Quiosques Santa Cruz de Tenerife
O termo “quiosque” vem do francês “kiosque” que derivou do persa “koushk” e do turco “kiouhk”. Tratavam-se de pequenos pavilhões de jardim ou coretos que, para os portugueses também se associava a nádegas, os populares rabiosques. Isso mesmo: Baltazar Matos Caeiro, na sua obra literária “Quiosques de Lisboa”, afirma que a sua relação com nádega se sugere na forma popular rabiosque. Acredita-se que poderá estar relacionado com a forma como as pessoas se colocavam em torno dos quiosques, de costas viradas para os pequenos balcões quando se aglomeravam para porem as notícias em dia, ao sabor de um café ou um pequeno cálice de vinho frutado.
A Ocidente há uma certeza: que os franceses foram os primeiros e mantêm-nos desde 1620. Inicialmente tiveram duas funções: pequenos coretos onde tocavam duetos, quartetos ou quintetos, e enquanto pequenas estufas de jardins.
Acabaram por se tornar em construções decorativas – de estilo oriental enfeitados com esculturas de ferros retorcidos – em vários bairros parisienses pela manifestação súbita da Arte Nova que aconteceu após 1860, uma data relevante na história francesa. Cabe o parêntesis: então, França assinou do Tratado de Turim, que redundou na agregação ao território francês, da Savoia, na região de Auvérnia-Ródano-Alpes, e do Condado de Nice. Esta integração foi a recompensa para Napoleão III, pela sua intervenção militar ao lado do Reino do Piemonte contra a Áustria.
Desde então, são boutiques onde se vendem jornais, tabaco, café, bebidas, guloseimas como rebuçados, gomas e chocolates. Depois da II Guerra Mundial, em algumas das metrópoles europeias, tornaram-se também em cafetarias rodeadas por esplanadas elegantes que entusiasmam sobretudo as zonas mais antigas dos centros urbanos. Há quem os veja como o encanto das designadas ‘baixas’ das cidades.
De qualquer modo, nem todos os líderes autárquicos e responsáveis pelos serviços municipais, gostam de contemplar o seu carisma e sedução.
Complexidade em assumir o lado liberal da livre concorrência
Sussurra-se sobre o desinteresse do município da cidade pelos quiosques. Não os querem a servir coisas simples como os célebres bocadilhos, sanduiches, hambúrgueres ou bolaria e menos com pequenas esplanadas. Confundem-nos com os negócios de rua, com as cafetarias, pastelarias, geladarias e outros…. Decididamente não entendem que há espaço para todos e que os consumidores não são exclusivistas deste ou daquele negócio. Também não será plausível relevar o fenómeno concorrencial: Estar sentado debaixo de uma árvore não é o mesmo que usufruir de uma esplanada convencional e com as mordomias de um serviço mais particular. Por outro lado, é meritório assumir o lado liberal da livre concorrência, afinal a lógica de mercado. Deixar ao cidadão a possibilidade de escolher onde se sente melhor para usufruir da cidade e do seu enorme porto de Mar.
Olhei para o que a minha tia me deixou em sorte; fixei-me no presente e no futuro e dei-lhe uma volta de 180 graus
José Carlos Hernández Lutzardo, agora com 30 anos, herdou a concessão do “Kiosko Epifania”, um dos que se encontra na baixa da capital de Tenerife e que é dos que mais nos desperta, pela modernidade do visual. Transformou um modelo antigo, num espaço apetecível: Deu-lhe glamour e juntou-lhe uma dose elevada de empatia. Daí a primeira pergunta:
Notícias LX – É possível viver deste negócio tão regulado?
José Carlos Hernández Lutzardo – “Olhei para o que a minha tia me deixou em sorte; fixei-me no presente e no futuro e dei-lhe uma volta de 180 graus. Tenho 30 anos e a ideia de poder viver do negócio dignamente empurram-me para o meu lado mais criativo. Dentro das regras do município construi uma nova decoração com ícones dos anunciantes que conquistei, como o Kiosko Epifanía. Actualmente, tenho um anunciante único e de maior importância, a ‘Canary Planet’, um serviço oficial de guias turísticos de primeira qualidade. Antes, peguei nuns baldes de tinta e deixei o quiosque a reluzir desde o pavimento à cobertura. Depois, recriei a exposição dos produtos, arrumei-os numa perspectiva do marketing que absorvi”.
