Constituição atrapalha
Verba volant, scripta manent
“A nova Lei dos Estrangeiros: tudo por um país mais seguro, menos constitucional”
Luís Montenegro acredita. Crê com fé de missionário em tempos de seca. Acredita que o Tribunal Constitucional vai validar a nova Lei dos Estrangeiros. E, caso não valide — pasme-se — “o mundo não vai acabar”. Ufa. O país agradece o alívio.
Num discurso em Esmoriz, rodeado de juventude laranja e convicções fortes, Montenegro acusou a comunicação social de “pressão mediática” sobre o Tribunal Constitucional. Curiosamente, ninguém recordou que pressionar publicamente o TC, sugerindo o que deverá decidir, também é… pressão. Mas adiante.
“Não é a agenda do A ou do B”, garantiu o Primeiro-Ministro, com a autoridade de quem aprovou o diploma com os votos de Chega e CDS.
A agenda do A ou do B não, mas a do V parece contar. (De Ventura, claro.)
In claris non fit interpretatio
Presidência vs. Governo: a Constituição meteu-se no caminho
Marcelo Rebelo de Sousa, no papel de professor constitucionalista cansado de corrigir más redações, não perdoou: enviou o diploma para fiscalização preventiva e criticou duramente os “potenciais tratamentos discriminatórios”, o ataque ao reagrupamento familiar e o risco de ferir os superiores direitos das crianças.
Mais: mencionou até uma possível violação do direito da União Europeia. Traduzindo: o Governo tentou passar um diploma que pode ser inconstitucional, ilegal à luz do direito europeu, e ainda assim achava que ninguém ia notar.
Spoiler: notaram.
Ridículos da Semana
- Luís Montenegro, ao sugerir serenidade institucional enquanto aponta o dedo à “pressão mediática” – uma calma muito barulhenta.
- Marcelo Rebelo de Sousa, a dar aulas públicas de direito constitucional pela trigésima vez – desta vez com subtilezas como “superiores direitos das crianças”, para ver se alguém no Governo percebe.
- O Chega, que celebra a lei como uma vitória da sua agenda, mas depois finge que apenas está a acompanhar a AD – como quem entra no carro alheio e diz que só estava a segurar o volante.
Notas de rodapé
- A lei, aprovada com entusiasmo por PSD, CDS e Chega, restringe o reagrupamento familiar e complica a vida a quem já vive em Portugal — tudo com um verniz de ordem e segurança.
- A oposição votou contra toda, mas sem conseguir ocupar o debate público — ocupado agora por Marcelo e Montenegro, num dueto onde um recita a Constituição e o outro desafina com convicção.
- Se o Tribunal Constitucional chumbar a lei, o mundo não acaba. Apenas a ilusão de que se pode governar a Constituição com comunicados e conferências.
Constituição atrapalha
Voltamos sexta-feira, 1 de Agosto, com novas farpas igualmente distribuídas – porque, nesta República, o ridículo é verdadeiramente universal.