Conflitos? Só se forem de interesses
A partir de 14 de agosto de 2025, todos os autarcas vão poder dormir (quase) descansados: ou quase. Porque agora têm de assinar uma Declaração de Inexistência de Conflitos de Interesse, conforme estabelecido pela Portaria n.º 38/2025/1, que acaba de estender e adiar tudo o que a portaria anterior não conseguiu aplicar a tempo.
Quem está na mira desta declaração?
- Autarcas locais: presidentes de junta, câmara, assembleias — basicamente quem tenha cargos de liderança ou responsabilidade em entidades públicas envolvidas pelo Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC) originado pelo Decreto-Lei n.º 109‑E/2021.
 - O modelo aplica-se também a dirigentes e trabalhadores dessas entidades públicas, embora a julgar pelos precedentes, só vão questionar quem tenha cartão profissional ou garagem oficial.
 
O que muda e de que maneira?
- A Portaria n.º 185/2024/1, aprovada a 14 de agosto de 2024, viria aplicar-se após 180 dias. Mas como a revisão do RGPC ainda não estava pronta, foi prolongada por mais seis meses — e agora repentinamente adiada para entrar em vigor um ano depois da publicação original (isto é, em agosto de 2025).
 - Ou seja: entrou em vigor em 15 de fevereiro de 2025, mas os efeitos só começam a 14 de agosto de 2025.
 

“Ridículos da Semana” (versão autarca):
- Que declarou não haver conflito de interesse, mas esqueceu-se de declarar a viagem patrocinada a Paris para receber um … diploma municipal.
 - Que assinou a declaração mas usou intervalo de almoço de 30 segundos — pouca margem de manobra.
 - Que achava que “conflito de interesses” era o nome do filme dele — teve de declarar a assistir com pipocas.
 
Conflitos? Só se forem de interesses
Subtítulos a rigor (com latim sarcástico)
- De Nullis Interestibus – quando o interesse é… “não ter de declarar”.
 - Tempus Fugit, Declaratio Manet – o tempo voa, mas a declaração fica.
 - Nullus Furor Licet – ninguém gosta de furor, mas todos vão assinar a declaração.
 
Conclusão (ironia fina)
Brevemente, autarcas e outros notáveis locais terão de garantir por escrito que não têm nada para esconder — ao menos até entrarem em vigor as boas intenções do novo RGPC. Se tudo correr como esperado, estarão legalmente limpos até à próxima portaria que os obrigue a declarar que nada vão declarar. Afinal, é a burocracia a salvar-nos da burocracia.
Pensum legislativo (para autarcas com estilo)
Como declarar inexistência de conflitos sem perder a pose (ou o pelouro):
- Rever cuidadosamente os laços familiares… até ao primo do genro da sogra.
Se ele tiver uma empresa de jardinagem que presta serviços à junta, talvez convinha mencioná-lo. Ou pelo menos não o contratar por ajuste direto. - Assinar a declaração com caneta de tinta permanente (e consciência temporária).
É importante que o documento dure — mesmo que a memória do que foi declarado não dure tanto. - Evitar o uso da expressão “isto é só uma formalidade” em público.
Principalmente quando for entrevistado por um jornalista ou por uma comissão de ética. - Delegar a verificação de incompatibilidades… mas só a quem não estiver incompatível.
Evitar nomear para este trabalho o mesmo chefe de gabinete que trata dos contratos com o cunhado. - Incluir uma selfie ao lado do quadro da “Transparência Municipal” da sala de reuniões.
Postar no LinkedIn com a legenda: “Comprometido com a ética e o rigor.” (Os hashtags são opcionais mas recomendados: #Governança, #Compliance, #DeclareiComOrgulho) - Submeter a declaração… antes do último dia.
Porque nada diz “ética pública” como entregar a papelada 5 minutos antes do prazo final e pedir por e-mail um “recebido com urgência”. - Usar o RGPC como livro de cabeceira.
Nada melhor para dormir em paz (ou para adormecer mais depressa). 
📌 Nota final: a assinatura da declaração é obrigatória. A honestidade, infelizmente, ainda não.
Conflitos? Só se forem de interesses

