É horrível! Somos (quase) todos culpados. Na Península arderam mais de 6.000 Km2

Saibam que a Grande Lisboa tem 100 Km2 e que a área de Madrid é de 604,3 Km2

As alterações climáticas não fazem fogos: é uma evidência e não um acto de fé como fazem crer alguns líderes europeus entre eles o chefe do governo de Espanha, Pedro Sánchez, que aproveita a vaga de incêndios – a maior dos últimos anos com quase 405 mil hectares queimados – para anunciar um Pacto Nacional contra as alterações climáticas para combater os fogos florestais. Curioso é que Espanha passa pela mesma realidade que Portugal, uma enfermidade global Ibérica: a desertificação de algumas zonas do interior e a ausência de estratégia para os sistemas agroflorestais, os designados SAFs.

Em Espanha, em agosto em menos de um mês queimaram-se quase 405.000 hectares, ou seja, 4.050 Km2 qualquer coisa como mais 2.016 Km2 que a área de Tenerife, a maior ilha entre os arquipélagos que constituem a Macaronésia que tem 2.034 Km2.  A área destruída inclui cerca de 160 mil hectares de áreas protegidas e 35.400 de terreno agrícola. Já em Portugal, arderam 142.234 hectares (1.422 Km2), ainda que a EFFIS – o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais – anuncie 274.000 hectares, o ano mais negro desde 2017.  Os números mostram que na Península Ibérica arderam mais de 600 mil hectares em menos de 4 semanas.

Sanchéz pretende essencialmente desviar as atenções da crise de uma liderança e da sua falta de ética que, por exemplo, governa sem Orçamento Geral do Estado pelo segundo ano consecutivo, e os múltiplos casos de corrupção que afectam a sua família e o seu partido, o PSOE. O presidente do governo espanhol procura salvar uma legislatura que depende das minorias para se manter e apenas aprovou três Leis no parlamento, com destaque para a Lei da Amnistia para a Catalunha (2024) e a chamada ‘Lei ELA’, Lei 3/2024, aprovada em 30 de outubro, para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica que ainda assim não entra em vigor por falta de verbas para a sua execução.

Mas centremo-nos nos incêndios florestais e em áreas agrícolas extensivas que dispersam pela Península Ibérica, onde desde já se revela a necessidade imediata de avaliar e rever a gestão dos fogos, claramente politizada porque os responsáveis máximos pela protecção civil quer de Portugal, quer de Espanha são da confiança política das governanças. É decisivo colocar técnicos a gerir o combate aos fogos.

Em Portugal e Espanha impõe-se reavaliar a gestão dos fogos, trocando os comandos de confiança política por técnicos especialistas, mas também será ainda mais determinante praticar a prevenção acelerando a estratégia para os sistemas agroflorestais, os designados SAFs. Afinal, se a política europeia abriu – quase em uníssono – guerra às emissões de CO2, nada melhor que proteger a floresta que actua como escoadouro de carbono. Na Península Ibérica apenas 10% dos incêndios resultam de causas naturais, particularmente de tormentas eléctricas. Os fogos intencionados ultrapassam os 50% das ocorrências. Dos detidos em Espanha, 90% são incendiários e só 10% são pirómanos.

Fogos
Para que os montes não ardam necessitamos mais cabras nos montes e menos cabrões nos gabinetes”. Importa atender que um cabrão é um bode, o macho da cabra…

Será também mais determinante fomentar a prevenção acelerando a estratégia para os sistemas agroflorestais, os designados SAFs, que, fundamentalmente, integram árvores e arbustos com culturas agrícolas, forragens e também animais de pastoreio, num modelo que promove, num mesmo espaço, benefícios ambientais e económicos transversais a práticas efectivamente sustentáveis. Ou seja, falamos de ecossistemas que optimizam recursos naturais, essenciais à recuperação de territórios degradados.

Afinal, se a política europeia abriu – quase em uníssono – guerra às emissões de CO2, nada melhor que proteger – e quiçá subsidiar – a floresta que actua como escoadouro de carbono, absorvendo-o da atmosfera e posteriormente libertando oxigénio… Acontece 0 processo conhecido por fotossíntese que aprendemos na escola.

Não há outro caminho: neste contexto, as Administrações Públicas encontram-se obrigadas a promover a repovoação criando condições globais para estes novos assentamentos. Se não for assim, continuaremos numa espiral sem travão e a promover o futuro das “indústrias do fogo”.

Fogos
Desespero de um bombeiro. A imagem, captada por um popular não identificado e que foi publicada nas redes sociais, mostra a angústia de quem trabalha para nos proteger…. Aconteceu em Monchique, em 2018

Os incêndios em Espanha investigam-se: SEPRONA da Guardia Civil – unidade especializada na protecção do meio ambiente, dos recursos naturais – é responsável pela investigação sobre as causas dos incêndios. Ainda sem relatórios definitivos do organismo, conhecemos a detenção de 25 cidadãos de 52 suspeitos de fogo posto e também algumas afirmações de responsáveis que investigam o terreno que apontam para que apenas 10% dos fogos aconteceram por causas naturais, particularmente pelas tormentas térmicas, e cerca de 50% são intencionados. Mas há um dado curioso: só 10% dos detidos e suspeitos serão pirómanos, ou seja, pessoas com transtorno mental caracterizado por um impulso inevitável de principiar incêndios repetidamente, motivado pela fascinação pelo fogo. Os restantes 40% são incendiários: os malvados que causam um fogo voluntariamente, ou seja, com premeditação e intuito de provocar dano ou por fim lucrativo. 

