Cidadania digital: precisamos de uma Constituição para o mundo online?!

Hoje, a cidadania também se exerce online — nas redes sociais, nas plataformas digitais, nos portais do Estado e em cada interação que molda a nossa vida em comunidade.

Cidadania digital

Ser cidadão no século XXI é muito mais do que votar, pagar impostos ou participar fisicamente na sociedade. Hoje, a cidadania também se exerce online — nas redes sociais, nas plataformas digitais, nos portais do Estado e em cada interação que molda a nossa vida em comunidade. O problema é que a transformação digital dos governos e das sociedades não foi acompanhada por uma transformação cívica equivalente.

Vivemos num mundo em que o espaço público se deslocou para o digital, mas as regras, a ética e a consciência cívica ainda não o acompanharam. Muitos cidadãos não sabem o que são os direitos digitais, desconhecem como proteger a sua privacidade e não compreendem o impacto que a desinformação, os algoritmos e a vigilância permanente têm nas suas liberdades. Outros continuam à margem, sem acesso equitativo às ferramentas tecnológicas, criando uma nova forma de exclusão: a exclusão digital.

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A cidadania digital, base de uma sociedade moderna

A cidadania digital é, por isso, a base de uma sociedade moderna, consciente e participativa. Sem ela, a transformação digital corre o risco de ser desigual, insegura e excludente. Ser cidadão digital é muito mais do que “usar tecnologia” — é entender, questionar e agir com responsabilidade. É conhecer os seus direitos, cumprir os seus deveres e exigir transparência e ética de quem gere o espaço digital comum.

Os direitos digitais incluem a proteção de dados pessoais, a privacidade, a liberdade de expressão online e o direito ao esquecimento. Os deveres digitais passam pelo uso ético das plataformas, pelo respeito aos outros e pela defesa de um espaço digital saudável. E tudo isto só é possível com literacia digital — compreender o funcionamento dos algoritmos, identificar informação falsa e participar, de forma informada, nas decisões que moldam a sociedade tecnológica.

Mas falta-nos algo mais: um pacto digital, uma espécie de Constituição para o mundo online. Tal como criámos Constituições para o espaço físico, precisamos agora de uma Carta de Princípios Digitais e que possa ser um conjunto claro e universal de direitos e deveres que regule a relação entre cidadãos, governos e empresas no espaço digital.

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Cidadania digital
Cidadania digital: precisamos de uma Constituição para o mundo online?!

Um puzzle muito maior

Hoje já existem normas importantes — o RGPD, o AI Act, o Cybersecurity Act —, mas são peças dispersas de um puzzle muito maior. Falta-lhes uma base comum, um “chapéu” que alinhe valores e responsabilidades. O próprio Mustafa Suleyman, fundador da DeepMind (“Google Gemini”)e autor de The Coming Wave, alerta para a urgência de criar esse alinhamento global. A aceleração tecnológica, da inteligência artificial generativa às biotecnologias, traz consigo um poder sem precedentes, e com ele um risco real: o de a humanidade perder o controlo sobre os sistemas que criou. Suleyman apela a uma estrutura ética e política capaz de garantir que a próxima vaga tecnológica serve a humanidade — e não a substitui.

O historiador Yuval Noah Harari partilha a mesma preocupação. Nas suas obras, tem repetidamente alertado para o risco de a tecnologia ultrapassar a nossa capacidade de governação e para a possibilidade de um “apagão democrático”, onde decisões fundamentais são tomadas por sistemas que poucos compreendem. Ambos convergem num ponto essencial: sem um enquadramento ético e político global, a tecnologia pode transformar-se de ferramenta libertadora em ameaça existencial.

Não se trata, portanto, de “controlar” a Internet, mas de assegurar que o espaço digital permaneça um território humano, onde liberdade, equidade e segurança coexistem. Onde o meu “gémeo digital”/digital twin (a projeção dos meus dados, decisões e identidade) sabe até onde pode ir. Onde cidadãos e instituições operam sob regras claras e com direitos assegurados.

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Carta de Princípios Digitais

Construir esta Carta de Princípios Digitais é um desafio coletivo — técnico, político e moral. Tal como no passado construímos democracias para equilibrar poder e liberdade, hoje precisamos de reinventar esse equilíbrio no domínio digital. Porque o espaço digital já não é paralelo à sociedade: é a própria sociedade em versão acelerada.

E se no século XX lutámos por direitos civis, sociais e políticos, o século XXI exigirá a luta pelos direitos digitais fundamentais — aqueles que podem, literalmente, determinar a continuidade da própria humanidade.

– Rui Ribeiro

Consultor Transformação Digital e Professor Universitário

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Rui Ribeiro
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