Reprogramação do PRR: um retrocesso social disfarçado de eficiência

Reprogramação do PRR

Corte de 243,2 milhões de euros retira força ao investimento social e trava projetos essenciais em Loures e na Área Metropolitana de Lisboa

A reprogramação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), apresentada pelo Governo no final de outubro, representa uma mudança de rumo com impacto direto na coesão social do país. Dos 465 milhões de euros inicialmente previstos para o investimento social, 243,2 milhões foram agora retirados, reduzindo drasticamente as metas de criação de lugares em creches, lares e respostas para pessoas com deficiência. Entre os projetos afetados está o inovador SAD 4.0, que previa modernizar os serviços de apoio domiciliário.

A recente reprogramação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), apresentada pelo Governo no final de outubro, marca uma viragem preocupante na ambição social que esteve na origem deste instrumento. Sob o argumento da “exequibilidade” e da “eficiência”, foram retiradas verbas no valor de 243,2 milhões de euros, que integravam o pacote inicial de 465 milhões de euros destinado ao investimento social, fundos que financiavam a criação de lugares em creches, lares e estruturas de apoio à deficiência. Trata-se de um corte que atinge o coração da política de coesão e inclusão social.

A CONFECOOP, que representa o setor cooperativo português, foi uma das primeiras vozes a alertar para a gravidade destas mudanças. E com razão. Segundo os dados agora conhecidos, o número de lugares previstos em equipamentos sociais passa de 42.142 para 28.000, a área de espaços públicos intervencionados desce de 200.000 m² para 75.000 m², e o número de instalações de serviços públicos com melhorias de acessibilidade cai de 1.500 para 750. Estes números não são meras estatísticas: traduzem menos creches, menos lares, menos respostas para pessoas com deficiência e menos inclusão no espaço público.

Reprogramação do PRR – um retrocesso social disfarçado de eficiência

O PRR foi anunciado como um plano de transformação estrutural, capaz de corrigir desigualdades históricas e de criar condições para uma sociedade mais coesa e resiliente. A sua reprogramação, contudo, revela uma escolha política clara de privilegiar o que é fácil de executar em detrimento do que é essencial para o país. O foco desloca-se da ambição social para a contabilidade técnica, e o resultado é um plano menos inclusivo, menos transformador e, sobretudo, menos humano.

Importa lembrar que o Setor Social e Solidário foi chamado, desde o início, a ser parceiro do PRR. O protocolo assinado em julho de 2021 previa 465 milhões de euros para apoiar áreas cruciais: infância, envelhecimento, deficiência, cuidados continuados e habitação. Hoje, são precisamente essas áreas que sofrem cortes mais duros e sem que o setor tenha sido ouvido. Essa exclusão das organizações sociais do processo de reprogramação é mais do que uma falha de diálogo: é um erro estratégico. Um plano de recuperação que ignora quem está no terreno perde contacto com a realidade que diz querer transformar.

É certo que o Governo enfrenta dificuldades de execução e pressões europeias para acelerar a utilização dos fundos. Mas há escolhas que definem prioridades. E, quando se opta por reduzir o investimento em equipamentos sociais para privilegiar projetos “maduros” e de rápida execução, o sinal que se transmite é inequívoco: a urgência financeira sobrepôs-se à urgência social.

Num país que ainda luta para cumprir a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza e a Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência (2021-2025), esta reprogramação é mais do que um ajuste técnico é um retrocesso político e ético. O discurso da eficiência não pode servir de pretexto para abdicar da justiça social.

Reprogramação do PRR – um retrocesso social disfarçado de eficiência

Portugal precisa de mais respostas para as famílias, de mais creches, de lares dignos e de espaços públicos acessíveis a todos. O PRR deveria ser o instrumento para concretizar essa visão. Em vez disso, corre o risco de se tornar um mero exercício de execução orçamental, desprovido de alma e de compromisso com as pessoas.

No fundo, o que está em causa é a coerência de um projeto nacional. A recuperação de um país não se mede apenas em quilómetros de estrada ou em metros quadrados reabilitados. Mede-se na capacidade de cuidar dos seus cidadãos, sobretudo dos mais frágeis.

Reprogramação do PRR
Reprogramação do PRR – um retrocesso social disfarçado de eficiência

E é precisamente nos territórios onde essas fragilidades são mais visíveis, como Loures e outros concelhos da Área Metropolitana de Lisboa em que o impacto desta reprogramação será mais profundo. São zonas marcadas por forte pressão demográfica, carência de creches, lares e respostas para pessoas com deficiência, onde cada lugar que deixa de ser criado representa uma família sem apoio e uma oportunidade perdida de inclusão.

Por isso, a retirada de verbas do investimento social do PRR não é apenas uma questão de gestão financeira: é um retrocesso com rosto e consequência, sentido nas comunidades que mais precisam de políticas públicas próximas, humanas e solidárias. Portugal pode até acelerar a execução dos fundos, mas fá-lo à custa de travar a coesão social e esse é um preço demasiado alto para pagar.

– Lurdes Gonçalves

Gestora de Empresas | Especialista em Economia Social

A colunista Lurdes Gonçalves

Entidade Orçamental

Reprogramação do PRR – um retrocesso social disfarçado de eficiência

Lurdes Gonçalves
Lurdes Gonçalves
– Lurdes Gonçalves Gestora de Empresas | Especialista em Economia Social