Desde 2008, que se conhece a “indústria do fogo” como um negócio lucrativo. Assalta-me a consciência, a indústria do contraplacado, dos estorcidos de madeira, dos equipamentos pessoais para bombeiros, das mangueiras, das autobombas, do aluguer e compra de helicópteros e aviões-cisterna. Neste âmbito, “jogam-se” centenas de milhões de euros, mas menos que as perdas que abrem literalmente “feridas” na floresta e em terrenos agrícolas que precisarão de anos para cicatrizar.

As percas de vidas e de dinheiro são um escândalo que custa assumir pela maioria. Naturalmente que este paradigma incomoda pouco quem vive e apenas tem família nas cidades. E aos políticos pouco ou nada: A Espanha e o Portugal profundos não dão votos substanciais.

Pratica-se com a demagogia das alterações climáticas para justificar os fogos florestais, mas ignora-se um dos fenómenos que está na origem da degradação ambiental global: O destino dos resíduos sólidos, particularmente dos lixos para além das águas residuais. A Espanha reciclou cerca de 48% dos seus resíduos, um valor inferior à média europeia, mas que ainda varia significativamente dependendo do tipo de resíduo. As taxas de reciclagem para resíduos municipais eram de aproximadamente 40% em 2020. Já no final de 2021, a taxa de reciclagem de envases de plástico foi de 39,7%. Em Portugal, em 2024, a percentagem de lixo comum recolhido, representou cerca de 77% da totalidade dos resíduos. Já a recolha selectiva – supostamente reciclada – representou 21%, embora 67,2% dos portugueses afirmem fazer a separação de embalagens para a reciclagem.

Recordar que o objectivo da União Europeia para a reciclagem global de todos os lixos é de uma média de 50% para o final deste ano. Contudo, a meta para reciclar embalagens é de 65% deste lixo produzido nos Estados Membros.

Os fogos em Portugal não encontram paralelo. Todos os anos é uma aflição. Este desastre ambiental tem calendário anual – isso mesmo, em Portugal há ‘época para fogos’ – parece ter adeptos, movimenta interesses e, acima de tudo, muito dinheiro, milhões de euros.  Agora, em Espanha somos surpreendidos por uma espécie de contágio: Em agosto, em menos de um mês queimaram-se quase 405.000 hectares, ou seja, 4.050 Km2 qualquer coisa como mais 2.016 Km2 que a área de Tenerife, a maior ilha entre os arquipélagos que constituem a Macaronésia que tem 2.034 Km2.  Para avaliarmos a dimensão, basta dizer que a ilha da Madeira tem 741 Km2. Já em Portugal, arderam 142.234 hectares (1.422 Km2), ainda que a EFFIS – o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais – anuncie 274.000 hectares, o ano mais negro desde 2017.

Recordo o arquitecto Ribeiro Telles, num encontro entre amigos e conhecidos: “Dantes era a matéria orgânica que se limpa da floresta que mantinha a agricultura e melhorava a qualidade dos solos e, em simultâneo mantinha-se maior capacidade de retenção de água na floresta. Com a limpeza exaustiva converte-se a mata num espelho, a água corre com maior velocidade e o ambiente fica mais seco”.

Formei opinião própria quando comecei a escutar especialistas, principalmente o Arq. Gonçalo Ribeiro Telles, falecido há quase 5 anos (11 de novembro de 2020). O fenómeno é uma das maiores emergências nacionais pelos efeitos destruidores que causam: prejuízos económicos e ambientais, e são origem de risco para as populações e bens. 2003 e 2005 Foram os anos mais trágicos no país, arderam 425 839 e 339 089 hectares. Portugal tem 92 152 km².

Mas fico-me por algumas dos ensinamentos do senhor Arquitecto Ribeiro Telles, como:

A limpeza tem de ser entendida como uma operação agrícola. Portanto, a limpeza da floresta é um mito, porque o que se limpa na floresta, a matéria orgânica (?)… ¿E então, o que se faz à matéria orgânica, deita-se fora, queima-se?

E o arquitecto paisagista – respeitado internacionalmente – explana: “Dantes era com essa matéria que se ia mantendo a agricultura em boas condições e melhorando a qualidade dos solos. E, ao mesmo tempo, era mantida a quantidade suficiente na mata para que houvesse uma maior capacidade de retenção da água”. E pormenoriza: “Com a limpeza exaustiva transformámos a mata num espelho e a água corre mais velozmente e menos se retém na mata, portanto mais seco fica o ambiente. A limpeza tem de ser entendida como uma operação agrícola”.

E detalha uma das maiores verdades: “Mas esta floresta monocultural de resinosas e eucaliptoslimpa ou não limpanão serve para mais nada senão para arder. Aquela floresta vive para não ter gente“.

«Somos um país de papel, onde planos e leis são fumo de uma democracia moribunda», afirmou Nádia Piazza, mãe de uma das vítimas do incêndio de Pedrogão que começou pelas 14 horas de 17 de junho de 2017. A mensagem de Nadia é de uma mãe desesperada que foi, ela própria, vítima da incapacidade do Estado português em defender os seus cidadãos em momentos cruciais.

Portugal é realmente um País de papel de imensas fragilidades em sectores primordiais da vida pública, como na Justiça, na protecção civil, e mesmo no ensino e na saúde. Encerramos ainda debilidades nas contas públicas, muito por força de aceitarmos:

  • O poder desmedido das empresas público-privadas que nos custam rendas anuais leoninas;
  • Da banca que se resgata com as contribuições de todos nós, sem que isso seja hipótese de referendo;
  • Do sector energético que inexplicavelmente continua a precisar de subvenções públicas a troco da sustentabilidade e num mercado onde as energias alternativas, a eólica e a fotovoltaica são mais caras que as mais convencionais.

Podem consultar registos dos incêndios em: https://fogos.pt/tabela

– Texto por José Maria Pignatelli (Texto não está escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico).