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Presidente de Câmara de Mafra, Desapossado … e agora?

Num quadro em que a Câmara Municipal – cuja composição plena se traduz num Presidente de Câmara, mais os vereadores legalmente admissíveis, constituindo, pois, o colégio de eleitos, razão porque o órgão é colegial - avoca as competências próprias da Câmara, em tempo, delegadas no Presidente da Câmara, o Presidente assim desapossado, tem condições para se manter no lugar?

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Oliveira Dias - tv.famoes@sapo.pt
Oliveira Dias - tv.famoes@sapo.pt
Oliveira Dias, Politólogo, com diversa obra publicada sobre Poder Local, foi jornalista com mais de 4 centenas de artigos publicados, em diversos órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros.
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Presidente de Câmara de Mafra

Avocação de Poderes de um Presidente de Câmara

Num quadro em que a Câmara Municipal – cuja composição plena se traduz num Presidente de Câmara, mais os vereadores legalmente admissíveis, constituindo, pois, o colégio de eleitos, razão porque o órgão é colegial – avoca as competências próprias da Câmara, em tempo, delegadas no Presidente da Câmara, o Presidente assim desapossado, tem condições para se manter no lugar?

O NoticiasLX noticia, de factos ocorridos, num município da zona oeste, (Mafra) consubstanciados na retirada, pela maioria dos vereadores, de competências delegadas pela Câmara municipal, no seu Presidente, invocando, aparentemente, falta de confiança no Presidente, eleito na mesma lista daqueles vereadores.

Dito de outra forma aquela câmara municipal, delegou parte das suas competências próprias, cuja disposição é fixada pelo regime jurídico das autarquias locais, no seu Presidente, e agora, uma maioria de vereadores uniu-se para avocar essas competências.

É, bem se vê, o instituto jurídico da delegação de competências a funcionar, pois este instrumento da delegação de competências, permite ao delegante (câmara municipal) dispor de parte das suas competências e transferi-las temporariamente (portanto a título não definitivo), leia-se delegar, no Presidente do executivo, assim transformado em delegado da Câmara municipal.

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AVOCAÇÃO

A todo o momento o delegante pode avocar (chamar a si) essas competências (todas, ou parte delas), e inclusive exercer tutela de mérito sobre as mesmas e isso implica, manter, alterar ou revogar os actos e contratos praticados pelo delegado (Presidente da Câmara), no âmbito da delegação de competências havida.

Em resumo, para deixar claro, que não é nada de extraordinário a delegação de poderes, e a sua avocação ulteriormente. Só não é usual, nos termos em que aconteceu, naquele município.

Pessoalmente, esta situação não me é estranha, porque aquando do exercício de funções profissionais, como chefe de gabinete num município madeirense, o Presidente de um outro município madeirense viu-se numa situação em que pela primeira vez na história do Poder Local insular, um Presidente de Câmara viu a sua formação partidária ficar em minoria do executivo. Em estado de aflição, pediu-me ajuda neste particular (eu era solicitado muitas vezes a “ajudar” com o meu conhecimento, e experiência, das dinâmicas autárquicas, pelos outros colegas do Presidente de quem era chefe de gabinete).

Num quadro em que a Câmara Municipal – cuja composição plena se traduz num Presidente de Câmara, mais os vereadores legalmente admissíveis, constituindo, pois, o colégio de eleitos, razão porque o órgão é colegial – avoca as competências próprias da Câmara, em tempo, delegadas no Presidente da Câmara, o Presidente, assim desapossado, tem condições para se manter no lugar?

Claro que sim.

Desde logo a sistémica da administração autárquica comporta órgãos colegais executivos, a saber o executivo (nos municípios a câmara municipal, e nas freguesias a junta de freguesia), e deliberativos (no município a assembleia municipal e nas freguesias a assembleia de freguesia).

