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A Espécie humana, ao longo da sua existência terrena, passa por vários estádios de maturação, mais ou menos da seguinte forma: Bebés, Crianças, Jovens, Adultos, e Idosos, sendo nesta última fase catalogados também, como, Velhos, Ancião, Terceira Idade (aqui a estratificação etária é: jovem, adulto, terceira idade), Sénior, e até por avô ou avozinho, ainda que sem relação de parentesco, apenas para significar que o destinatário do apodo é alguém “ultrapassado pela idade”.
Numa perspectiva económica, isto é, se uma pessoa é um contribuinte fiscal, pagando impostos ao erário público, seja porque tem um trabalho remunerado, seja por ser proprietário de bens mobiliários ou imobiliários geradores de mais valias pecuniárias (lucros ou receita), é considerado pela sociedade um Activo, classificação que também se aplica a quem tem um trabalho, uma profissão ou uma ocupação remunerada.
Estranhamente, quando o profissional, passa à condição de Reformado, Pensionista, e Aposentado, ou simplesmente desempregado, passa à condição de Não Activo, isto é, a sociedade como que lhe reduz a dignidade de pessoa, como os demais, apenas porque deixou de ser contribuinte pecuniário do sistema, passando apenas a beneficiário desse mesmo sistema, criando o anátema de tudo se resumir a quem dá e recebe dinheiro do sistema, da sociedade.
Em termos simplistas é assim que a sociedade se acha organizada, e nos dias que correm, tudo se resume à dicotomia – Activo versus Não Activo.
Atribui-se a Voltaire a frase: “um ancião é uma grande árvore que, já não tendo nem frutos nem folhas, ainda está presa à terra”, para ele o Ancião seria um Não Activo. Mas será assim? o Ancião já não dá frutos? depende do que se considera fruto … Obviamente.
Veja-se uma frase retirada de textos Budistas “Não são os cabelos que fazem o ancião; de qualquer velho que só tenha idade, pode-se dizer que envelheceu em vão”, quase parece uma resposta a Voltaire, não basta ser velho para ser ancião, é necessário que as experiências vividas tenham resultado em lições aprendidas.
Tempos houve em que o Velho, o Velhinho, era uma pessoa muito considerada, e vastas vezes era conhecido como o Ancião, e reconhecia-se-lhe méritos muito acima da média, fruto de todo um acumular de experiências e saberes que o transformavam de simples Sabedor (o sabedor é aquele que domina uma qualquer arte especifica), em Sábio (alguém num estádio de conhecimento global muito avançado), cujo conselho era um poderoso farol, conselheiro, para os demais.
Em diversas religiões, o papel do Ancião chega a ser o de uma venerável pessoa, por exemplo na religião do antigo Israel a figura do Za-Qen, oriundo da região hebraica Tanakh, eram os líderes das suas comunidades. Na religião muçulmana o Sheik é o Ancião mais importante, na religião do caraísmo o Ancião é o hakham, autoridade nas suas comunidades, e entre os Drusos é o Uqqual, o Ancião.
Entre os cristãos o Ancião achava-se escorado na figura do Presbítero, sendo este o dirigente de uma congregação local. Ora Presbitério era o conjunto de presbíteros nomeados para colaborar com o Bispo, e curiosamente, em grego, Presbitério significa “Anciãos” o que nos convoca o Ancião já referido no Antigo Testamento, veja-se a seguinte passagem “E disse o Senhor a Moisés: Ajunta-me setenta homens dos anciãos de Israel, de quem sabes que são anciãos do povo e seus oficiais; e os trarás perante a tenda da congregação, e ali se porão contigo. São inúmeras as referências a Anciãos no texto bíblico, atribuindo-lhes um papel de extrema importância, pois eram consideradas “pessoas justas e sensatas que assessoram”.
Na Roma Antiga, a mais antiga assembleia política, o Senado (oriundo do latim senâtus a partir do termo senex, que significa “Homem Velho”), vai buscar as suas raízes ao “Conselho de Anciãos” da Antiguidade Oriental (por volta do ano de 4.000 AC), em especial das comunidades do Lácio (comunidades tribais que tinham um conselho aristocrático composto por anciãos tribais), ou seja, a palavra Senado é o “Conselho de Anciãos”. Este Conselho era uma assembleia dos homens notáveis dos “Pater Familia” (Pais e/ou Chefes de Família).
Marco Pórcio Catão (Catão, o Velho) – 234-149 A.C. (Roma Antiga também) fez de forma brilhante a apologia do “ros maiorum” (o costume dos anciãos) segundo a qual a vida das pessoas devia ser simples, respeitando as boas tradições.
Também na cultura judaica temos o Sinédrio (Sanhedrim), esta era a corte suprema, cuja missão era administrar a justiça, e os seus integrantes eram Anciãos eleitos, em número de 70. A primeira referência conhecida, ainda com o nome de Geroussia (conselho de anciãos) remonta ao reinado de Antíoco III da Síria (223-187 AC), Sinédrio há registos datados de pelo menos o reinado de Hircano II (63-40 AC.
Para Max Weber, a circunstância da existência de famílias numerosas, nas aldeias, conduzindo à existência de estruturas sociais tradicionais, impulsionaram o Ancião, ao estatuto de Autoridade, como forma de organizar o respectivo contexto social, e, segundo a sua nomenclatura, tratar-se-ia de um sistema de governo de famílias, pelo homem mais velho, designado como Poder Patriarcal.
