinação da legitimidade de uma espécie de dogmática mitigada (assim tipo uma irrevogabilidade, revogável “Paulo Portas Dixit”), que se me afigura, salvo melhor adjetivo, e parafraseando Marcelo Rebelo de Sosa, abstruso. Mas é assim, as coisas são o que são.

Para além disso, aparentando fraca a fogueira, aqui vai mais uma acha, para a dita: a Dupla revisão.

Tenho visto os detratores da revisão omitirem olimpicamente, este recurso, e os apologistas da revisão, desconhecerem o mesmo.

Muito simples. Primeiro realiza-se uma revisão constitucional, eliminando o artigo 288º. É a consumação do “proibido, proibir”.

Depois em revisão constitucional subsequente, cria-se novamente o artigo 288º, com outras limitações, a gosto.

Assim goste-se ou não, a verdade é que se pode estilhaçar a dogmática constitucional das duas formas acima enunciadas, ou pelo precedente criado, ou pelo mecanismo da dupla revisão.

Arrumada a questão da oportunidade e da dogmática material da constituição, vejamos as nuances materiais, de “per si”, desde logo o preâmbulo.

Tenho visto defender que a circunstância de um preâmbulo de um diploma legal, não ter força normativa, é quanto baste para não se mexer no actual preâmbulo constitucional.

Isto é comparar o preâmbulo do texto jurídico mais importante do Estado ao comprimido “melhoral”, porque, não fáz bem, mas também não fáz mal. Isto é de morrer a rir. Até onde vai a imbecilidade jurídica.

REVISÃO CONSTITUCIONAL 2025

Aprende-se, nos bancos da faculdade de direito, logo no primeiro ano, que um preâmbulo, é uma espécie de farol, orientando a interpretação, a análise de um diploma em vista á sua aplicação, podendo inclusivamente conter indicações pertinentes em razão de matéria. Ou seja, não têm força normativa mas são da maior importância, para os destinatários.

Concomitantemente, não é tão indiferente o que o preâmbulo contenha, e 50 anos depois é muito natural que o mesmo tenha de ser actualizado, obviamente, isso é uma questão de bom senso. Não é segredo para ninguém que o actual preâmbulo já não espelha a realidade portuguesa, de todo.

É quase como alguém se lembrar que o nome do nosso País ao invés de ser “Portugal” deveria ser grafado como o fazia D. Afonso Henriques “Portugraal”.

Se a constituição tivesse sido objecto de referendo, que não foi, ainda se podia compreender que se mexesse pouco nela, como foi imposta por uma assembleia constituinte, sem mais, sem ouvir o povo, não se pode estranhar que se queira revê-la de cinco em cinco anos.

Por exemplo, a dogmática constitucional impõe a natureza Republicana do governo, sem se cuidar de saber se a natureza monárquica seria a preferida. Por outro lado, esta é uma formulação ambígua, o que se pretende significar com “governo”, é, em abstrato, os órgãos de soberania, ou é especificamente o órgão executivo da nação?

REVISÃO CONSTITUCIONAL 2025
REVISÃO CONSTITUCIONAL 2025

A independência dos Tribunais, consagrada como limite material de revisão, deverá incluir o Ministério Público? Ou não? Se os magistrados do ministério público não são juízes, porque razão incluí-los no “embrulho”?

Outro limite é separação de poderes, entre órgãos de soberania, MAS, como se tem visto, na nossa história recente, o Ministério Público tem derrubado governos, estilhaçando esta “separação” de poderes constitucional.

Outro limite é a separação das igrejas do Estado. Porque não, confissões religiosas, ao invés de igrejas? Era mais abrangente e incluiria, para além de igrejas, mesquitas, sinagogas e por aí fora. Ainda nesta senda, como compaginar este princípio da separação das igrejas do Estado, quando o Chefe de Estado Português, oficialmente em representação do País, se curva e beija a mão do chefe de Estado do vaticano?

Mas o limite mais convocado, por detratores e apologistas da revisão constitucional é o da Liberdade, direitos e garantias, a propósito de se pretender alargar as penas de prisão, nos casos de múltiplas vítimas mortais, perpetradas por um agressor. Acham mesmo que o povo se incomoda com a perda de “direitos” de um assassino em série? Perguntem lá ao povo o que pensa disso.

Liberdade, direitos e garantias, para um cidadão cumpridor – TUDO. Para um criminoso MUITO POUCO, para não dizer NADA.

Remataria fazendo esta apologia: Porque não os partidos, de forma séria, apresentarem as suas propostas, e pedir ao povo, em referendo, que as avalie? Seria a democracia em todo o seu esplendor, sem medos, sem receios.

E não me venham cá dizer que não se pode referendar matéria constitucional, porque com o precedente aberto com a Regionalização, por imposição, então, do presidente do PSD (Marcelo Rebelo de Sousa lembram-se?) essa já não pega.

Como diria a elegia maçónica – Fogo á peça.

Oliveira Dias, Politólogo

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