Saúde do País Real – República às Sextas
«Emergências sem socorro, médicos sem família e redações sem direção – Portugal leva tudo a eito, menos a ironia.»
I. Ambulâncias em greve, sirenes da política
No palco urgente do INEM, duas mortes puxaram a cortina sobre a greve: a oposição inteira gritou “Demissão já!”. A Iniciativa Liberal quer inquérito, o PS pede contas ao Primeiro-Ministro, e até o Chega se lembra de exigir explicações – quem diria que a morte une tanto, pelo menos em discursos parlamentares. A ministra Ana Paula Martins, recém-reconduzida, jura que “apurará responsabilidades”… enquanto o Governo ensaia o número de prestidigitação habitual: transformam atrasos em “incidentes pontuais”. A plateia boceja, mas vota moções.
II. 1 644 807 portugueses… e nenhum médico de família
Se o SNS fosse uma família, teria fugido de casa: 1,64 milhões de utentes continuam órfãos de médico – mais 11 106 do que em Abril e mais 42 230 que há um ano. O Executivo balbucia “recrutamento em curso”; o PS recorda-lhe que foi o PSD quem eternizou a falta; o PCP pede nacionalizações de médicos; e o Livre sugere prescrições de poesia terapêutica. Resultado: o doente continua sem consulta, mas com abundância de declarações… grátis.
Saúde do País Real – República às Sextas
III. RTP: direção demitida, suspeitas promovidas
Na televisão pública, a Administração despediu a direção de informação sem ouvir quem de direito; o Conselho de Redação levanta “sérias dúvidas” sobre a legalidade da dança de cadeiras. O Governo garante que é só “rejuvenescimento”; a oposição vê “ingerência política”; e Marcelo, provavelmente, prepara mais um daqueles sermões de varanda que ninguém sabe se é veto ou benção. Entre tanto zelo reformista, o telespectador pergunta se também o telejornal virá em fast-food.
Saúde do País Real – República às Sextas
IV. Farpas em sentidos cruzados
- PSD/CDS: agitam bandeira da “exigência firme e humanista”, mas tropeçam em cada estatística de saúde.
- PS: de dedo em riste, esquece convenientemente o legado que deixou no SNS – memória seletiva é o primeiro sinal de vitalidade partidária.
- Chega: se emigração for tema, está presente; se não for, inventa-se. Resta-lhe denunciar o caos enquanto namora as mesmas leis apertadas que ontem criticava.
- Iniciativa Liberal: comissão de inquérito para tudo; só não há comissão para saber porque propõem tantas comissões.
- PCP e BE: exigem mais Estado, mais médicos, mais democracia participativa… e mais microfones, que a RTP anda a redistribuir.
V. Moral da semana (sem moralismos)
Portugal continua a fazer magia: subtrai médicos, soma utentes, multiplica demissões e divide culpas. Resta-nos, pois, rasgar ideias – ou, pelo menos, rasgar a cortina que disfarça tanta trapalhada.
Voltamos sexta-feira, 4 de Julho, com novas farpas igualmente distribuídas – porque, nesta República, o ridículo é verdadeiramente universal.