O Barómetro do Poder Local, promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos avaliou recentemente a perceção dos cidadãos relativamente ao funcionamento das autarquias. Análise sempre útil num tempo em que cada vez mais as pessoas questionam e exigem proximidade por parte dos autarcas eleitos e dos candidatos/as a.
Desde logo este estudo acaba por destacar que a confiança nas instituições locais é, em geral, mais favorável do que a confiança nas instituições nacionais. Isso é relevante e merece um cada vez maior cuidado por parte dos partidos e das candidaturas independentes, não defraudando as expectativas.
O tema Barómetro é, por excelência, um momento para se refletir sobre a relação entre os cidadãos e o poder local, a participação cívica, o perfil desejado para os líderes autárquicos e a confiança depositada nas instituições autárquicas até porque, como refere o estudo é voz corrente entre as populações “a decisão de voto autárquico é fortemente influenciada por características pessoais dos candidatos, mais do que por fatores partidários ou ideológicos. Nesse sentido, a integridade ética e a palavra surgem como os atributos mais valorizados pelos cidadãos perante os candidatos que se propõem”.
Para que serve, afinal, o poder local?
Após a Reforma Administrativa de Mouzinho de Albuquerque em 1820 o Poder Local adquiriu particular relevância após 1974. A CRP reconheceu‑lhe autonomia administrativa e financeira, implementando um modelo de democracia descentralizada que atribui aos municípios responsabilidades fundamentais no domínio dos serviços públicos, do planeamento, ordenamento do território e no desenvolvimento socioeconómico
A perceção do que, afinal, serve o poder local versus a informação?
Há um desfasamento entre o que os inquiridos percecionam serem as responsabilidades das autarquias e o que consideram desejável, refletindo a complexidade da governação local nos nossos dias e afastando da equação o papel de outros agentes clássicos da democracia nos processos de decisão, tais como a oposição política, os sindicatos e outros grupos de interesse
A literacia institucional é essencial para uma democracia informada e participativa. Uma lacuna que aponta a necessidade de serem reforçados os canais de informação, de capacitação e de participação. Os cidadãos até podem confiar + nos seus autarcas do que nos seus representantes a nível central, mas – fundamentalmente – grande parte dos residentes sente que a sua voz não é ouvida.
Essa é uma das razões porque temos, cada vez, mais uma cidadania espectadora em contraciclo com uma cidadania interventiva. E isso também é o que muitos partidos políticos, principalmente os do arco do poder, pretendem ou, pelo menos, demonstram, contribuindo para uma fraca participação recetora e consolidando a imagem de que os políticos não estão interessados no que os residentes pensam.
O barómetro mostra que apesar de o poder local ser considerado próximo, os cidadãos sentem-se afastados dos processos com 54% dos inquiridos a responderem que nunca participaram em qualquer reunião municipal. Logo, é fácil concluir que as pessoas se manifestam distantes da vida política. Esta tensão entre satisfação versus a confiança e distanciamento da coisa política, entre legitimidade formal e participação real, constitui um dos desafios centrais das democracias locais no século XXI em que o caminho terá de ser aquela em que os cidadãos influenciam efetivamente as escolhas sobre espaço público e os investimentos.
Figura 14, retirada “Barómetro do Poder Local” edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos, setembro de 2025
E, aqui chegados, não se poderá avaliar o quase pleno desconhecimento sobre a sujeição de muitas avaliações e decisões das instituições regionais e supramunicipais, como as CCDR’s ou as Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas, que enfrentam um défice de visibilidade e reconhecimento público, porque os seus membros não vão a votos de igual modo como os autarcas.
Este desconhecimento enfraquece a legitimidade e o alcance das decisões tomadas, limitando o envolvimento cívico e comprometendo o debate público transparente.
No contexto, opção e decisão do voto autárquico este é, cada vez mais, associado ao e aos candidatos. O voto é cada vez menos ideológico e mais racional, menos partidário e mais personalizado. A força das lideranças locais tem, assim, capacidade de transcender barreiras partidárias, gerando dinâmicas eleitorais específicas no território reforçando a ideia de que a personalização local é mais importante do que o peso das siglas partidárias. Atendendo às respostas da sondagem em análise destacam-se as características do/a candidato/aque os inquiridos exigem como a capacidade na liderança colaborativa (18,3% para a decisão do voto), a orientação ideológica (23,7% para a decisão do voto)e com a valorização doscandidatos/as que se mostram intransigentes do ponto de vista ético e de integridade (27,1% para a decisão do voto), entre várias outras opções.
E, assim, o voto têm vindo e é, cada vez mais, na confiança, isto é, na Pessoa.
Figura 8, retirada “Barómetro do Poder Local” edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos, setembro de 2025
Não é por isso de estranhar que o aparecimento e reforço das candidaturas independentes nos últimos anos apontam para uma mudança no campo político local, no qual a reputação e a ligação à terra vão ganhando peso face à outrora fidelidade partidária. A figura de presidente de câmara é hoje vista pelos portugueses como um verdadeiro canivete suíço e isso faz a diferença porque, de um modo geral, e desde que os candidatos não sejam permanentes para-quedistas regionais, a opção é a pessoa que se conhece e nas quais as pessoas avaliam – independentemente de ser ou não do partido em que habitualmente votam nas diversas eleições -mas sobretudo se foi ou irá ser capaz de resolver os problemas locais, capacitando a evolução da comunidade, com o futuro no horizonte.
Mesmo no rescaldo desta sondagem/inquérito deve ser salientado a importância que as eleições autárquicas continuam a representar para a generalidade das populações e a sua intenção em participar – votando – com uma clara resposta de 69% dos inquiridos a garantirem que vão marcar presença nas urnas. Saudável.
Legenda retirada do Jornal Expresso
– José Manuel Graça
Vereador na Câmara Municipal de Mafra, Membro efetivo do CES – Conselho Económico e Social. Ex-Membro da Comissão Nacional do PS, Presidente da Direção de uma IPSS, Técnico de Contabilidade e Finanças