Como todos nós, José Carlos Hernández sabe que os olhos comem. E ainda assenta este princípio na qualidade dos produtos que vende.
Notícias LX – Pelo que verificamos, na cidade de Santa Cruz, a concessão dos quiosques pode herdar-se? É temporário ou vitalício? O município mantém o contrato de aluguer ou altera as regras?
José Carlos Hernández – “A posição de concessionário pode herdar-se que é a minha situação. De qualquer modo, a exploração faz-se por um limite de 40 anos, e não há contrato de aluguer. Naturalmente, as regras não devem mudar-se, ainda que possa suceder umas vezes para melhor outras para pior”.
Notícias LX – Embora a localização seja relativamente privilegiada – Praça de Espanha -, enquanto espectadores ou consumidores, ficamos com a impressão de que os horários autorizados para o funcionamento dos quiosques não coincidem com a realidade da vida na zona. É mesmo assim? O município de Santa Cruz não conhece a realidade? O José Carlos já tentou fazer ver ao legislador que é preciso mudar as regras?
José Carlos Hernández mudou de expressão, ou seja, ‘torceu o semblante’ e foi curto – “ ¡Assim é! O município desconhece realidade dos quiosques e dos hábitos dos consumidores que frequentam esta zona da cidade. Obviamente já me aproximei dos serviços municipais para os alertar desta realidade, mas de momento não há uma resposta conclusiva para além do anúncio de um rascunho de nova legislação (?)…”
Entretanto, no final do mês de maio, o município de Santa Cruz anunciou decisões sobre o funcionamento dos quiosques, particularmente na praça de Espanha. Finalizaram um rascunho de um novo projecto de lei municipal que – dizem – “modernizará” a atividade dos quiosques da cidade, permitindo-lhes vender bocadillos, sanduiches, café e flores. O decreto estabelecerá um horário máximo de abertura das 7:00 às 21:00 horas – ou seja, continua a não permitir o negócio nas noites de fim-de-semana, um dos desejos dos comerciantes por causa do aumento das receitas. Segundo Javier Rivero, vereador de infra-estruturas, é necessário dar novo impulso a estes pequenos negócios que “não podem sobreviver vendendo jornais e revistas“
Até 16 de junho está em consulta pública a nova proposta de legislação municipal que – segundo os responsáveis municipais – “dará mais vida aos quiosques já existentes, bem como a outros que possam engrossar a lista dos 35 sobreviventes em toda a cidade”.
Assalta-nos a ideia: O município da cidade de Santa Cruz despertou para uma dura realidade 25 anos depois das administrações locais de algumas das maiores cidades europeias: Se é certo que os quiosques da cidade testemunharam o nascer de jornais e revistas e de comics, os célebres livros aos quadradinhos com bandas desenhadas de nos encherem a alma; não é menos verdade que assistem à angústia de alguns títulos em papel, principalmente das revistas em couché de encher o olho. Infelizmente perdem-se hábitos de leitura em papel; os cidadãos optam por dois ou três cliques no computador para procurar literatura na internet. Os quiosques já não são pontos de encontro das gentes maiores, porque também não se podem sentar para usufruir dos parques ou jardins. A legislação não permite esplanadas e o futuro indica que serão limitadas a duas ou três mesas tipo balcão com bancos altos. Portanto, propõe-se o desconforto; evita-se toda a concorrência às esplanadas das redondezas. Falta coragem aos decisores políticos
Voltemos à nossa entrevista que se fez à margem deste projecto legislativo municipal porque ainda não é definitivo. Centremo-nos na realidade.
Notícias LX – Acredita que os responsáveis municipais serão sensíveis à necessidade de adaptar a vida dos quiosques à realidade contemporânea? Obviamente num prisma de que seja um negócio interessante para quem vive dele e colaborar com a economia do pequeno comércio…
José Carlos Hernández – “Não creio em mudanças profundas, pelo menos a médio-prazo. Se acontecerem não serão muito relevantes. Antes mais superficiais até que se perceba a realidade da economia e do quotidiano do Mundo contemporâneo, embora estejamos na cidade de Santa Cruz, distantes das maiores metrópoles, mas que é muito cosmopolita e é este pormenor que parece escapar às governações”.