Mas também, embora não na sede constitucional, na legislação ordinária, vulgo regime jurídico das autarquias locais, órgãos executivos unipessoais (no município é o Presidente da Câmara Municipal, nas freguesias é o Presidente da junta de freguesia), e deixo para outra oportunidade, a controvérsia sobre este órgão unipessoal executivo, com o conforto de nenhuma dúvida me assaltar quanto ao tema, tal como o apresento.

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OS PODERES PRÓPRIOS

Repare-se que no executivo municipal só o Presidente da câmara tem poderes próprios e exclusivos, já os vereadores NÃO TÊM poderes próprios, dito de outra forma, os vereadores não têm competências legalmente atribuídas, apenas têm poderes delegados ou subdelegados, pelo Presidente da Câmara, atendendo a que quando se fala em poderes delegados, são as competências próprias do Presidente, os subdelegados, são as competências que a Câmara municipal, enquanto órgão colegial executivo delegou no seu Presidente, e este as subdelega nos vereadores que entender.

Em bom rigor, e a Lei concorre para isso, os Vereadores são coadjuvantes do Presidente de Câmara. As delegações de poderes e as subdelegações de poderes, que o Presidente de Câmara fizer neles, escora-se, obrigatoriamente, numa relação de confiança, por parte do Presidente da Câmara, nos seus vereadores, e tem, na mesma medida, quantitativamente e qualitativamente, como contrapartida, a lealdade dos vereadores, assim dotados de poderes, para com o Presidente de Câmara, é isto o que sucede na relação de dois sentidos entre o delegante e o delegado.

Já nas freguesias, e em concreto no órgão executivo, sucede a mesma coisa, no que á delegação e subdelegação diz respeito, na medida em que também os vogais que compõem a junta de freguesia, não têm competências próprias, com excepção dos vogais a quem é distribuída a função de secretário e a de tesoureiro, cujos poderes específicos da função – do secretário e do tesoureiro – não são passiveis de avocação pelo Presidente da Junta, pois, neste particular, os poderes do Presidente da Junta circunscrevem-se apenas á distribuição daquelas funções e ponto final, que podem acumular com competências delegadas ou subdelegadas, estas na livre disposição do Presidente da Junta diferentemente das primeiras como dissemos.

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A AVOCAÇAO E A QUEDA AUTOMÁTICA DE TODAS AS SUBDELEGAÇÕES

Uma primeira consequência para a avocação, pela câmara municipal, das competências delegadas no Presidente da Câmara, como foi o caso que motiva este escrito, é caírem automaticamente todas as subdelegações (escoradas necessariamente nos poderes delegados pela câmara) que o Presidente da Câmara fez nos vereadores. Por aqui fica resolvida a questão.

Já quanto ás delegações o Presidente da Câmara até as pode manter (estas assentam nos poderes próprios que tem), mas isso não é compaginável com a relação sinalagmática que subjaz ao instituto da delegação de poderes, ou seja, “a confiança do Presidente nos vereadores” e a contrapartida da “lealdade devida pelos vereadores ao Presidente da Câmara”.

Assim, manda o princípio da transparência, e da boa fé, conjugados com o Princípio da boa gestão, acolhido pelo Código do Procedimento Administrativo que no caso em apreço, seja insustentável a manutenção da delegação de poderes feita pelo Presidente da câmara, nos vereadores contestarios.

E por boas razões, pois se os vereadores retiram a delegação feita no Presidente por não confiarem mais nele, avocando os poderes que nele depositaram, e por essa parte cessar automaticamente as subdelegações que receberam, como se justificaria, manterem os poderes próprios delegados pelo Presidente, a pessoa em quem não confiam? E com que moral os vereadores haveriam de ser leais a uma pessoa em quem não confiam? Ou pior, como pode o Presidente confiar, em quem declaradamente dele desconfia?

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Delegações carecem de despacho terminal do Presidente da Câmara

Inexoravelmente, quer as delegações, quer a subdelegações, feitas a favor dos vereadores, pelo Presidente da Câmara, desapossado por falta de confiança pelos “seus” vereadores, têm de cair, sendo que como se avançou as subdelegações cessam automaticamente, mas as delegações carecem de despacho terminal do Presidente da Câmara.

Ainda antes de adentrar no cerne daquilo que pode ou, não, fazer um Presidente a quem lhe foi retirada a delegação de competências da câmara, emerge, de tudo isto, um pormenor que não é despiciendo, e admito possa ser objecto de substancial controvérsia, porque tanto quanto é do meu conhecimento passa ao lado dos órgãos autárquicos em todo o País: a forma de votação.

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A ILEGALIDADE DA FORMA DE VOTAÇÃO DE BRAÇO NO AR

Aparentemente a forma de votação utilizada, no caso concreto, foi a de braço no ar, ora isso não está em linha com as regras legais, dito de outra forma, é ilegal.

O código do procedimento administrativo (dispenso a maçada de começar a citar alíneas e artigos), bem como o Regime Jurídico das Autarquias Locais, impõem que numa votação de órgão colegial, sempre que estiverem em causa juízos de valor sobre uma pessoa, o escrutínio deva ser secreto.

A retirada de competências ao Presidente da Câmara, por avocação do órgão executivo – câmara municipal – escorada na falta de confiança no visado, traduz um juízo de valor sobre o Presidente da Câmara, consubstanciado no pressuposto de que o titular da função (O Presidente) desmerece, por parte de terceiros (vereadores), o benefício da dúvida, da transparência, da honestidade e da probidade que deve sempre estar associada a um titular de cargo político.

Posto isto, estão reunidas todas as condições para seguir a regra vinculativa do CPA, e do RJAL, e sujeitar a retirada (avocação) de competências ao escrutínio secreto, sob pena de á contrário, a deliberação ser nula e de nenhum efeito. Parece ser o caso em apreço, e a ser assim, isso convoca necessariamente a intervenção do Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, iniciativa que deverá ser formalizada pelo próprio Presidente da Câmara.

Consumada, então, a avocação, nos termos legais, ou a tentativa frustada da mesma, por violação das regras e princípios acima elaborados, o que resta ao Presidente da Câmara?

Tendo sido alvo do apodo de homem não confiável, os vereadores concorrentes para essa situação (os que votaram favoravelmente, ou se abstiveram, na votação de avocação) o Presidente pode (diria mesmo deve):

  1. Emitir despacho revogando as delegações de competências feitas aos senhores vereadores, o qual nem sequer tem de ser fundamentado, mas é adequado escora-lo na falta de confiança também (se não confiam em mim, não confio neles também).
  2. Emitir despacho revogando a atribuição de tempos inteiros e/ou meio tempos, sendo o caso, a esses vereadores, pelos mesmo motivos (ou como diz o povo, viram vereadores da senha);
  3. Emitir despacho revogando a constituição de gabinete de apoio á vereação;
  4. Emitir despacho da atribuição de logística individual, em concreto, a prerrogativa de terem viatura oficial dedica em exclusividade;
  5. Emitir despacho revogando a designação do Vice-Presidente (no pressuposto de ser um dos vereadores que aprovaram a avocação);
  6. Concomitantemente emitir despacho designado novo Vice-Presidente, escolhendo um dos 3 vereadores que o apoiaram.

Estes actos, presidenciais resultam diretamente da quebra do laço de confiança nos seus pares, pois a manterem-se, por bizarro que seja, significaria que os vereadores tinham razão quanto á não confiabilidade do Presidente (lá diz a sabedoria popular “quem não se sente, não é filho de boa gente”).

Significa que estes vereadores, assim, atingidos, ficariam livres de outras obrigações? Claro que não.

A Lei define o vereador como coadjutor do Presidente da Câmara, ora isso não permite a um vereador recusar qualquer tarefa de que seja incumbido pelo Presidente da Câmara (note-se que tarefas e competências são coisas distintas), assim os vereadores da senha podem ser chamados a executarem tarefas (actos que não envolvem o poder de decisão final), a recusa em fazê-lo é uma violação grave ás obrigações do eleito, por inobservância de deveres hierárquicos.

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Vereador com Pelouros e Vereador da Senha

Repare-se na diferença entre vereador com pelouros (o que implica ter tempo inteiro ou parcial atribuído, e delegação ou subdelegação de competências) e o vereador da senha:

  1. o primeiro é DELEGADO do Presidente e SUBDELEGADO da câmara, e nestes termos transforma-se num órgão unipessoal (porque centro de imputação funcional de direitos e obrigações).
  2. O segundo é um SUBORDINADO HIERÁRQUICO do Presidente da Câmara.

Como se vê tudo muito simples e cristalino como a água.

A consequência seguinte da avocação de competências resultará numa sobrecarga das ordens de trabalhos da Câmara Municipal, pois todas as matérias incluídas nas competências avocadas terão de ser objecto de deliberação da Câmara municipal. Nada que o Presidente da Câmara não possa resolver com o incremento de sessões extraordinárias, tantas quanto o ache necessário, pois tem esse poder, mas parece que os “revoltosos” também deliberaram alterar as reuniões ordinárias, para uma base semanal.

Eu próprio, quando fui Presidente de uma Assembleia de Freguesia, o fiz, tendo realizado em ano e meio, mais sessões que os meus homólogos do município de Loures, fizeram em todo o mandato. Recorro novamente á sábia filosofia popular: “o homem é que faz o hábito, e não o hábito que faz o homem”.

Obviamente, sabendo que nem todos os vereadores alinharam pelo apodo feito ao Presidente, havendo vereadores que se recusaram, estes, por exclusão de partes, podem (e devem) ser chamados a novas responsabilidades, ainda que faltem apenas três meses e meio para terminar este ciclo autárquico, mas a vida é assim feita de … escolhas.

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A BOMBA ATÓMICA

Mas para o fim está reservado o melhor vinho … a célebre “bomba atómica”, principal característica do sistema presidencialista do Poder Local português. O Presidente tem a prerrogativa de em determinadas circunstâncias (fáceis de sustentar) poder utilizar qualquer competência da Câmara Municipal [as absolutas (aquelas que não são passiveis de delegar), e as relativas (as que podem ser delegadas)] invocando urgência.

O senão desta opção é que os actos e contratos assim decididos, pelo Presidente, a título excepcional, carecem de ratificação (confirmação), pela Câmara Municipal, na primeira oportunidade, ou seja, gera-se um imbróglio tremendo se a ratificação for recusada. Mas lá que é possível isso é. E nos casos em que se constituam direitos para terceiros, poderá ser mais penalizador recusar uma ratificação a aceitá-la como facto consumado.

Uma última nota sobre o caso concreto, do qual apenas conheço o que foi publicado na comunicação social, pois não consegui outro acesso à informação que não esse, e recorrendo ao site do município não logrei encontrar nenhum edital publicitando as deliberações havidas. Apenas lá se encontram “actas” das reuniões, uma prática sem escora legal, e por isso violadora do princípio da legalidade.

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A Invalidade das competências “retiradas” ao Presidente da Câmara

Ora segundo foi possível apurar, do rol de competências “retiradas” ao Presidente da Câmara Municipal, constam competências próprias do Presidente, as quais não estão na disponibilidade de disposição por parte dos vereadores, dito de forma simples é uma ilegalidade, por nulidade, que é como quem diz é uma invalidade absoluta, e nunca produz efeitos, sendo este o resultado do vicio em Direito administrativo da “incompetência”.

Portanto, bem se vê, muito trabalhinho para o Ministério Público.

Oliveira Dias, Politólogo

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