Lagos 10 de junho
Já aqui o disse, e reitero-o, novamente, não gosto de escrever sobre outros opinadores, por mais absurdas que sejam as suas tergiversações, mas por vezes, muitas vezes, o apodo dissimulado de opinião, impele-me a fazê-lo, mas a teimosia de não querer dar palco á imbecilidade, tem sido posta á prova.
A cada 10 de junho há uma tríplice celebração, em Portugal, e na diáspora, do “Dia de Portugal”, de “Camões” e das “comunidades”.
Sem pretender problematizar, já, mas em jeito de “questão prévia”, estas escolhas calendárias são um verdadeiro mistério, pois nem o dia de nascimento de Portugal, nem o de Camões, nem o das comunidades é a 10 de junho.
Sobre o dia de Portugal, já aqui dei á estampa, o que dele penso, através do meu artigo “Celebrar Portugal”, onde discorri sobre os 909 anos da nossa Portugalidade, dos protagonistas magistrais envolvidos na sua criação, designadamente os germânicos (e não franceses como sistematicamente alguns pretendem) que deram corpo á primeira dinastia portuguesa – a Borgonhesa (porque originária dos bargundos, germânicos, como era o caso do Pai de D. Afonso, e de Bernardo de Claraval seu primo).
Assim, mais adequado seria se, fosse 23 de maio, data em que o Papa publicou a bula que reconhece D. Afonso Henriques Rei dos portugueses, ou, em alternativa 5 de outubro, data em que o Tratado de Zamora foi assinado por D. Afonso Henriques e seu primo Rei de Castela e Leão.
Sobre o dia de Camões, sabe-se que faleceu, em Lisboa, a 10 de junho, desconhecendo-se a data de seu nascimento, e em bom rigor o local de nascimento também. É um tanto desconcertante celebrar o dia da morte de alguém que queremos celebrar pelos melhores motivos.
Melhor ficaria se a opção recaísse sobre a data de publicação da sua obra mais imortalizada – os Lusíadas – sem contestação a sua “Obra Prima” (do latim – a “primeira obra”, sendo a obra prima de um artista aquela onde todo o talento e saber se encontram depositados, subalternizando todas as demais de sua autoria, e por isso “Obra Prima”). Ora esta data é 12 de março, não cola com 10 de junho.
Sobre o dia das “Comunidades”, já é mais vaga a razão de se celebrar a 10 de junho. É certo que António de Oliveira Salazar “batizou” o 10 de Junho, como o “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”.
Porém, o termo “Raça” deixou de ter base científica, fruto da forte miscigenação rácica que a história da humanidade tem conhecido, para a qual os portugueses muito contribuíram, em especial com os “crioulos”, mistura de autóctones africanos com caucasianos oriundos de Portugal, fosse em terras continentais de Portugal, fosse nas ilhas Cabo-Verdianas, ponto de passagem, do tráfico negreiro para o Brasil, e restante continente americano.
Por essa razão, em 1978, alterou-se a designação do feriado expurgando o termo “Raça” e no seu lugar assumindo “Comunidades”.
Fosse eu a mandar nestas coisas, chamar-lhe-ia simplesmente “O Dia dos Lusíadas”, numa referência á obra maior da língua portuguesa, mas também ao próprio povo que esteve na génese da portugalidade.
Comunidades … ocorre-me que a primeira comunidade, “fora de portas” do Reino de Portugal, aconteceu com a deslocação de 20 famílias lusas, que acompanharam João Gonçalves Zarco, para povoarem aquela que hoje é conhecida como a “Pérola do Atlântico” – a ilha da Madeira.
Ora Gonçalves Zarco tomou posse do Funchal em 3 de março, o que manifestamente não combina com 10 de junho.
Se a data é desadequada, o que dizer da escolha do local de celebração, tendo sido, este ano, em Lagos, repetindo-se a escolha de 1996. Não porque Lagos não o mereça, obviamente.
Mas depois do dia de Portugal, Camões e Comunidades já ter sido celebrado em todos os distritos do País e regiões autónomas, a repetir um distrito, como é o caso do Algarve, porque não fazer jus á “Vila do Infante” criada pelo grande Infante D. Henrique, mentor e protagonista da gesta dos “Descobrimentos”, matéria obrigatória em todos os discursos?
Sim, Vila do Bispo, mais do que o promontório de Sagres, deveria ser a escolha óbvia …
mas quando se usa o tema dos “Descobrimentos” para dizer que serviu “apenas” para o nosso Rei, “pendurar a terra ao pescoço como se fosse um berloque”, tirada esta de quem desmerecidamente ocupa um lugar no conselho de estado, e de quem se diz ser uma insigne escritora, e que sentiu necessidade de citar autores estrangeiros, no dia de Portugal, como Shakespeare, logo um de quem se diz não ser autor da obra pela qual é celebrado, obra atribuída a Sir Francis Bacon, e Cervantes, o espanhol que ficou famoso por criar um personagem “cavaleiro”, tonto e aparvalhado. Era mesmo disso que Camões precisava na sua celebração. Bizarro e incompreensível.
E agora, o cerne deste escrito, pois que até agora o apontado, perde o lugar cimeiro na lista de alarvidades, dos discursos de Lagos, este, é absolutamente absorvido pelas afirmações “o pecado dos Descobrimentos”, como se a maior e mais extraordinária gesta da história de Portugal, tivesse sido uma malfeitoria monumental, e “o encontro entre povos obedeceu a uma estratégia de submissão e rapto”, como se os Portugueses descendessem daquele outro povo, os Vândalos, conhecidos pelas atrocidades praticadas na sua caminhada de extermínio de tribos alheias, para logo a seguir se sentenciar, qual tribunal da história:
“É indesmentível que os Portugueses estiveram envolvidos num novo processo de escravização longo e doloroso”, ou seja, os “malandros” dos portugueses recuperaram a escravidão, omitindo-se, olimpicamente, porque não dá jeito ao politicamente correcto do momento, dizer, que os portugueses se limitaram a comprar os escravos que os negros africanos de tribos poderosas escravizavam, de tribos mais fracas, para os venderem, ou seja a escravidão, para esta gente, só é praticada por quem comprava e não por quem vendia. Um absurdo.
E os que não se conseguiam vender, apodreciam nas prisões. Foi o que aconteceu aos portugueses aprisionados nas batalhas de Alcácer Quibir (já agora foi a última e bem sucedida tentativa de impedir uma invasão da europa pelos muçulmanos, cujo sangue português devia ser credor da admiração europeia) e mesmo antes deles, logo no início da expansão marítima, com a conquista de Ceuta, e numa missão desastrosa, tropas portuguesas comandadas, nada mais, nada menos, que por D. Henrique, foram forçadas a renderem-se e a deixarem seu irmão, o Infante D. Fernando, ambos da ínclita geração, cantada por Camões, como penhor, baixando á condição de degredado, tendo morrido nessa condição.
Em Lagos, trouxe-se ao discurso celebrativo do dia de Portugal, o episódio em que D. Henrique recebeu 46 escravos, mas omite-se o sacrifício de um Infante Português. Desgraçadamente, ambos os casos, faziam parte da “normalidade” da época.
Lagos 10 de junho
O próprio Camões o confessou “aquela cativa, que me tem cativo”, também foi senhor de escravos, e isso não o impediu de se enamorar por uma delas.
Esta prática, á luz das normas civilizacionais da época, e de épocas imemoriais, era aceite como normal. Pretender “julgá-las” á luz dos nossos valores civilizacionais actuais é descontextualizado, e revela muita hipocrisia.
A subjugação, por recurso á escravidão, é milenar, na história do planeta, e, embora a ciência não o propale muito, é já aceite que houve, no nosso planeta, a co-existência de várias espécies humanas (o que explicaria os diferentes tipos sanguíneos), tendo havido a miscigenação, mas sempre extraordinária, porque raríssima, entre algumas, e hoje há dois por cento da população mundial com herança genética dos homens de “Neeendertal”, que se misturaram com o “Homosapiens”, como é que acham que essa mistura de espécie se fez? Naturalmente por submissão, por escravidão.
Mas ali em Lagos, ficou o apodo a todo um povo, o nosso, o português, de ter inaugurado, em África o tráfico negreiro intercontinental, como se nenhum outro povo, incluso africanos, alguma vez tivessem feito o mesmo, embora em diferentes escalas de grandeza.
A circunstância de Portugal ter sido o primeiro País do mundo ocidental a banir as leis da escravidão, é um pormenor de somenos, que não mereceu entrar na tese discursiva do dia de Portugal.
E o que dizer da sugestão dada em Lagos, para os jovens portugueses estamparem nas suas camisolas um cartoon qualquer de um sujeito qualquer (outro estrangeiro chamado ao discurso do dia de Portugal), mas que se percebe não é em abono de Portugal ou dos portugueses. Porrada neles, no dia de Portugal, parece ser o “leitemotiv” dos discursos de Lagos.
Não se percebe muito bem a que propósito veio a conversa sobre a pureza do sangue, sobretudo quando, como disse anteriormente, muitos de nós carregam o gene do homem de Neenthertal, (milénios de misturas, portanto) e se há povo fortemente miscigenado esse é o português, fruto de miscigenação PACIFICA, com outros povos outras culturas, e então? A riqueza genética é uma mais valia. Já agora, o povo português tem um traço genético que mais nenhum povo tem, é o HLA [ndr: sigla inglesa para antígeno leucocitário humano] A25-B18-DR15 e A26-B38-DR13. Estudos genealógicos garantem que actualmente existirão, só em Portugal, meio milhão de pessoas portando o gene do nosso primeiro Rei, que outro povo se pode orgulhar de tal coisa?
Lagos 10 de junho
Em Lagos, os discursos com que estoicamente os militares em parada foram presenteados, devem tê-los arrepiado até á medula, sobretudo quando se está meia hora (trinta longos minutos á torreira da inclemência do sol) a ouvir disparates (de quem está á sombra protegida) que põem em causa o seu brio militar porque alicerçado no sal (ó mar salgado quanto do teu sal não são lágrimas de Portugal “in Fernando Pessoa”) e no mel (saudade, um doce sentir ausente, sem tradução noutras línguas) da história PÁTRIA e MÁTRIA, com 909 anos.
Camões, diferentemente de Fernando Pessoa, era todo ele portugalidade, pois Fernando Pessoa, um grande vate da língua portuguesa, é certo, fixou o princípio incontestado de “a minha Pátria é a língua portuguesa”, e aceitamo-la, já a Mátria essa foi-nos ensinada pelo Padre António Vieira como a terra onde nascemos.
Para Camões tudo era importante, a Pátria e a Mátria, já Pessoa, no poema onde fixou o conceito de Pátria, conclui o mesmo com “nada me incomodaria se o estrangeiro invadisse e ocupasse Portugal, conquanto não me incomodasse”, dito de outra forma para Fernando Pessoa a sua Mátria era-lhe completamente indiferente.
Os discursos de Lagos em 2025, vão na mesma senda e orientação. É triste.
Oliveira Dias, Politólogo
Lagos 10 de junho