ESCOLAS PÚBLICAS EM ODIVELAS, FORA DA LEI?

Estou em crer que não é só em Odivelas que esta ilegalidade acontece. Mas lá porque todas as escolas violam a lei, a lei continua a ser superior ao que todas as escolas fazem.

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ESCOLAS PÚBLICAS EM ODIVELAS, FORA DA LEI?

Existe por aí uma certa “vox populi” que apelida as escolas públicas como feudos, governadas sob “xerifado”, que se vão mantendo indefinidamente no comando da comunidade escolar, onde a autarcia, como forma de governo, impera como uma espécie de auto-governo, mais autárquicas que as próprias autarquias locais, sendo que estas ao contrário daquelas têm conforto constitucional.

Pessoalmente, estive ligado, durante anos, a uma actividade profissional que me levava a interagir diariamente com múltiplos agrupamentos escolares de todo o país, desde o território continental até ao insular, com excepção da região autónoma dos açores.

Lidei com professores que presidiam aos órgãos de gestão desses agrupamentos já há décadas, por lá continuaram nos anos em que exerci a profissão, e hoje 8 anos depois de sair do “métier” dou por mim a ver nos noticiários de determinado agrupamento escolar o mesmíssimo professor-presidente do agrupamento escolar, leia-se o “xeriff”, a dar entrevistas sobre um qualquer problema na sua comunidade escolar, e eu ali no sofá a pensar com os meus botões “ena pá este tipo ainda está ali?”.

Tipos com sorte, pois se escolhessem presidir a um órgão executivo do poder local tinha a limitação de mandatos em cima dele. Enfim, escolhas.

Mas isto não pode deixar de nos convocar a uma reflexão sobre o assunto, não tanto aquilatar porque razão um cidadão que estudou e se preparou para dar aulas, acaba a ser o senhor “presidente” da escola, e exercer funções de gestão.

Mas isto é a parte musical desta pena. O que verdadeiramente inspirou esta prosa é uma prática recorrente institucionalizada, presumo que em todo o país, mas que pessoalmente constato verificar-se em Odivelas.

O profundo desconhecimento da aplicação do RGPD

Isso, e o profundo desconhecimento (para não dizer “descarado desconhecimento” porque é disso mesmo que se trata) da aplicação do RGPD (regulamento geral de protecção de dados), na comunidade escolar, pois ao fim e ao cabo as escolas fazem tratamento de dados pessoais aos milhares.

Em 2019, fui confrontado com praticas, numa escola em Odivelas, violadoras das regras do RGPD, por parte de um professor. Diligenciei uma reunião com ele, e expliquei-lhe o que estava a acontecer, e soube que o corpo docente daquele agrupamento NUNCA tinha sido envolvido em acções de sensibilização ao RGPD, razão porque se verificaram as violações em causa.

ESCOLAS PÚBLICAS EM ODIVELAS, FORA DA LEI
ESCOLAS PÚBLICAS EM ODIVELAS, FORA DA LEI?

Ofereci-me, a título gracioso, para dar essa formação aos professores da turma da minha filha, à qual a estrutura dirigente do agrupamento podia assistir, para poder replicar pelas restantes centenas de professores os ensinamentos sobre o RGPD, e assim melhor capacitados e habilitados a procederem ao tratamento de dados pessoais.

No alto da sua sapiência o diretor do agrupamento, remeteu a minha disponibilidade para a prateleira dos esquecidos, onde ficou a ganhar pó. Isto foi em 2019.

Hoje, seis anos volvidos, por um mero acaso alguém que me é próximo foi eleita delegada dos encarregados de educação, a fim de os representar nas reuniões para que fosse convocada.

Na realidade o Decreto Lei nº 137/2012, de 2 de julho, na redacção actual, preconiza a existência de um conselho de turma (alínea c), do nº 1, do Artº 44º), cuja composição inclui dois representantes dos pais e encarregados de educação [ ii), daquela alínea c), do nº 1, do referido artº 44º], para além de um representante dos alunos [iii) idem].

Só para consolidar conceitos jurídicos, a condição de “representantes” é mesmo para “representar” e não para enfeitar, assim os representantes dos pais e encarregados de educação REPRESENTAM esse universo de pessoas, da mesma forma que o representante dos alunos, REPRESENTA os seus colegas de turma.

Em complemento dir-se-á com cristalina segurança que não é possível representar quem se desconhece, ou quem se está impossibilitado de comunicar.