Jorge Luís Borges, filósofo, nascido na Argentina, dizia que “O homem é um animal, mas com o tempo, o animal vai morrendo e acaba restando somente o homem”, já John Ralws vaticinava “O Homem é o lobo do próprio homem”. Perspectivas, dirão alguns. Realidades dirão outros. Prefiro pensar que são as circunstâncias que determinam estas visões.
Ainda hoje, no Oriente existem tradições em determinadas culturas, onde o Ancião tem um papel vital, ao ponto de, inexistindo um Ancião na comunidade, urge contratar um, porquê? Porque os prudentes e sábios, são Anciãos, os quais reunindo periodicamente, decidem litígios dentro das comunidades, e ainda lhes cabe o papel de transmitir as tradições culturais, de forma oral, aos mais jovens.
Para Will Durant, autor do livro “A História da Filosofia” “O tempo é cruel e o conhecimento empírico dos anciões – ou dos mais velhos – não pode ser desperdiçado, pelo contrário, deve-se abrir os ouvidos para ouvi-los.”
Encontramos no provérbio “Se o jovem soubesse e o velho pudesse” um objectivo sentido que imputa aos jovens o “Poder” fazer, e aos velhos o “Saber” fazer, ou seja, a diferença entre o sabedor e o sábio que acima indicámos. Complementam-se.
Veja-se que entre os Judeus, quando há um litígio, ele é dirimido pelo Rabino, uma pessoa a quem se lhe reconhece maturidade e sabedoria, fazendo da sua decisão algo que todos aceitam e respeitam. Hillel, o Ancião, (60 ac – 9dc), era um respeitado judeu, que ao proclamar “Não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti” resumiu, magistralmente, toda a Torá, numa regra de ouro. E ainda hoje prevalece.
No Afeganistão ainda existem tribos com os seus “Conselho de Anciãos” a quem cabe dirimir litígios, também.
Nos Emiratos Árabes Unidos está sedeado o “Conselho Muçulmano de Anciãos” também designado por “Conselho de Sábios Muçulmanos”, presidido actualmente pelo Grande Imã da mesquita e Universidade Islâmica do Cairo Al Azhar.
João Paulo II, um dos mais carismáticos Sumo Pontífice dos nossos tempos é o autor de um documento pontifico “Carta aos Anciãos” bem ilustrativo, em 1 de Outubro de 1999, por ele endereçada “aos meus irmãos e irmãs anciãos”. É um texto extraordinário, com um grande detalhe sobre a importância do Ancião, do idoso, Homem Velho, recipiendário de um acumular de vivências, absolutamente valioso, para a sociedade. Pode consultar esse texto em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/letters/1999/documents/hf_jp-ii_let_01101999_elderly.html.
Esta missiva do Santo Padre, veio no decurso da proclamação, por parte das Nações Unidas, do dia 1 de Outubro como o dia Internacional do Idoso, em 1999.
Hoje, as pessoas são segregadas em Activos e os Outros, naquilo que é uma “normalização” imposta pela Ciência Económica, que tudo reduz a um mero dígito nas estatísticas oficiais, contrariando a raiz da dignidade humana, que nas palavras do Santo Padre, é a circunstância do ser humano o ser à semelhança de Deus, e por isso, a criança, o jovem o adulto o ancião, têm todos a mesma dignidade divina.
Se as sociedades humanas, ao longo da sua história se têm desenvolvido, com base no papel e função do Ancião, enquanto receptáculo de sábias orientações, esculpidas na forja de uma vida intensa, sofrida, trabalhosa, com êxitos, e inêxitos também, porque razão apodar o Velho, o Idoso, o Ancião, como alguém descartável, um empecilho?
Se os Activos são aquelas pessoas inseridas no mercado de trabalho (como se o trabalho fosse um “mercado” e não uma função que dignifica a pessoa humana), na plena posse do seu vigor físico, intelectual, etc., então e por tudo o que vimos, o Ancião, é um ACTIVO PLUS, porque pode assumir-se como uma mais valia incontornável, à voracidade da velocidade da vida moderna.
Basta ver como os avós têm vindo a substituir o tradicional papel dos pais, no acompanhamento das crianças e dos jovens, estes, os pais, ocupados no frenesim da sua vida profissional, prisioneiros do relógio, e sob a ditadura fria e calculista do “relógio de ponto”, veem-se obrigados a delegar, informalmente, o seu poder parental nos seus ascendentes, cuja fase da vida os encontra ou reformados, ou pensionistas ou aposentados, mas ainda com muito para dar à sociedade.
Lamentavelmente a sociedade parece não querer aproveitar a imensa riqueza que estas pessoas transportam na sua cabeça, nos seus corações. Os ACTIVOS PLUS, são muito mais do que a mera soma de experiências, de vivências, acumuladas, são na realidade Sábios, ansiosos por continuarem a ser úteis, seja na sua área de conhecimentos, seja até noutras áreas, onde o conjunto de “expertises” possam, e devam, ser utilizadas em proveito da comunidade.
No limite, mesmo depois de ascenderem ao “Oriente Eterno”, segundo uns, ou ao “Céu” segundo outros, a verdade é que continuam a ser úteis, pois não cantou Camões sobre aqueles “que da Lei da morte se vão libertando…” como sendo as pessoas que partem mas deixam a sua marca? Assim é, de facto.
2023, é terceiro ano da terceira década, deste século XXI, as preocupações da humanidade aparentam ser as alterações climáticas, a alimentação da humanidade, as Pandemias, e agora a guerra na europa … tudo isso convoca o papel dos ACTIVOS PLUS.
Oliveira Dias
Presidente do Conselho Fiscal da ANAPR/MODERP
Associação Nacional de Aposentados Pensionistas e Reformados (IPSS/UGT)