Esplanadas faziam toda a diferença
Notícias LX – Por exemplo, em Paris, Milão, Lisboa (…) permite-se que os quiosques tenham esplanadas, que vendam café e outras bebidas quentes, bolos, sanduiches e outros petit four. Acredita que em algum momento, se possa autorizar este alargamento da actividade aos quiosques? Ou há demasiado proteccionismo aos negócios do entorno? E os quiosques podem ou não dar mais vida à baixa da cidade?
José Carlos Hernández – “Acredito que se aprove a colocação de esplanadas reduzidas ou uma espécie de pequenos balcões com bancos altos. Já não vejo fácil autorizarem a venda de produtos alimentares não embalados ou pré-confecionados, embora tenhamos água e possibilidade de acrescentar pequenas infraestruturas que permitam higiene e salubridade. Os regulamentos actuais protegem os negócios de venda de alimentos e bebidas, principalmente as alcoólicas, que se encontram ao redor. Se é verdade que os quiosques podem dar mais vida à cidade, não será menos verdade que existem resistências à mudança”.
Notícias LX – Actualmente, os quiosques também são uma espécie de vitrina para anunciantes. Dando uma volta pela Praça de Espanha, reparo que se repetem alguns deles, mas que o “Kiosco Epifania” prima pela diferença. É fácil convencer empresas anunciarem num quiosque? Pagam o justo? De quem é a autoria do design da publicidade?
José Carlos Hernández – “Foi relativamente fácil porque me propus a fazer diferente. Aliás, as primeiras aproximações foram feitas pelos próprios anunciantes…. Creio que observaram a minha intenção de fazer diferente. Tenho um contrato com a Canary Planet, uma empresa reconhecida e com prestígio na ilha de Tenerife, enquanto operador oficial de Guias Turísticos. E quando o valor monetário sai de uma negociação deve ser visto como justo seja muito ou pouco. O design da publicidade é da autoria do investidor que, convenhamos, tem muito boa imagem”.
Notícias LX – Deixando o tema da regulamentação é inevitável perguntar: O que fascina o José Carlos Hernández a viver deste negócio?
José Carlos Hernández – “Fascina-me seguir a tradição familiar, sabendo que minha avó começou o negócio e eu sou a 3ª geração”.
Notícias LX – O José Carlos Hernández pode candidatar-se à concessão de outro quiosque e gostaria de o fazer, para poder aproveitar a economia de escala?
José Carlos Hernández – “Gostaria naturalmente. A economia de escala acrescenta valor à maioria dos negócios. Mas na Comunidade Autónoma das Canárias e admito que na globalidade do país, não se permite obter uma segunda licença para quiosque”.
Notícias LX – O quiosque tem um tipo de clientela específica? Há uns clientes de dia e outros à noite? É complicado gerir as preferências dos consumidores na gestão das compras de stock?
José Carlos Hernández – “Temos consumidores específicos, com hábitos semelhantes, mas divididos em dois grupos, os clientes diurnos e os nocturnos. Portanto, é difícil gerir os stocks porque as preferências de consumo não são tão lineares como se poderá pensar… trata-se de uma gestão que obriga maior rigor e sentido comum na percepção dos hábitos de consumo”.
Paris, Milão, Lisboa… Os quiosques fazem parte do património cultural urbano, são de enorme elegância e acrescentam valor á arquitectura e sedução das cidades
Notícias LX – Em Paris, Milão e Lisboa, a maioria dos quiosques tem uma arquitectura muito própria e os mais recentes replicam os antigos (…). Inquestionavelmente atribuem maior charme às ruas da cidade; alguns são peças de arte feitas em vários metais. O José acha que recriar estes quiosques no centro de Santa Cruz acrescentaria valor cultural? Acredita que o município poderia avaliar a aprovação de um projecto deste género?
José Carlos Hernández – “Naturalmente que a acrescentaria valor. Os quiosques de Paris, Milão ou de Lisboa são de enorme elegância e representam uma cultura universal, peculiarmente em alguns países europeus. Mas vislumbro dificuldade para que a administração municipal aprovasse a construção desses quiosques que são evidentemente peças de arte”.
Notícias LX – Finalmente uma curiosidade: De onde saiu a ideia do nome “Epifania”?
José Carlos Hernández – “No ano de 1960, minha avó iniciou este negócio com o seu próprio nome e, desde então, mantém-se o legado”. –
– Texto por José Maria Pignatelli (Texto não está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico).