Discurso político que alimenta o ódio
Na última semana, foi desmantelado um grupo neonazi em Portugal. Tinha armas, explosivos e planos de atentados. O alerta foi dado após a agressão brutal ao ator Adérito Lopes, à porta de um teatro, num ataque com motivações racistas.
Quem ainda acha que o discurso de ódio não passa de “exageros do politicamente correto” não está a prestar atenção. Ou não quer ver.
O que mais inquieta é que este crescimento do ódio acontece num ambiente onde ele é tolerado e muitas vezes incentivado pelos próprios responsáveis políticos. É preciso fazer uma pergunta frontal:
Discurso político que alimenta o ódio
Os decisores políticos sabem o que estão a alimentar quando publicam certos conteúdos nas redes sociais? Leem os comentários que surgem? Têm consciência do que legitimam?
Sempre que se publica algo sobre imigração, segurança, habitação ou igualdade, há uma vaga previsível de comentários violentos, racistas, misóginos e xenófobos. E, no entanto, os autores dessas publicações muitas vezes deputados, presidentes de câmara ou ministros, entre outros, com cargos públicos não moderam. Não respondem. Não denunciam. Publicam, assistem e calam.
Este cenário expõe uma falha grave. Muitos decisores políticos defendem-se com a frase “não somos responsáveis pelos comentários”. Mas essa defesa é obscenamente conveniente. Quando figuras públicas partilham conteúdos sobre “ordem”, “imigração” ou “segurança” sem qualquer cuidado com a linguagem ou o contexto, estão a dar sinal verde à hostilidade contra os mais vulneráveis, imigrantes, pessoas ciganas, negras, mulheres pobres e trabalhadores precários.
E há mais. Sabemos hoje que muitas destas interações são geradas por contas falsas, bots e perfis anónimos ligados a partidos e movimentos ideológicos. Estão ali para incendiar o debate, amplificar o extremismo e fingir que representam a maioria. Não representam. Mas, sem moderação nem transparência, moldam a perceção pública e radicalizam.
Há quem continue a refugiar-se no silêncio, porque enfrentar o discurso de ódio não dá votos. Não é popular defender os direitos de quem é sistematicamente desumanizado. Dá trabalho, exige coragem e custa influência. E por isso, a maioria prefere assistir de longe.
Mas comunicar é uma escolha política. O que se publica, o que se omite, o que se permite nos comentários tudo isso faz parte da mensagem.
E, neste momento, há demasiados responsáveis a falhar nesse dever. O discurso de ódio não nasce do nada. Alimenta-se. E, em Portugal, há quem lhe esteja a pôr lenha — todos os dias — com um simples post!
– Lurdes Gonçalves
Gestora de Empresas | Especialista em Economia Social