A primeira ilegalidade

E aqui encontramos a primeira ilegalidade – os representantes dos pais e encarregados de educação estão objectivamente impossibilitados de exercerem a sua função, a função de representação, se o director de turma, que preside ao conselho de turma, não fornecer os contatos dos representados, ou seja, dos restantes pais e encarregados de educação dos alunos daquela turma.

Uma deficiente leitura do RGPD leva as estruturas dirigentes dos agrupamentos, a darem a indicação aos diretores de turma, a quem não foi disponibilizada nenhuma acção de sensibilização em RGPD, COMO SE IMPÕE, para estes solicitarem o “consentimento” aos pais e encarregados de educação para que se forneça os dados pessoais ESSENCIAS para que os seus representantes os representem.

Um tremendo disparate. Melhor fora que os dirigentes dos agrupamentos percebessem que precisam mesmo que alguém lhes explique o RGPD.

O “consentimento” como fonte de licitude faz tanta falta, neste contexto, como uma gaita de foles numa venda de melões, no ribatejo.

Isto teria muita graça, não fosse esta bizarria das escolas impedirem o pleno exercício de representação que a lei confere aos pais e encarregados de educação, que assim são afastados da participação na vida da comunidade escolar que a lei lhes confere.

Dito de outra maneira, os senhores directores de turma, enquanto presidentes do conselho de turma, são mesmo obrigados a fornecerem os dados pessoais necessários para que os representantes possam comunicar com os seus representados.

Os senhores directores de agrupamento não têm competência para se imiscuírem nos conselhos de turma

Os senhores directores de agrupamento não têm competência para se imiscuírem nos conselhos de turma, logo não está ao seu alcance darem “instruções” ou “orientações” para que o diretor de turma, enquanto presidente do conselho de turma, proceda assim ou assado.

Mas as “caneladas” na lei, em Odivelas, não se ficam pelo desconhecimento do RGPD.

Nestas reuniões dos conselhos de turma, nas quais já participei, no século passado, como representante, então, dos pais, também em Odivelas, e na mesma escola, acontece algo de extraordinário e que sempre achei assim fora de propósito, mas que só agora me deu para me deter nela – a meio, ou nem isso, quem preside á reunião anuncia que a partir daquele momento se vai proceder á avaliação individual dos alunos, e insta os senhores representantes, dos pais e dos alunos, a retirarem-se, para a reunião continuar apenas com os senhores professores.

Assim sem mais, sem se redigir e aprovar uma acta, nos termos da lei (código do procedimento administrativo). Ora isto sucede porque a reunião continua, e só no fim é feita a acta. Os que saíram da reunião ficam sem possibilidade de a votar. Isto é manifestamente outro disparate.

Certamente haverá quem o justifique com a lei, dizendo que a avaliação individual dos alunos tem de ser protegida, em termos de privacidade. E acompanho facilmente a parte final dessa apologia.

O que diz a lei

Basta olhar para o que diz a lei (sic) “Nas reuniões do conselho de turma em que seja discutida a avaliação individual dos alunos apenas participam os membros docentes. (nº3 do artº 44º).

Então qual é a “canelada” aqui?

Repare-se bem, a lei é clarinha, nas reuniões de conselho de turma em que seja discutida avaliação individual dos alunos, os representantes não podem participar, ou seja, existem dois tipos distintos de reuniões: uma alargada onde todos participam, e outra restrita só com participação de professores.

Em ponto algum a lei consagra a possibilidade de numa mesma reunião, parte dela é alargada, e a outra parte restrita. Até porque sendo a mesma reunião, os representantes NÃO PODEM PARTICIPAR.

Salta á vista, até de quem não é licenciado em direito, que o conselho de turma tem de reunir duas vezes, numa delas alargado a todos, noutra restrita a professores e só quando é para fazer avaliação individual dos alunos. Logo tem de dar lugar a duas actas distintas.

Estou em crer que não é só em Odivelas que esta ilegalidade acontece. Mas lá porque todas as escolas violam a lei, a lei continua a ser superior ao que todas as escolas fazem.

Posto isto, quer os senhores dirigentes escolares, quer os senhores docentes, em todos os graus e qualidades, devem, no imediato (parafraseando a triagem de manchester), tipo pulseira vermelha, ser capacitados no RGPD, porque tudo o que aqui se verteu, versa sobre tratamento de dados pessoais.

Oliveira Dias, Politólogo.

ESCOLAS PÚBLICAS EM ODIVELAS, FORA DA LEI?

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Oliveira Dias - tv.famoes@sapo.pt
Oliveira Dias - tv.famoes@sapo.pt
Oliveira Dias, Politólogo, com diversa obra publicada sobre Poder Local, foi jornalista com mais de 4 centenas de artigos publicados, em diversos órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros.